Já se tornou um hábito. Ao minuto 12 dos jogos da Bundesliga e da 2. Bundesliga, os adeptos interrompem a partida com objetos arremessados para o relvado. Entre bolas de ténis, maçãs, moedas de chocolate, apitos e até carros telecomandados, já quase tudo serviu para demonstrar desagrado e deixar claro que as bancadas têm a capacidade de fazer parar um encontro de futebol. E o motivo até é simples de explicar.

O minuto 12 tem sido escolhido pela simples alusão ao 12.º jogador, a designação tantas vezes dada aos adeptos. A motivação dos protestos, porém, está associada ao facto de a DFL, a Liga alemã, querer vender 8% dos direitos comerciais da Bundesliga e da 2. Bundesliga a uma private equity ou seja, a um investidor externo que durante os próximos 20 anos poderia explorar parte dos direitos audiovisuais, comerciais e até dos namings das próprias competições em troca de um encaixe financeiro imediato que pode chegar aos mil milhões de euros. Uma lógica que já acontece, por exemplo, tanto na La Liga de Espanha como na Ligue 1 de França.

Ora, na altura em que apresentou a proposta, a DFL explicou que estava à procura de formas alternativas de financiamento porque está a perder terreno para os outros principais campeonatos europeus no que toca à “capacidade de exploração comercial e internacionalização”. Na verdade, o último relatório da UEFA indica que a Bundesliga é a terceira liga que mais dinheiro encaixa com os direitos televisivos, ficando atrás da La Liga e da Premier League — mas também deixa claro que o valor atual, que chegou aos 1.048 mil milhões de euros em 2022, é 13% inferior ao praticado em 2019/20.

A DFL defende que o negócio permitiria o aumento dessas mesmas receitas televisivas, do encaixe financeiro feito com o marketing e a publicidade do impacto no mercado além-fronteiras. Adicionalmente, a liga lembra que esta seria uma forma de financiar o futebol alemão que não colocaria em causa a chamada regra “50+1”, que impede investidores privados de terem uma participação maioritária nos clubes.

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A proposta começou por ser votada e chumbada em maio, altura em que aconteceram os primeiros protestos dos adeptos, e a DFL fez algumas alterações à ideia inicial: desde logo, baixou a percentagem vendida para 8%, já que o valor original chegava aos 12,5%. No passado dia 11 de dezembro, repetida a votação, o negócio foi aprovado com o voto favorável de 24 clubes, 10 votos contra e duas abstenções.

Ainda assim, a própria votação está afundada em polémica e tudo devido ao caso específico do Hannover, que tem uma estrutura que lidera o futebol profissional mas que teoricamente tem de respeitar as indicações do clube — precisamente para não violar a regra “50+1”. Ora, de forma pública, o clube deixou claro que pretendia votar contra a proposta. Mas Martin Kind, CEO do Hannover e líder da tal estrutura que controla o futebol que estava responsável pelo voto, não revela se votou contra ou favor. Ou seja, caso tenha votado favoravelmente, colocou em causa o princípio da prevalência da vontade da maioria do clube, quebrou a regra “50+1” e tornou a votação inválida.

O Hannover já protestou formalmente junto da DFL, mas a liga alemã lembra que Martin Kind estava mandatado e autorizado a votar pelo clube. O CEO tem sido um dos principais visados pelos protestos dos adeptos: na semana passada, no jogo entre o Hamburgo e o Hannover, o apito inicial foi atrasado porque existia um cadeado de bicicleta preso a uma baliza, com um cartaz nas bancadas a indicar que o código para o abrir era “50+1”.

Os protestos têm subido de tom nas última semanas e, no sábado e no jogo entre o Hamburgo e o Hansa Rostock, dois carros telecomandados com bombas de fumo entraram em campo. Já no domingo, na visita do Bayern Munique ao Bochum, o árbitro teve de interromper a partida em duas ocasiões devido às bolas de ténis que estavam a cair no relvado — no segundo momento, já na segunda parte, enviou mesmo todos os jogadores e respetivas equipas técnicas para os balneários.

Do lado dos profissionais, tanto treinadores como jogadores têm apoiado o direito dos adeptos de demonstrarem desagrado e discórdia, ainda que recordem que os protestos têm riscos. “Acho que todos queremos uma solução rápida e sensível, quer estejamos no relvado ou fora dele. Havia muitas bolas. Foi muito perigoso, em alguns momentos. Podemos dar-nos por satisfeitos por não ter acontecido nada de mais grave hoje”, disse Edin Terzić, treinador do Borussia Dortmund, depois de o jogo contra o Wolfsburgo também ter sido interrompido com o arremesso de bolas de ténis.

Do lado dos adeptos, os representantes dos grupos organizados explicam que é necessário incomodar para exigir atenção. “Enquanto os protestos não causavam disrupção, eram um lado pitoresco do futebol. Agora estão mesmo a afetar o jogo e a tornar-se mais audíveis. É preciso incomodar, perturbar e atrair atenção”, disse Helen Breit, uma das representantes dos grupos de adeptos, criticando a “excessiva comercialização do desporto e o facto de o futebol ser visto apenas como um produto, sem possibilidade de participação dos adeptos”.

Por agora, os adeptos exigem uma nova votação, tendo como base a polémica à volta do voto de Martin Kind. Algo que poderá não ser assim tão descabido: para além de alguns clubes já terem defendido publicamente a repetição da votação, como o próprio Hannover, o Union Berlin e o Hertha Berlin, uma das empresas que estava dentro das conversações já saiu da corrida. A Blackstone decidiu afastar-se do negócio, devido a “pontos críticos na fase de negociações”, e a DFL está agora a falar apenas com a CVC, a empresa de capital de risco que fechou acordos parecidos com a La Liga e a Ligue 1.