Mais de 1.400 cartões de Pessoa com Doença Rara foram atribuídos em 2023, mais 36,3% relativamente ao ano anterior, e foram registadas 445 doenças diferentes, das quais 110 foram patologias novas, revelam dados da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Os especialistas alertam para a importância dos médicos estarem alerta para queixas de doentes que possam enquadrar-se numa doença rara, salientando que a ausência ou atraso no diagnóstico tem consequências negativas no paciente.
Desde 2014, já foram atribuídos 11.670 cartões a pessoas com doenças raras, que contêm informação clínica essencial para que em situação de emergência os médicos saibam que procedimentos adotar sem pôr os doentes risco, adiantam os dados avançados à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial das Doenças Raras, assinalado esta quinta-feira.
Em declarações à agência Lusa, a chefe de Divisão de Planeamento e Melhoria da Qualidade da DGS, Carla Pereira, adiantou que foram emitidos, em 2023, 1.417 cartões, mais 378 do que em 2022 (36,3%), destacando também o facto de 110 doenças terem sido codificadas pela primeira vez no cartão.
Carla Pereira atribui “o aumento significativo” da emissão de cartões a três fatores, sendo o primeiro “uma pequena formação” que a DGS realizou há cerca de um ano dirigida a médicos sobre a codificação das doenças raras, no âmbito da Orphanet, o consórcio europeu para as doenças raras.
Também houve contactos de “maior proximidade” com as associações de doentes” sobre o cartão, disse, apontando como terceiro fator os centros referência nacionais, que integram as redes europeias de referência, terem sido alvo de uma auditoria europeia em 2023 em que uma das condições é fazerem codificação das doenças raras com o código ‘Orpha’.
Segundo Carla Pereira, apesar de haver uma norma da DGS sobre o cartão “ainda existem muitos médicos que desconhecem a existência desta ferramenta”. “Por isso, às vezes os utentes têm dificuldades, além de que o cartão só pode ser emitido por médicos de especialidade hospitalar”, sublinhou.
A responsável explicou que o objetivo deste cartão é assegurar que as pessoas que têm determinadas doenças raras que necessitam de cuidados de urgência diferenciados possam ter acesso a eles quando chegam a uma urgência.
“Se a urgência do hospital ou dos cuidados de saúde primários não tiverem informação sobre quais os cuidados especiais que esta pessoa necessita, os cuidados normais podem pôr em perigo a vida da pessoa”, advertiu.
Este ano, o tema da campanha do Dia Mundial das Doenças Raras é “Unir para mudar! Unir para a equidade!”, visando alcançar “a verdadeira equidade para os 300 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com uma doença rara“.
Mais de 300 milhões de pessoas sofrem de doenças raras em todo o mundo
Em Portugal, estima-se que existam entre 600 mil e 800 mil pessoas com doenças raras.
“Uma pessoa que tem uma doença rara tem uma jornada solitária, porque a definição de doença rara está associada à sua prevalência. É rara e é solitária, não só porque não encontra parceiros de jornada de doença porque eles são poucos”, afirmou Carla Pereira.
Mas também é “um percurso difícil” para os profissionais de saúde: “A informação cresce exponencialmente conforme o conhecimento biotecnológico aumenta. Aumenta também o número de diagnósticos novos (…) e estar constantemente atualizado é muito difícil”, declarou.
Por isso, sustentou Carla Pereira, “o tratamento e a abordagem das pessoas com doença rara torna-se difícil”.
Realçou que no portal europeu Orphanet está informação disponível para utentes e profissionais de saúde sobre todas as doenças raras codificadas até à data, como se diagnosticam e os locais onde podem ser tratadas.
“Nós temos estas ferramentas disponíveis utilizem-nas porque o acesso à informação é uma das grandes dificuldades na abordagem às pessoas com doença”, apelou.
Com o objetivo sensibilizar a população e os profissionais de saúde para estas doenças e o seu impacto na vida dos doentes e das suas famílias, a DGS e um conjunto de entidades vão realizar um evento nacional “em nome dos doentes com doença rara“.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, Luísa Pereira, “diagnosticar doenças raras pode ser desafiador devido à falta de conhecimento entre profissionais de saúde e por se manifestarem por sintomas comuns e semelhantes a outras condições mais frequentes”.
“Há um longo caminho a fazer-se para que realmente os profissionais de saúde estejam alerta e, mesmo que não as conheçam todas, porque mesmo as pessoas que se dedicam mais às doenças raras, não sabem tudo sobre o universo das 7.000 que já foram descritas, pelo menos percebam quando veem algum doente que têm alguns sintomas (…) que não estão a conseguir enquadrar numa doença que é mais prevalente pensar um bocadinho fora da caixa e pensar que se pode tratar de uma doença mais rara e não desistir de a procurar”, disse à agência Lusa.
Luísa Pereira notou que a ausência ou um atraso no diagnóstico leva a que os doentes tenham um percurso complexo, até pela “dúvida instalada sobre o que se passa com eles”, o que acaba por ter consequências a nível emocional e psicológico.
O presidente da União das Associações das Doenças Raras (RD-Portugal), Paulo Gonçalves, realçou o entendimento de que é preciso “olhar para a investigação de uma forma diferente” e “investigar com os doentes e que as doenças raras eram o melhor veículo para se chegar à medicina personalizada”.
Destacou também a criação de um grupo de trabalho para as doenças raras, para desenhar um plano nacional Intersetorial. “Por último, há um salto qualitativo que é o estarmos quase no caminho de ter um registo nacional de saúde eletrónico único” que inclui as doenças raras.
Paulo Gonçalves defendeu ainda que é preciso aumentar a literacia sobre doenças raras para todos estarem “mais despertos para aquilo que é diferente”.