‘Culpado – Inocente – Monstro’
No novo filme do japonês Hirokazu Kore-eda, vencedor do Prémio de Melhor Argumento em Cannes, uma viúva que mora com o filho nota que ele se está a comportar de forma estranha. Quando o rapaz lhe diz que um dos professores o insultou e terá mesmo agredido, a mãe vai à escola pedir explicações à direcção e ao docente. E lá é informada que o filho anda a maltratar um colega. Nada é o que parece em Culpado – Inocente – Monstro, contado de três pontos de vista sucessivos (o da mãe, o do professor e o do miúdo). Kore-eda mostra que a realidade é, por vezes, muito mais complexa, intrigante e equívoca do que podemos pensar, fala sobre o perigo de julgarmos as coisas pelas aparências, pelos boatos, pelas primeiras impressões e tirando conclusões apressadas, faz notar que a verdade nem sempre sai da boca das crianças, e explora a os mundos secretos e privativos que estas constroem, sozinhas ou com outras, e interditos (e por vezes até incompreensíveis) aos adultos, mesmo aos pais. Este filme habilíssimo e arguto, embora por vezes demasiado laborioso, tem a última banda sonora composta para cinema por Ryuichi Sakamoto, e confirma Kore-eda com um dos realizadores que hoje melhor dirige crianças.
‘A Última Evasão’
Era para ser o último filme do nonagenário Michael Caine, que entretanto mudou de opinião e vai entrar ainda em mais um, mas foi o derradeiro de Glenda Jackson, que morreu pouco depois de o fazer. A Última Evasão é realizado por Oliver Parker e inspira-se na história real de Bernie Jordan, um veterano da Marinha britânica, que em 2014 se escapuliu do lar onde vivia com a mulher para atravessar o Canal da Mancha e assistir às comemorações dos 70 anos do Dia-D, em que tinha participado. Caine e Jackson são brilhantes, subtilmente cúmplices e tocantes, mas nunca sentimentalões, nos papéis de Bernie e da sua mulher Rene, e o filme homenageia não só aqueles que combateram na II Guerra Mundial, e tombaram na Normandia, mas também os militares das gerações mais recentes (ver o jovem que esteve no Afeganistão e perdeu lá uma perna), elogia a camaradagem entre eles e contempla também uma atitude de reconciliação entre antigos inimigos (a cena com os veteranos alemães no bar). John Standing, que há quase meio século contracenou com Caine em O Voo das Águias, faz um antigo piloto da RAF que, tal como Bernie, carrega o peso de uma culpa secreta há 40 anos, da qual este o vai ajudar a libertar-se.
‘Diálogos Depois do Fim’
Tiago Guedes muda radicalmente de registo nesta montagem para cinema da série de 19 episódios que irá depois passar na RTP, assentes no livro Diálogos com Leucò, que o italiano Cesare Pavese escreveu pouco depois da II Guerra Mundial, em 1947. A obra é composta por diálogos filosóficos entre deuses humanizados, semi-deuses, heróis e outras figuras pagãs da mitologia grega, que interrogam a existência e a tentam compreender, e a eles próprios, aqui filmados em vários locais de Portugal continental e ilhas, com a participação de um vasto elenco. O contraste extremo entre a natureza divina, semi-divina ou fantástica das personagens dialogantes, e o seu aspecto desleixado e a caracterização pobre e banalmente contemporânea (porque não ter optado antes por um guarda-roupa mais estilizado e intemporal?), e os ambientes insistentemente lúgubres e sombrios em que as várias sequências foram filmadas, aliados à falta de contextualização, ao tom de declamação monótona dominante e ao grande peso da palavra, fazem deste rarefeito e cerebral Diálogos Depois do Fim uma obra bem mais adequada à televisão do que ao cinema.
‘Priscilla’
Sofia Coppola adapta o livro de memórias Elvis and Me, que Priscilla Presley escreveu com Sandy Harmon, sobre o seu namoro e posterior casamento com Elvis Presley, entre 1967 e 1973, e é um filme que pode ser visto como o reverso do entusiástico Elvis, de Baz Luhrmann. Priscilla é contado do ponto de vista de Priscilla Presley, e nele Elvis ou está ausente, ou é o Elvis íntimo e doméstico, primeiro namorado, depois marido e pai, que raras vezes vimos retratado desta forma em filme, e nunca o Elvis público, artista e lenda do rock. Cailee Spaeny interpreta Priscilla Presley e foi distinguida com a Taça Volpi de Melhor Actriz no Festival de Veneza. A fita começa em 1959, quando Priscilla tinha 14 anos e vivia na então Alemanha Federal, onde o pai, militar de carreira, estava colocado, e conheceu Elvis (personificado por Jacob Elordi), que tinha 24 anos e era já uma estrela, numa festa; e acaba em 1973, quando ela deixou Graceland para se divorciar dele, levando a filha, Lisa Marie. Priscilla foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.