Se há coisa que as senhoras de Palm Beach, Florida (EUA), sabem apreciar é um bom cocktail. Não pode ser demasiado doce, tem de ter a dose certa de álcool e, obviamente, o copo apropriado. Palm Royale é mais ao menos como o novo cocktail da temporada — recém-chegado, com elementos estranhos, nem sempre sabe bem mas, no final, é diferente e refrescante.
A série da Apple TV+ — cujos três primeiros episódios já estão disponíveis, com um novo todas as quartas-feiras — era a comédia que faltava nestes primeiros meses de 2024, completamente dominados por produções dramáticas.
Estamos no verão de 1969, com lenços, padrões vibrantes e cabelos armados ao estilo de Mad Men. Temos uma comunidade onde os crimes e os segredos são abafados e servem de moeda de troca consoante os interesses em jogo, fazendo lembrar o ambiente tenso de Big Little Lies. As protagonistas são um grupo de mulheres para quem o estatuto é tudo e pode destruir vidas (não interessa se a era é a de Bridgerton ou a de The Gilded Age, a questão mantém-se a mesma). Junta-se tudo num shaker, mistura-se bem e acabamos num clube exclusivo para ricos ao qual todos querem desesperadamente pertencer, o Palm Royale.
[o trailer de “Palm Royale”:]
É literalmente a trepar a vedação da propriedade que conhecemos Maxine (Kristen Wiig), que depressa tenta inserir-se no grupo de patroas (perdão, senhoras chiques) que mexem os cordelinhos da alta sociedade como se estivessem a gerir o negócio da máfia de Os Sopranos. Estas, agarradas aos seus postos com tenacidade, não estão interessadas em deixar ninguém novo entrar, muito menos uma sulista com sotaque carregado do Tennessee, com cabelo loiro platinado e porte de Barbie.
É aqui que reside o grande trunfo da série: o elenco. No topo da pirâmide está Norma Dellacorte (Carol Burnett) que, estando em coma há semanas, deixa espaço para os abutres à sua volta tentarem ficar com o lugar. A primeira na fila é Evelyn Rollins, que conta os dias para o marido moribundo, Skeet (Bruce Dern), morrer e lhe ficar com a fortuna, e que é interpretada de forma sarcástica e magistral por Allison Janney. Dinah Donahue (Leslie Bibb) é mais jovem e espertalhona, tem um marido que a sustenta e um amante tenista que ela sustenta. Raquel Kimberly-Marco (Claudia Ferri) é, de facto, mulher de um mafioso; Mary Jones Davidsoul (Julia Duffy) é uma viúva que precisa de muito dinheiro para as causas caridosas que apoia; e Ann Holiday (Mindy Cohn) escreve a coluna de mexericos que toda a gente devora. São excêntricas, mesquinhas, pouco leais e puro entretenimento.
Apesar de fingirem (pouco), não se suportam, mas unem-se quando a tarefa é deixar Maxine de fora e mostrar-lhe que aquele não é o lugar dela. Ela que, na verdade, é mulher do adorado sobrinho de Norma, mas rotulada como uma alpinista social. Após 20 anos fora, o casal está de volta a Palm Beach, na teoria para tratar da debilitada tia, na prática para herdar a gigantesca fortuna dos Dellacorte.
Maxine começa por parecer tonta e fútil (e, em certos aspetos, é). “Porque é que queres estar onde não és desejada?”, pergunta-lhe a dada altura Linda (Laura Dern), uma hippie que acaba por fazer parte do seu círculo próximo. Rapidamente percebemos que o que Maxine precisa desesperadamente é sentir que pertence a algo, a um grupo ou comunidade, sensação que nunca teve na vida. E o que nós precisávamos (e também não sabíamos) era de ver Kristen Wiig num papel principal onde é cómica, efervescente, empática, genuína e dramática.
Por vezes, a história perde o rumo — com as narrativas de uma baleia encalhada na praia, um príncipe charlatão, o astronauta salvador da NASA e algumas tentativas de homicídio muito pouco polidas — mas a persistência de Maxine (e os 37 mil modelos de roupa e acessórios que desfila) mantém-nos interessados. Isto, apesar de os episódios serem longos (cada um dos dez tem mais de 50 minutos) e terem demasiada coisa a acontecer.
Laura Dern, a hippie “que usa demasiada ganga”, como diz Maxine, tem um passado que prefere esconder e em Palm Royale serve para introduzir temas como a guerra no Vietname, a oposição a Nixon (cujos discursos ocupam sempre as televisões) e a liberdade de escolha das mulheres. Ricky Martin também anda por Palm Beach, primeiro como um dos grandes adversários de Maxine, depois como o seu maior defensor. Ele é Robert, um barman (e o protegido de Norma) que, obviamente, sabe os segredos dos ricos.
Baseada no livro Mr. & Mrs. American Pie, de Juliet McDaniel, a história foi adaptada para televisão por Abe Sylvia (showrunner de Tammy & George, produtor executivo de Dead to Me). A cenografia (de Jon Carlos) é hipnotizante e o mesmo se pode dizer do guarda-roupa (da responsabilidade de Alix Friedberg).
Palm Royale às vezes é boa, às vezes é fraca, às vezes é hilariante, outras vezes é “o que raio se passa aqui, alguém esteve a beber enquanto escrevia isto?”. É tanta coisa misturada que a cruzada da protagonista se esfuma no meio do turbilhão de ação. Porém, há plot twists que não vemos chegar e que voltam a deixar o copo meio cheio. A série cumpre o seu propósito, é uma comédia, está bem escrita, tem falas sarcásticas e perspicazes e tem interpretações sem mácula. Precisa de afinar o foco da narrativa e aprofundar algumas personagens, mas é um cocktail que pode ser consumido ao almoço, à noite, em casa ou até no golfe — seguindo o exemplo das senhoras do clube mais exclusivo da Florida.