Terminamos o café nas típicas chávenas que vieram da casa dos avós de um delas, combinado com um pastel de nata (mais português seria difícil). A curta distância, espreitam as plantas (tal como as mães de ambas mantinham em abundância), e ainda os livros, não viessem as anfitriãs de famílias onde as lombadas se acumulavam em larga escala nas estantes das bibliotecas. Por aqui, cruza-se herança com criações contemporâneas para ver e comprar.

15 anos depois de terem começado a trabalhar juntas, com a marca Nó Projetos, Rosa Cruz Rodrigues e Leonor Simões Coelho abrem agora portas na Rua de São Paulo. Com o universo literário em fundo, os seus autores, e ainda coleções didáticas (com presença assídua na Feira do Livro de Lisboa há já 7 anos), a Lisboa Paper Company é loja, galeria, espaço para workshops, ponto de encontro. Para além de ser uma nova morada para a ilustração em formato de póster, a base do trabalho da dupla, é também uma montra para uma fornada de criadores e artistas, numa lógica de proximidade.”Tentamos juntar projetos mais modernos com uma perspetiva artística e ir buscar aquilo que se faz em Portugal de forma mais tradicional, descreve Rosa. “A âncora da loja é o que se produz localmente”, acrescenta Leonor. “Desde que se viva cá e se produza cá faz sentido, não é exclusivo português”.

O piso superior recebe os workshops, lançamentos de livros e outros eventos na mira, como jantares de partilhas de experiências

É o caso, por exemplo, de Paola Liguori e da sua joalharia e outros acessórios feitos com plástico devolvido pelo oceano. Mas não faltam alternativas no piso térreo e recuo inferior deste espaço do Cais do Sodré. Por aqui abundam as referências algarvias da Oficina do Poeta Azul, as bases de azulejo pintadas à mão de Álvaro Almeida, os candeeiros origami da Owl Paperlamps, a roupa para bebé da Micas Tricas, a cerâmica de Rita Kroh, ou as caras da Goiva em louça: “quanto mais irritada estiver melhor saem estas caras, diz ela”, conta Leonor sobre o processo criativo da autora.

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O trabalho de tufting da Ohxoja junta-se à festa, bem como os candeeiros de pé e suspensos da Oficina 8, fabricados com tambores de máquinas de lavar. Ou ainda a crónica em livro e imagem de uma Lisboa Vazia, por Sofia Dias, para um registo de uma capital confinada, primeiro a preto e branco, progressivamente a cores, à medida que as ruas despidas se voltaram a encher de gente.

Em forma de redes de pesca ou em formato mais convencional, os mapas fazem parte do trajeto de Rosa e Leonor, e também surgem por aqui

Além do seu atelier de design, Rosa e Leonor mantêm na Lx Factory uma pop up partilhada. Faltava dar o passo em frente. “Já tínhamos este gosto de querer uma loja com outro tipo de carácter, como esta”, partilha a primeira. Entretanto conheceram Matthew, o amigo americano que se associou a este novo projeto. “Há dois anos que vive entre cá e lá, no verão aterra em Lisboa, e o sonho dele sempre foi arranjar um espaço de galeria, nada elitista, onde tivesse artistas locais com qualidade e diversidade. Um espaço para residentes e estrangeiros”, explica Leonor. “Eu e a Rosa queremos ter o nosso espaços enquanto artista, e convidar artistas, e esta conjunção resultou aqui. Ele adora este bairro, onde fica sempre, e nós também. Confia na nossa opinião de lisboetas.”

Lisboetas que acabaram numa das artérias com mais hype do momento, verdadeiro íman para turistas, nómadas digitais mas também marcas e projetos nacionais que se foram estabelecendo, como a +351, Ementa, Parlamento ou Portuguese Flannel. Em julho passado, começaram à procura de espaço, em agosto chegaram a esta loja, anterior galeria de arte, que sucumbiu aos efeitos da pandemia; no começo de novembro assinaram c0ntrato e puseram literalmente mãos à obra. Recuperaram a estrutura e decoraram com boa parte das peças à venda.

É nas paredes que se expõe boa parte dos trabalhos da dupla fundadora, com o póster ilustrado em maioria.

Para além dos nomes já enumerados, conte com a Bashô e as mochilas para bicicletas feitas por um casal de arquitetos, os candeeiros de lã de Ana Paula Almeida, os animais de parede com burel reinventado, a Ablésia e os seus quimonos modernos, os mapas feitos com redes de pesca pelo algarvio Vitorino, os brincos da Papôa Azul, os motivos marinhos e tingimentos da Mazurca, ou as criações da Herbário do Colibri.

Oriunda do design industrial, onde trabalhou vinte anos, Rosa mantinha um atelier na Rua da Prata. Leonor (que se formou em design gráfico e fotografia, e estudou ilustração e joalharia) e a irmã gémea Constança abriram uma loja no rés do chão do edifício. Conheceram-se por aqui, algures entre 2008, 2009, como quem perde o rasto aos anos, já que as afinidades vêm de longe. “É um projeto grande, estamos sempre com o coração nas mãos, mas trabalho não nos falta. Estamos muito contentes”, confessa Rosa.

90 por cento do trabalho do atelier situa-se à volta do póster mas há agora um espaço para explorar áreas como têxtil e cerâmica, que ambas também procuram. Aliás, tudo leva a crer que a morte do papel tenha sido precocemente anunciada. “Em cada 500 pessoas há uma que nos pergunta se podemos enviar os ficheiros digitalmente. Não é significativo. Vamos sempre querer ter a nossa casa decorada com algo que faça sentido. O espaço tem que continuar a ser convidativo e acolhedor. O papel não vai desaparecer tão cedo”, confia Rosa.

Do burel à cerâmica, sem esquecer a reutilização do plástico encontrado nos oceanos, os materiais das peças são trabalhados de diferentes formas

Depois do primeiro workshop, no sábado, que começou por ser dirigido ao público infantil mas rapidamente contagiou todas as idades, a ideia é ter no andar superior atividades que se desenrolam em formato descontraído. A mesa comprida convida a lançamentos de marcas, livros, oficinas e outros encontros, como provas de vinhos ou jantares experiências, fazendo parte dos planos atrair pessoas com curiosas histórias para partilhar, do tatuador ao artista plástico viajante. “Um grupo de amigos sentados à conversa, traduzindo o espírito de Lisboa”, deseja Leonor. “Queremos incluir todos, não excluir os turistas e as pessoas que visitam mas também não lhe dar uma experiência padronizada. Queremos dar um pouco do que se faz cá, sendo uma referência para quem é morador.”

Lisboa Paper Company, Rua da Boavista, 132-134, Lisboa. Das 11h00 às 20h00