Grand Tour, o novo filme de Miguel Gomes, está selecionado para a secção competitiva do Festival de Cannes, foi esta quinta-feira anunciado. A longa-metragem do cineasta de Tabu (2012) e As Mil e Uma Noites (2015) interrompe os 18 anos sem filmes portugueses em competição oficial pela Palma de Ouro em Cannes — a última vez foi em 2006, quando Pedro Costa ali mostrou Juventude em Marcha.
A programação integral da 77.ª edição do festival de cinema, que acontece de 14 a 25 de maio naquela cidade francesa e que abre com o novo filme do realizador Quentin Dupieux, foi revelada esta quinta-feira. Na competição oficial estão também filmes de Andrea Arnold, Jacques Audiard, Francis Ford Coppola, David Cronenberg, Coralie Fargeat, Christophe Honoré, Paul Schrader, ou Paolo Sorrentino.
Uma produção Uma Pedra no Sapato, Grand Tour tem argumento de Mariana Ricardo, Maureen Fazendeiro e Telmo Churro, além de Miguel Gomes. Tem como protagonistas Gonçalo Waddington e Crista Alfaiate, que interpretam um casal de noivos em 1918, que embarcam numa viagem pelo Oriente. “Edward, um funcionário público do Império Britânico, foge da noiva Molly no dia em que ela chega para o casamento. Nas suas viagens, porém, o pânico dá lugar à melancolia. Contemplando o vazio da sua existência, o cobarde Edward interroga-se sobre o que terá acontecido a Molly…” lê-se na sinopse enviada às redações. “Desafiada pelo impulso de Edward e decidida a casar-se com ele, Molly segue o rasto do noivo em fuga através deste Grand Tour asiático”, remata o texto. O elenco inclui, além dos protagonistas, os atores João Pedro Vaz, Jani Zhao, Lang Khe Tran, Joana Bárcia, Teresa Madruga, Cláudio da Silva, João Pedro Bénard, Jorge Andrade e Vasco Costa. A fotografia é de Rui Poças, Sayombhu Mukdeeprom e Guo Liang.
O processo de feitura do filme começou com uma viagem por vários países da Ásia, pouco tempo antes da pandemia da covid-19 e “não segue propriamente as regras tradicionais de produção”, explica ao Observador Filipa Reis, produtora do filme. Antes mesmo da rodagem, realizador e equipa fizeram um arquivo de imagens viajando por sete países: Myanmar (antiga Birmânia), Vietname, Tailândia, Filipinas, Japão e China. Um percurso iniciado em 2019 e, mais tarde, em 2022, cheio de “aventuras”, entre elas “um vulcão em erupção” nas Filipinas, um episódio em que a “película [do filme ficou] presa no Vietname” ou um confronto com uma inesperada pandemia. “Na véspera de atravessar o barco para Xangai, a China fecha, rebenta o Covid”, recorda Reis.
A rodagem do filme propriamente dita aconteceu só em 2023, entre Portugal e Itália, e totalmente em estúdio, durante quatro semanas. Grand Tour combina imagens destes dois momentos: a viagem e a rodagem, com cenas em película de 16 milímetros.
Com um orçamento de 4,5 milhões de euros, o filme tem apoio financeiro do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, da Eurimages e da ZDF/ARTE e RTP. É produzido pela Uma Pedra No Sapato em co-produção com outras produtoras internacionais: Vivo Film (Itália), Shellac Sud e Cinema Defacto (França), The Match Factory (Alemanhã), Rediance (China) e Creatps Inc. (Japão). “O filme foi feito com vontade de muita gente e muitos países. Seria impossível fazer um filme desses se assim não fosse”, diz a produtora.
Grand Tour vai poder ser visto pela primeira vez no festival de cinema francês e chega às salas nacionais e francesas ainda este ano. A distribuição internacional é assegurada pela The Match Factory, importante produtora e distribuidora de cinema independente.
O filme é maioritariamente falado em português, garante a produtora ao Observador, ressalvando que há algumas falas em francês, de uma personagem franco-vietnamita, e “uma voz off nas línguas desses vários países consoante a viagem dos personagens os vai atravessando”.
Sobre a obra que agora chega a um dos mais importantes festivais de cinema no mundo, Filipa Reis descreve “um longo processo que exigia uma enorme independência em termos de produção”, só possível com “um pensar de uma maneira menos industrial de fazer os filmes e que exige uma enorme confiança no realizador”. Enquanto produtor, “arrisca-se muito”. De alguma forma, Grand Tour, diz, “é um triunfo desse risco, dessa liberdade, dessa independente que de alguma forma caracteriza o cinema português”.
É um triunfo desse risco, dessa liberdade, dessa independência que de alguma forma caracteriza o cinema português” — Filipa Reis, produtora de Grand Tour, de Miguel Gomes
Filme é a primeira obra portuguesa a concorrer à Palma de Ouro em 18 anos
Desde 2006 que um filme português não chegava à secção competitiva de longas-metragens e à possibilidade de arrecadar o mais cobiçado prémio do certame. Um facto que, para Filipa Reis, “não diz nada a não ser que há 20 filmes todos os anos na competição principal e é muito difícil para países com a nossa dimensão por um filme na competição principal.” A produtora da Uma Pedra no Sapato diz que o silêncio que este filme rompe na falta de presença portuguesa em Cannes “mais do que uma análise do cinema português”
“O facto de não estar não é porque o cinema português não tem qualidade. É porque é difícil, é muito competitivo.” “Vejo isto como um triunfo” “É mais um motivo de orgulho pelo filme que fizemos. É uma possibilidade de o cinema português ter visibilidade. Abre-nos a atenção para que outros filmes portugueses possam ser descobertos e que em Portugal leve mais pessoas às salas a ver cinema português. Nem que seja pela curiosidade de ver um filme português que esteve em Cannes.”
Este é o primeiro filme de Miguel Gomes produzido pela Uma Pedra No Sapato. O cineasta até então trabalhara com a produtora O Som e A Fúria. Filipa Reis já havia trabalhado com o cineasta em 2021, no filme Diários de Otsoga, uma produção de O Som e a Fúria e Uma Pedra no Sapato.
Miguel Gomes (1972) estreou-se na realização com a longa-metragem A Cara que Mereces (2004). Seguiram-se Aquele Querido Mês de Agosto (2008), Tabu (2012) e As Mil e Uma Noites (2015), um filme em três partes, que teve estreia na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. O seu último filme é Diários de Otsoga (2021), co-realizado com a cineasta francesa Maureen Fazendeiro, e estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2021 e foi filmada durante o confinamento imposto pela Covid-19 em 2020.
Esta é a seleção oficial do Festival de Cannes deste ano:
Competição Oficial
The Apprentice – Ali Abbasi
Motel Destino – Karim Ainouz
Bird – Andrea Arnold
Emilia Perez – Jacques Audiard
Anora – Sean Baker
Megalopolis – Francis Ford Coppola
The Shrouds – David Cronenberg
The Substance – Coralie Fargeat
Grand Tour – Miguel Gomes
Marcello Mio – Christophe Honoré
Feng Liu Yi Dai – Jia Zhang-Ke
All We Imagine as Light – Payal Kapadia
Kinds of Kindness – Yórgos Lánthimos
L’Amour Ouf – Gilles Lellouche
Diamant Brut – Agathe Riedinger
Oh Canada – Paul Schrader
Limonov – The Ballad – Kirill Serebrennikov
Parthenope – Paolo Sorrentino
Pigen Med Nalen – Magnus Von Horn
Un Certain Regard
Norah – Tawfik Alzaidi
The Shameless – Konstantin Bojanov
Le Royaume – Julien Colonna
Vingt Dieux! – Louise Courvoisier
Le procès Du Chien – Lætitia Dosch
Gou Zhen – Guan Hu
The Village Next to Paradise – Mo Harawe
September Says – Ariane Labed
L’Histoire de Souleymane – Boris Lojkine
Les Damnés – Roberto Minervini
On Becoming a Guinea Fowl – Rungano Nyoni
Boku No Ohisama – Hiroshi Okuyama
Santosh – Sandhya Suri
Viet and Nam – Truong Minh Quý
Fora de competição
Mad Max (Furiosa: A Mad Max Saga) – George Miller
Horizon: an American Saga — Kevin Costner
She’s Got No Name – Chan Peter Ho-Sun
Rumours – Evan Johnson, Galen Johnson, Guy Maddin
Projeções de meia-noite
Twilight of the Warrior Walled In – Soi Cheang
I, The Executioner – Seung Wan Ryoo
The Surfer – Lorcan Finnegan
Les Femmes au Balcon – Noémie Merlant
Estreias
Miséricorde – Alain Guiraudie
C’est Pas Moi – Leos Carax
Everybody Loves Touda – Nabil Ayouch
En Fanfare – Emmanuel Courcol
Rendez-vous avec Pol Pot – Rithy Panh
Le Roman de Jim – Arnaud Larrieu, Jean-Marie Larrieu
Projeções Especiais
La Belle de Gaza — Yolande Zauberman
Learn — Claire Simon
The Invasion — Sergei Loznitsa
Ernest Cole, Photographe — Raoul Peck
Le Fil – Daniel Auteuil