Depois de vários dias de polémica a propósito das declarações que proferiu num jantar com correspondentes estrangeiros, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a falar sobre o que pensa quanto às reparações históricas devidas às ex-colónias e quanto ao papel da Procuradora-Geral da República — e se no primeiro caso reiterou o que disse, frisando que o tema não pode ser varrido para “debaixo do tapete”, no segundo recuou, defendendo que as interpretações sobre o que disse relativamente a Lucília Gago foram pouco “sofisticadas”.
O Presidente da República estava este sábado em Peniche, para a inauguração do Museu da Resistência e Liberdade, quando voltou a falar sobre as reparações históricas que acredita que Portugal deve às ex-colónias, explicando que “sempre” acreditou que “pedir desculpa é uma solução fácil” — Portugal deve fazer mais, e deve “liderar” esse processo de reparações, que poderão assumir muitas formas diferentes.
Marcelo Rebelo de Sousa defende pagamento de reparações por crimes da era colonial
“Houve coisas boas, coisas más, e não se pode assumir só o bom sem o mau ou o mau sem o bom”. “Assumir” o que aconteceu durante o colonialismo deve significar retirar consequências, defendeu o Presidente, em dois casos: “Massacres”, que são um “ato criminoso” de maior responsabilidade do que uma guerra, e “bens” trazidos das ex-colónias, “uma questão muito tratada noutros países”.
Depois surge a questão da “reparação”, prosseguiu. “É uma realidade que já começou há 50 anos e as pessoas não têm noção de como começou. Quando em Cahora Bassa perdoámos uma parte da dívida a Moçambique, em forma de reparação. Quando encabeçamos os países que perdoam parte da dívida a ex-colónias, ou convertemos, como aconteceu em Cabo Verde, parte em fundamental, é uma forma de recuperação”, exemplificou. O mesmo para o “estatuto de mobilidade” para cidadãos de países de língua portuguesa, assim como a “cooperação” com estes países, com linhas de crédito, entre outros exemplos: “É uma forma de reparação e continua a ser. Deixámos infraestruturas mas também tirámos proveitos de lá. Não há soluções homogéneas, têm de ser encontradas de acordo com as circunstâncias”, defendeu.
Independentemente da forma das tais reparações, Marcelo manteve o princípio que já tinha defendido em discursos no passado: “Para mim há um ponto muito importante, e que tem marcado muito a minha Presidência: é que não podemos meter isto para baixo do tapete ou dentro da gaveta”, argumentou o Presidente. “Temos obrigação de pilotar, de liderar, este processo”, sob pena de Portugal “mais dia menos dia” ter de lidar, como outros países, com uma “perda da capacidade de diálogo” com as ex-colónias. O tema é “sensível”, reconheceu, mas tem de ser “assumido” e não pode ser “omitido”.
Por isso mesmo, o Presidente defendeu também, depois de os jornalistas recordarem que o Governo anterior tinha prometido fazer um trabalho de inventário relativamente ao património das ex-colónias, que esta é agora “uma questão que tem de ser tratada pelo novo Governo, em contacto com esses estados”.
E ainda acrescentou que foi uma “boa coincidência temporal” ter falado no jantar com correspondentes estrangeiros, antes da sessão no Centro Cultural de Belém onde estiveram presentes líderes dessas ex-colónias, no dia 25 de Abril. Nessa sessão, conta, existiu um “clima que era difícil de existir com qualquer outro tipo de potência cultural, pelo grau de fraternidade e à vontade”. Ao telefone, com Lula da Silva, sentiu a mesma “fraternidade”. E rematou: sobre este assunto não se deve fazer um “tabu”, “dramatizar” ou “ir a reboque”, gerindo os assuntos relativos a cada ex-colónia caso a caso e com bom senso.
Quanto à forma como falou do assunto, o Presidente disse “perceber” as críticas de que foi alvo, mas referiu que já tinha falado sobre o tema no passado e que as suas ideias se mantêm. “Repeti-o em ideias gerais. Foi-me perguntado, não podia escamotear perante uma pergunta concreto”, sobretudo quando esta é uma “preocupação” do Presidente. E não deveria tê-lo feito nas cerimónias do 25 de Abril, em vez de num jantar de jornalistas? “Ou fazia balanço dos 50 anos neste momento ou nunca mais fazia”, justificou.
PGR foi maquiavélica? “Não disse dessa forma simplista”
Ainda no novo museu, o Presidente foi questionado sobre as declarações que fez, no mesmo jantar, sobre o timing “maquiavélico” da abertura das investigações da Operação Influencer e do caso das gémeas, mas contornou o assunto. “Se for ouvido com atenção, não é dito assim desta forma simplista. É mais sofisticado do que isso”, atirou. E insistiu que apenas estava a explicar as várias “interpretações que foram feitas sobre o que aconteceu naquela altura num determinado sentido” — “não digo que a minha interpretação foi aquela”.
No entanto, o que se ouve na gravação da conversa ao jantar é uma referência à opinião do Presidente da República: “Se a senhora procuradora, com a mesma presteza com que tinha tido a iniciativa de abrir um inquérito envolvendo também o primeiro-ministro um mês antes de os portugueses saberem… descubro, umas semanas mais tarde, que tinha aberto um inquérito contra terceiros e em que dia? No dia 7 de novembro. Que eu achei maquiavélico. Género de equilíbrio, equilíbrio sofisticado. Muito bem… abriu, abriu”, ouve-se no áudio do jantar, como o Observador tinha escrito.
Marcelo recusou ainda comentar o pedido do Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, para que a procuradora-geral da República vá à Assembleia da República para dar explicações sobre processos como a Operação Influencer: “É uma questão própria da vida da Assembleia da República”, arrumou.