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Conan O'Brien: a viagem do mais doce dos bárbaros

Este artigo tem mais de 6 meses

Há um novo capítulo na odisseia televisiva com 30 anos do único que pode fazer o que quiser. Nunca houve nenhum apresentador como ele e nunca haverá. "Conan O'Brien Must Go" recorda-nos como e porquê.

O'Brien está não só finalmente a fechar o ciclo dos seus percalços, como a afirmar-se como uma voz única num meio tão formulaico. Adorado por fãs, o humorista é também consensual por quem trabalha com ele
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O'Brien está não só finalmente a fechar o ciclo dos seus percalços, como a afirmar-se como uma voz única num meio tão formulaico. Adorado por fãs, o humorista é também consensual por quem trabalha com ele

O'Brien está não só finalmente a fechar o ciclo dos seus percalços, como a afirmar-se como uma voz única num meio tão formulaico. Adorado por fãs, o humorista é também consensual por quem trabalha com ele

São 27 minutos de loucura. 27 minutos de um homem desvairado, de olhos esbugalhados, perante um entrevistador que mal sabe o que fazer. Conan O’Brien foi ao popular canal de Youtube Hot Ones, um espaço que mistura entrevista com a missão de comer asinhas de frango com dez tipos de molho picante cada vez mais forte, e fez do formato tudo o que quis. O vídeo tem duas semanas, quase 9 milhões de visualizações e comentários de verdadeiro fascínio pelo ex-apresentador de televisão, que estava ali para promover o programa Conan O’Brien Must Go, estreado por estes dias na HBO Max. “Acho que esta é a primeira vez que vejo um convidado controlar completamente um programa”, escreve um. “Não há maneira de alguém superar isto. O [apresentador] Sean [Evans] devia era acabar com o Hot Ones depois disto. Este episódio merece um Emmy”.

Conan O’Brien tem 61 anos, não aparece na televisão mainstream desde 2010 e é um fenómeno junto não só dos fãs de sempre, como de quem só o descobre agora. Tudo isto sem um plano de marketing estruturado ou uma carreira desenhada ao milímetro — apenas fazendo o que lhe dá na real gana. Nunca houve nenhum apresentador de talk shows humorísticos como ele e nunca haverá, o que é um atributo de especial valor num mundo de entretenimento com cada vez menos riscos e mais decisões tomadas com base em folhas de Excel.

Conan O’Brien Must Go é uma série documental humorística de quatro episódios, cada um num país diferente (Noruega, Argentina, Tailândia, Irlanda), nos quais o apresentador começa por visitar de surpresa fãs com os quais já interagiu no seu popular podcast, o Conan O’Brien Needs A Friend. Estas visitas são o ponto de partida para uma exploração mais desbragada do país, que tanto pode acabar num acampamento viking norueguês como num jogo de futebol em Buenos Aires a mostrar a um plantel como se atirar para o chão de modo dramático para conseguir o penálti.

[o trailer de “Conan Must Go”:]

Não é a primeira vez que o comediante faz conteúdos a viajar pelo mundo. Em 2015 estreou no canal por cabo TBS os especiais Conan Without Borders, que o levaram a 13 destinos, como Cuba, Arménia, Coreia, Gana ou Israel. E ainda antes, num já longínquo 2006, mostrou como levar um meme até às últimas consequências, indo até à Finlândia para conhecer a presidente Tarja Halonen, com quem era desconfortavelmente parecido. Nesses anos 2000 era ainda o mais popular apresentador de programas de Late Night, longe de saber que a sua carreira mainstream viria a passar por uma quase sabotagem.

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Conan O’Brien não terá, de início, abandonado os canais de televisão tradicionais e o popular modelo de talk show — com monólogo e secretária — por sua própria opção. Chamando as coisas pelos nomes, O’Brien foi escorraçado, numa sequência de decisões que consta entre as mais contestadas do meio. Mas comecemos pelo início — e esse início, ao contrário dos seus pares, não foi como ator nem como comediante de stand up, mas sim no escurinho de uma sala de guionistas, talvez o ambiente mais seguro para a sua pele quase translúcida.

Enquanto outros têm uma persona pública simpática que afinal se vem a revelar tóxica nos bastidores

Um dos melhores alunos do seu ano em Harvard, depressa começou a trabalhar no programa mais cobiçados pelos escribas de humor, o mítico Saturday Night Live (SNL), onde esteve de 1988 a 1991. Daí seguiu para outra cadeira de sonho, a de guionista dos Simpsons, sendo responsável por episódios míticos como Monorail. E é aí que está em 1993, quando a NBC começa à procura de alguém para substituir David Letterman no Late Night. Vários comediantes fizeram o casting, como Jon Stewart ou Drew Carey, até que Lorne Michaels, produtor do SNL a quem pedem para estruturar o novo programa, se lembra de um miúdo alto e ruivo com muita graça — mas zero experiência em frente às câmaras.

Late Night With Conan O’Brien estreia a 13 de setembro de 1993, com John Goodman, Drew Barrymore e Tony Randall como primeiros convidados. A estranheza perante um desconhecido levou a um parto difícil, mas a NBC teve na altura algo que, ironicamente, lhe viria a faltar no passo seguinte da carreira de Conan: paciência. O culto em torno do apresentador foi crescendo, a base de fãs era sólida e dedicada, a imprensa especializada reconhecia-lhe o estatuto diferenciado e o resultado foram 2725 episódios, até fevereiro de 2009.

Conan O'Brien tem 61 anos, não aparece na televisão mainstream desde 2010 e é um fenómeno junto não só dos fãs de sempre, como de quem só o descobre agora

2009 reservaria para O’Brien o mais apetecível dos desafios até agora: ascender no horário e tornar-se apresentador do Tonight Show, substituindo um Jay Leno que supostamente se iria reformar. Mas apesar da promessa da nova posição na grelha constar no seu contrato desde 2004, não foi bem o que aconteceu. Leno não se reformou, apenas mudou de horário, e manteve-se na marcação cerrada ao posto do qual, afinal, não queria sair. Em junho, Conan estreia o seu Tonight Show, com um decréscimo das audiências. E em dezembro, seis meses depois, a NBC comunica-lhe que afinal vão reverter a decisão e que Leno ficará com aquele programa, regressando o descendente de irlandeses ao Late Night.

Conan não gostou da decisão e em janeiro de 2010 abandona a NBC, não sem antes mostrar a todos no ar o seu descontentamento. Para a História fica um segmento em que vestiu um carro Bugatti no valor de dois milhões de euros de rato enquanto tocava Satisfaction, dos Rolling Stones, a música com os direitos mais caros de sempre. Se o sketch tinha graça? Não, mas custou ao canal milhão e meio por um singelo minuto de programa. “Até a NBC nos arrancar do ar, podemos basicamente fazer tudo o que nos apetece. E — esta é a melhor parte — eles têm de pagar”, disse em direto:

A saída foi amarga e desde aí que Conan deu sempre prioridade a meios que, mesmo que mais humildes nos orçamentos e audiências, lhe permitiram não voltar a ter o seu futuro nas mãos de pessoas sem a sua capacidade de arriscar. Fez uma tour pelos palcos de todo o país, teve um programa num canal de cabo e começou um podcast numa altura em que tal estava longe de ser uma moda. Conan O’Brien Needs A Friend estreou em 2018 e é apresentado pelo próprio e pela sua assistente Sona Movsesian, e o seu produtor, Matt Gourley. Em março deste ano tinha tido já 427 milhões de downloads e largas centenas de convidados, de comediantes a ambos os membros do casal Obama. É um espaço autoral, com escassas regras, onde o comediante se redescobriu e se reergueu.

No passado dia 9 de abril, Conan voltou pela primeira vez a um estúdio da NBC desde 2010. Foi para ser entrevistado por Jimmy Fallon, o atual comandante do Tonight Show (entrevista aqui e aqui). O objetivo era promover o novo programa da HBO, mas não conseguiu evitar um “é muito estranho estar de volta”. O’Brien está não só finalmente a fechar o ciclo dos seus percalços, como a afirmar-se como uma voz única num meio tão formulaico. Adorado por fãs, o humorista é também consensual por quem trabalha com ele. É que enquanto outros têm uma persona pública simpática que afinal se vem a revelar tóxica nos bastidores (vejam-se os casos de Ellen Degeneres, James Corden ou o próprio Fallen), O’Brien é o oposto: um bruto desvairado no ar, que chega a ser bully (mas, na verdade, com ele mais do que com qualquer outra pessoa) mas que afinal é o mais doce dos bárbaros.

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