À míngua de ideias e de histórias, Hollywood começou a fazer filmes sobre grandes marcas e produtos de consumo de massas. Já tivemos O Fundador, centrado no homem que transformou a McDonald’s num negócio de dimensão mundial; BlackBerry, sobre a invenção do dito; Air, sobre a criação dos ténis Air Jordan pela Nike; ou Flamin’ Hot, que conta a conceção dos aperitivos picantes da Frito-Lays. E agora, não no cinema mas na Netflix, temos A Batalha das Pop-Tarts, onde Jerry Seinfeld, inspirando-se numa das suas piadas de stand up, conta a história da rivalidade feroz entre as companhias de cereais Kellogg’s e Post e a corrida para criarem, no início dos anos 60, um pastel de pequeno-almoço que não precisasse de leite para ser consumido, apenas de um calorzinho na torradeira.

[Veja o trailer de “A Batalha das Pop-Tarts”:]

Só que não. De Seinfeld, que além de realizar, também co-assina o argumento e interpreta um dos papéis principais de A Batalha das Pop-Tarts, não podíamos esperar um filme convencional sobre um tema tão vulgar como a génese de um alimento caracteristicamente americano e o duelo entre dois colossos da indústria da alimentação dos EUA para ver qual o conseguia produzir  primeiro. Se nos primeiros minutos A Batalha das Pop-Tarts parece ir ser esse tipo de filme, em jeito de comédia amavelmente gozona, depressa percebemos que não é por aí que Jerry Seinfeld vai seguir. Muito pelo contrário.

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[Veja uma entrevista com Jerry Seinfeld e Jim Gaffigan:]

Apostando ao mesmo tempo numa nostalgia sincera pelos prósperos, inocentes e clean anos 60 americanos, e numa paródia retroativa a essa mesma era (“Vietname? Parece uma boa ideia”, diz uma das personagens, quando abre o jornal), A Batalha das Pop-Tarts é parte sátira decapante ao estilo da revista Mad (que a personagem de Melissa McCarthy é mostrada a ler a certa altura), parte festival de nonsense sobre o negócio dos cereais de pequeno-almoço (há, por exemplo, um administrador da Aveia Quaker igualzinho ao boneco da mesma, ou uma invasão da sede da Kellogg’s pelas mascotes das marcas de cereais e outras comidas em revolta que decalca a do Capitólio em 2021), parte episódio tresloucado de Seinfeld, e parte desenho animado (já me esquecia do ravioli com vida própria).

A lógica narrativa é a mesma dos filmes e séries que David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker (Aeroplano! Police Squad! Ultra Secreto) assinaram nos anos 80: disparar gags em jato contínuo e manter o humor absurdo e a meta-comédia em crescendo ininterrupto. Sempre agarrado à criação das Pop-Tarts como referente da história, Jerry Seinfeld atira em todas as direções, das modas, figuras populares, brinquedos e objectos efémeros da época, à indústria dos lacticínios, os primeiros computadores, a Crise dos Mísseis de Cuba, a NASA e a Guerra Fria, chegando mesmo a espremer comédia do assassinato do Presidente Kennedy (que também é farpeado pelo seu insaciável apetite sexual).

[Veja uma sequência do filme:]

Jerry Seinfeld faz, basicamente, de Jerry Seinfeld, e além de nomes como Amy Schumer, Christian Slater, Jim Gaffigan ou Hugh Grant (muito bom no ator inglês canastrão e presunçoso que veste a pele do Tigre Tony, a mascote dos cereais Kellogg, nos anúncios da marca), o filme abunda em caras conhecidas que fazem pequenos papéis ou aparições-relâmpago, caso de Jon Hamm e John Slattery metidos nas suas personagens de Mad Men. Nem todos os gags de A Batalha das Pop-Tarts resultam bem, e o seu efeito varia entre o sorrisinho e a gargalhada sonora; e por vezes, o ardor amalucado ameaça tornar-se em vale-tudo anárquico (ver o funeral do fabricante das bicicletas Schwinn).

Tudo pesado e medido, Jerry Seinfeld consegue levar a água ao seu moinho e fazer um filme que, parecendo ir respeitar o modelo dos que contam o nascimento de uma marca icónica ou um produto globalizado, lhe troca as voltas e o vira do avesso, transformando-o num exercício intensivo de comédia lunático-estapafúrdia com salpicos de nostalgia por uma era mais simples e otimista, e uma cultura pop mais inocente. Mesmo que quanto mais açúcar, glúten e corantes e conservantes a comida tivesse, melhor.