A presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida alertou esta terça-feira os decisores políticos portugueses para a importância da regulação da Inteligência Artificial (IA), para evitar a dependência face aos interesses económicos e financeiros estrangeiros.

Na apresentação do livro branco sobre “Inteligência Artificial: Inquietações sociais, propostas éticas e orientações políticas”, focado nas ciências da vida e da saúde, Maria do Céu Patrão Neves recomendou aos legisladores que leiam o documento e pediu pressão junto dos políticos para que sejam aplicadas as recomendações sobre a nova tecnologia.

Mas “sem minimizar os riscos ou desvalorizar os riscos que existem” na IA porque, “de outra forma podemos andar aqui perdidos face aos interesses económicos ou financeiros associados ao desenvolvimento tecnológico”.

Para a sociedade, Maria do Céu Patrão Neves recomendou mais atenção dos cidadãos ao tema, de modo a “tornarem-se agentes responsáveis da transformação digital da nossa sociedade”.

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O livro branco fica a partir desta terça-feira disponível online e foi apresentado ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, que admitiu “alguma inquietude” presente na sociedade com a “interação da IA com vários elementos da nossa vida”.

“Todos queremos que haja coisas tão simples como a garantia da transparência e da ética”, sempre “na defesa de um bem que é inestimável, que são os direitos, liberdades e garantias das pessoas”, pelo que a IA deve ter esses limites jurídicos.

A IA “é altamente disruptiva e está a criar novos paradigmas nas relações humanas e nas ciências da vida”, com “riscos inalienáveis a mitigar”, pelo que o Conselho de Ética para as Ciências da Vida organizou um grupo de trabalho para “especificar as orientações a desenvolver nacionalmente no âmbito da biomedicina”, explicou Patrão Neves.

Questões como o diagnóstico dos doentes, tomadas de decisão, robótica autónoma, receitas ou tratamentos foram algumas das matérias abordadas pelos elementos do grupo de trabalho.

A IA é uma “mistura explosiva para o bem e, se não for bem utilizada, para o mal”, exemplificou Rui Nunes, membro do grupo de trabalho, dando como exemplo que será necessário “redefinir a responsabilidade civil por danos”, nos casos de tratamentos, diagnósticos ou receitas processados por IA.

“Temos de pensar por antecipação antes dos factos acontecerem”, avisou.

Miguel Ricou, outro membro do grupo, salientou que “os profissionais terão de ter capacidade de serem críticos quanto aos diagnósticos” dados pela IA, o que implica uma formação adicional.

A gravação de consultas e recolha de dados, bem como resumos ou ajustes terapêuticos são outros desafios que devem ser regulados, sempre com a garantia que o ser humano tem condições de ser o último decisor.

“A IA é uma ferramenta mas não devemos querer abdicar da responsabilidade da decisão” e “temos de ultrapassar o grande paradoxo: é fácil trabalhar com ela mas é difícil perceber como funciona”, salientou Miguel Ricou, que se mostrou preocupado com a falta de literacia digital da população.

“Não podemos aceitar uma sociedade em que as pessoas recebem 50 euros e deixam-se fotografar por uma IA”, exemplificou, numa referência a uma campanha de recolha de dados biométricos pela empresa Worldcoin que acabou por ser proibida.

Worldcoin: uma decisão que se esperava

O respeito da privacidade e proteção dos dados em todas as áreas é uma das preocupações do documento, que prevê ainda a salvaguarda da criatividade intelectual na investigação biomédica, a revisão do consentimento informado, regras para assistência clínica digital, assegurar a “verificabilidade dos sistemas e a explicabilidade do processo de decisão” e “cultivar a relação terapêutica” que contemple “as dimensões psicológicas e sociais de cada pessoa”.