Portugal juntou-se à lista de países onde a recolha de dados biométricos da íris, efetuada através do dispositivo “Orb”, utilizado no âmbito do Projeto Worldcoin, foi limitado (ainda que temporariamente).

Após um comunicado oficial sobre os possíveis riscos associados à recolha dos dados biométricos, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNDP) decidiu, a 25 de março, limitar por três meses as operações em Portugal ligadas ao Projeto Worldcoin, de forma a garantir que se adequa aos requisitos legais aplicáveis.

Esta deliberação surge logo após uma decisão semelhante da Agência Espanhola de Proteção de Dados, sinalizando a existência de uma frente comunitária unida na proteção dos dados pessoais dos cidadãos na Europa.

A autoridade portuguesa estima que mais de 300.000 pessoas já tenham fornecido os seus dados biométricos e, de acordo com as várias participações recebidas por esta autoridade, muitas delas são pessoas em situação de vulnerabilidade económica ou menores cujos dados foram tratados sem a autorização dos representantes legais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Muitos têm sido os particulares a recorreram à CNPD com queixas relacionadas com a falta de transparência e de demais medidas adequadas a garantir o correto tratamento dos seus dados (nomeadamente, falta de mecanismos de verificação de idade no momento da recolha dos dados, bem como, incumprimento do dever de informação). Veja-se o texto apresentado para a adesão à aplicação “World App”, que não fornece qualquer menção referente aos dados biométricos, limitando-se a incluir hiperligações para o Aviso de Privacidade e Termos de Utilização, cuja abertura não era sequer obrigatória para conclusão da operação.

A CNPD afirma ainda ter recebido também muitas participações de titulares dos dados que garantem ter visto negado o seu direito de exercer o apagamento dos dados pessoais ou revogação do consentimento fornecido.

Importa perceber que, enquadrando-se os dados biométricos numa categoria especial pelas suas características únicas e particularmente sensíveis, as cautelas a adotar para o seu tratamento terão sempre de se revestir de garantias adicionais, sendo o cuidado na recolha e tratamento condição essencial à legitimidade das finalidades prosseguidas. Além disso, na União Europeia, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados confere aos cidadãos um conjunto de direitos, entre os quais o de alterar ou apagar os dados pessoais, bem como o de retirar o consentimento. Logo, a conduta prosseguida até então pelo Projeto Worldcoin revela-se particularmente gravosa, sobretudo considerando que grande parte dos titulares envolvidos autorizaram a recolha dos dados pessoais pelo facto de existirem incentivos financeiros por parte do responsável pelo tratamento.

Quais os próximos passos? Considerando que o website Worldcoin.org já não inclui Portugal na lista de países onde as digitalizações da íris podem ocorrer (sendo apenas a Alemanha o único Estado-Membro que consta da lista, juntamente com Argentina, Chile, Japão, Singapura e os Estados Unidos da América), parece que a Worldcoin acatou as conclusões da CNPD.

Além disso, numa conferência de imprensa a 9 de abril, a empresa anunciou que um parceiro externo passará a verificar presencialmente a maioridade dos novos utilizadores, e que a nova atualização da aplicação World App permitirá que os mesmos possam desativar a conta e solicitar a eliminação dos dados da íris. No entanto, importa lembrar que independentemente das referidas medidas, a Worldcoin pode ainda recorrer da decisão da CNPD perante os tribunais administrativos portugueses, estratégia já tentada, sem sucesso, em Espanha.

A limitação do tratamento e esta primeira resposta pública pela Worldcoin são só o começo do desfecho deste caso, uma vez que a própria CNPD afirma que esta decisão é uma medida provisória que procura dar resposta à impossibilidade de adotar uma decisão final em tempo útil face à complexidade da investigação em curso, sofisticação da tecnologia utilizada e a necessidade de diligências adicionais.

Enquanto aguardamos os próximos desenvolvimentos, é importante que os titulares dos dados que não se encontrem confortáveis ou que tenham dúvidas quanto à captação da imagem da sua íris, não só exerçam o direito de revogar, a qualquer momento e de forma gratuita, o seu consentimento junto dos contactos fornecidos pela Worldcoin Foundation, como também façam chegar suas participações à CNPD, para que esta esteja provida de todas as informações para dar seguimento à investigação.