É a segunda vez que a Polícia Judiciária (PJ) regressa à Madeira para investigar um esquema de burla com o subsídio social de mobilidade — que financia as viagens aéreas dos madeirenses para o Continente — que terá prejudicado o erário público num montante “superior a 500 mil euros”, lê-se no comunicado da Operação Rota do Viajante II.
Ao contrário do que foi noticiado, a ida de inspetores da PJ à Madeira nada tem a ver com a investigação a Miguel Albuquerque e outros ex-membros do Governo Regional da Madeira.
Entre os inquéritos abertos no DIAP de Loures relacionados com a Madeira e os processos nos Açores, os alegados esquemas de burla com o subsidio social de mobilidade já suplantam os seis milhões de euros, revela a PJ em comunicado.
No caso que levou 60 inspetores da Unidade Nacional Contra a Corrupção e do Departamento de Investigação Criminal da Madeira a executar cerca de 71 mandados de busca durante esta segunda-feira, estará em causa um fenómeno de “criminalidade altamente organizada” que consistiu na falsificação grosseira de bilhetes de avião e respetivos cartões de embarque para centenas de viagens que nunca foram realizadas.
“A associação criminosa agora desmantelada demonstrava elevados índices de organização, com diferentes níveis hierárquicos, sendo composta por falsificadores, recrutadores/angariadores e controladores”, informa a PJ em comunicado.
Os arguidos detidos ter-se-ão aproveitado da fragilidade do sistema de verificação associado ao subsídio social de mobilidade para enganar o Estado e são suspeitos de terem alegadamente praticado os crimes de associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documento e branqueamento de capitais.
Ao que o Observador apurou, terão sido detidos cinco arguidos que serão levados à presença do Tribunal de Instrução Criminal de Loures nos próximos dias. Tudo porque o inquérito criminal que deu origem a estas buscas pertence ao DIAP de Loures.
Está em causa um inquérito aberto no DIAP de Loures que levou esta segunda-feira a Força Aérea a transportar um conjunto alargado de inspetores da Unidade Nacional Contra a Corrupção para o Funchal para realizar buscas domiciliárias e não domiciliárias e deter cinco suspeitos — que serão levados à presença do Tribunal de Instrução Criminal de Loures nos próximos dias.
De acordo com o comunicado da PJ, a Operação Rota do Viajante II executou 36 mandados de buscas na ilha da Madeira (Funchal, Santa Cruz, Câmara de Lobos e Caniço) mas também em Lisboa e em Loures.
Estão em causa a alegada prática dos crimes de associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documento e branqueamento de capitais.
“A investigação apurou que os arguidos, com o objetivo de obterem avultados proveitos económicos ilegítimos e sabendo das fragilidades de confirmação das viagens de avião efetivamente realizadas, decidiram engendrar um plano criminoso com o fito de serem ressarcidos através do subsídio social de mobilidade” relativo a “centenas de viagens inexistentes e apresentada a reembolso, num valor de reembolsos indevidos estimados e já apurados superior a meio milhão de euros”, lê-se no comunicado da PJ.
“O plano passava pela angariação de residentes da Região Autónoma da Madeira, a quem eram fornecidos documentos necessários ao levantamento deste subsídio e previamente falsificados, como passagens áreas, bilhetes e reservas, faturas e recibos, que, acompanhados por elementos da rede criminosa, apresentavam documentação forjada em estações dos CTT do continente e, assim, recebiam o reembolso pago pela Estado”, conclui a PJ.
A primeira vista à Madeira, a primeira acusação e a Operação Mayday nos Açores
A primeira visita à Madeira relacionada com este esquema de alegada burla ocorreu em Fevereiro de 2022, apelidada de Operação Rota do Viajante, e por conta do mesmo inquérito aberto no DIAP de Loures.
Na altura, numa operação de menor envergadura, foi apenas detido um arguido, constituídos mais quatro arguidos e executados sete mandados de busca domiciliária. O prejuízo para o Estado também era menor: cerca de 130 mil euros.
A reincidência do mesmo grupo criminoso levou a PJ a montar uma operação de maior envergadura para desmantelar o grupo de pessoas que montou e executou o alegado esquema de burla.
Ministério Público acusa 60 arguidos de burla qualificada com subsídio de mobilidade nos Açores
Um esquema de fraude semelhante com o subsídio social de mobilidade (que se aplica nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira) já tinha levado a PJ a realizar a Operação Mayday nos Açores no passado mês de março. Está em causa nessa operação um prejuízo para os cofres do Estado de cerca de 3,5 milhões de euros e praticamente os mesmos crimes imputados aos arguidos na Operação Rota do Viajante, com exceção do crime de associação criminosa.
Na altura, foram detidas nove pessoas devido a um esquema mais elaborado do que na Madeira. Os nove suspeitos terão montado na Ilha Terceira duas agências de viagem que tinham uma política agressiva de promoções na compra de viagens aéreas para o Continente, o que levava à prática de preços claramente inferiores aos praticados pelas companhias aéreas regulares.
A PJ revelou então em comunicado que o objetivo passava por “por maximizar o número de clientes, aos quais era emitida fatura com o valor promocional, que variava entre os 10 e os 50 euros”.
Posteriormente, os arguidos emitiriam uma fatura sobre a mesma viagem mas em nome de um colaborador da agência e com um preço muito superior. Era esta última fatura que era levada a uma estação dos CTT para pagamento do reembolso devido a cada açoriano (e madeirense) no âmbito do subsídio social de mobilidade.
Neste caso dos Açores, estava em causa um pedido de reembolso de 3.330 euros por cada bilhete, quando este custava em média cerca de 150 euros, revelou então a PJ em comunicado.
Daí o valor total da burla ascender a cerca de 3,5 milhões de euros.
No âmbito dessa operação, foram apreendidos 460 mil euros, um barco a 10 automóveis de alta cilindrada e topo de gama.
No final do passado mês de Abril, um outro inquérito, desta vez a cargo do DIAP dos Açores, coadjuvado pelo Departamento de Investigação Criminal dos Açores da PJ, levou à acusação formal de 60 arguidos por crimes de burla qualificada e falsificação de documento com subsídio social de mobilidade.
O montante da alegada fraude é de cerca de 318 mil euros por factos que terão ocorrido entre 2015 e 2020 e com um esquema muito semelhante ao que foi detectado na Operação Mayday e na Operação Rota do Viajante I e II.
“Acresce referir que, nos últimos cinco anos, foram desenvolvidas diversas operações policiais, visando desmantelar redes criminosas dedicadas à utilização fraudulenta do subsídio social de mobilidade nas RAM e Região Autónoma dos Açores, num valor global de fraude aos cofres do Estado de mais de seis milhões de euros”, conclui a PJ no comunicado emitido esta terça-feira.
Texto corrigido às 12h52m. Alterado o valor total das alegadas burlas com o subsídio social de mobilidade nos Açores e na Madeira: suplantam o valor de seis milhões, e não de quatro milhões de euros.