Ricardo Gonçalves, ex-gestor da Santa Casa Global, a empresa criada para o negócio da internacionalização da Santa Casa, defende que as decisões da mesa agora exonerada provocaram perdas de 30 milhões de euros à instituição. O gestor afastado por Ana Jorge garante que consegue explicar o fluxo do dinheiro da internacionalização e que há registos que o comprovam.

“Todas as movimentações financeiras e de dinheiros existem em registo, estão registadas quer nos vários bancos e nas contas bancárias e nos sistemas financeiros”, referiu durante a sua audição no Parlamento esta quarta-feira.

Num documento que fez chegar aos deputados, a que o Observador teve acesso, Ricardo Gonçalves escreve que para a implementação da operação de internacionalização dos jogos sociais, a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e a Santa Casa Global aplicaram em quatro anos, de 2020 a 2023, 43 milhões de euros, “dos quais mais de 20 milhões de euros foram em investimento”.

À mesa agora exonerada liderada por Ana Jorge atribui a responsabilidade das perdas a rondar os 30 milhões de euros. “A mesa exonerada, num ano, afundou mais de 30 milhões de euros, fora o que ainda pode vir a ser conhecido”, defende. Ricardo Gonçalves atribui estas perdas à decisão da mesa liderada por Ana Jorge de suspender grande parte dos pagamentos para o Brasil na sequência dos problemas detetados na auditoria externa. A inviabilização de transferências provocou “uma situação de rutura financeira a partir de junho de 2023″.

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O antigo presidente da Santa Casa Global questionou ainda os resultados da saída destes negócios. “Quando se diz que se poupou 14 milhões de euros (ao abandonar o projeto com o Banco de Brasília)” ignora-se os potenciais ganhos que teriam sido gerados pela operação e citou os estudos que apontavam para dividendos aos acionistas de 100 milhões ao fim de cinco anos. O desenvolvimento desta parceria entre a Santa Casa Global e o Banco de Brasília foi travado pelo Tribunal de Contas de Brasília antes da intervenção da gestão de Ana Jorge.

O gestor que durante anos esteve também no departamento de jogos da Santa Casa em Portugal justificou ainda os recursos mobilizados para a área internacional como a resposta para conseguir gerar receitas no futuro que garantissem a sustentabilidade da instituição. E invocou o investimento feito na empresa em Portugal para os jogos online que demorou sete anos até dar lucros.  “Não há negocio com retorno imediato. Nem é intelectualmente honesto” exigir tal.

E contou que quando a operação foi suspensa pela provedora Ana Jorge em 2023 pediu instruções para poder fechar  de forma controlada os processos, mas isso não foi feito. “Uma coisa é desistir das operações. Outra é abandonar as operações”. Assegurou ainda que foram comunicadas à mesa da Santa Casa soluções alternativas que passavam pela venda ou por uma saída mais gradual, mas que foram ignoradas.

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Reafirmando que o dinheiro não foi deitado fora, defendeu que teria sido possível aproveitar a rede criada no Brasil e mitigar os investimentos e recuperá-los. E disse mesmo que se o próprio tivesse dinheiro investiria neste projeto de Brasília. “Não tenho dúvidas do sucesso”. Nesta audição em que foi acompanhado pelo advogado Garcia Pereira, Ricardo Gonçalves afirmou também que foi destituído do cargo na Santa Casa Global antes de lhe ser dada a oportunidade de explicar as operações no quadro da auditoria forense ao negócio.

O documento entregue aos deputados sistematiza as perdas que diz terem sido provocadas pela saída forçada e precipitada da Santa Casa, onde se incluem processos judiciais por parte dos parceiros locais.

Dos 30 milhões de euros de perdas com o processo de saída dos projetos internacionais, 3,9 milhões correspondem à “desvalorização previsível da participação” na Ainigma Holdings — a empresa que detém a Nextlot, no Peru, que tem a licença de exploração da lotaria Torito D’Oro — ao “não acompanhar aumento emergencial de capital”.

Também apontou uma perda de 4 milhões em relação à empresa tecnológica AHS pela desistência do projeto em Brasília e “indisponibilidade para encontrar outras possibilidades de colaboração” com a empresa, que tinha sido destacada para assegurar o desenvolvimento de uma plataforma de suporte à operação de venda de lotarias que pudesse ser usada no Brasil e em Angola (num projeto que acabou por não avançar).

O valor mais significativo de perdas (10,9 milhões) é o referente ao que Ricardo Gonçalves diz ser o “abandono” da MCE, a empresa que venceu o concurso para explorar a lotaria no Estado do Rio de Janeiro, “sem substituição de administradores de junho 2023 a 30 de outubro de 2023”. Aos deputados relatou uma visita “desesperada” dos gestores brasileiros da empresa para serem recebidos pela mesa da Santa Casa.

O gestor atribui uma perda de outros 5,6 milhões de euros referentes ao valor reclamado pela Ragdoll (empresa a quem foram adquiridos os 55% da MCE no Rio de Janeiro) devido a incumprimento do pagamento da última parcela da segunda tranche do contrato. São mencionados ainda 4,5 milhões que dizem respeito à dívida à LoterJ, “com incumprimento a partir de junho de 2023, acrescido de valores de multas, juros e impostos”.

Outros 912 mil euros são de dívida à ViaCap, “com incumprimento agravado a partir de maio 2023, acrescido de valores de multas, juros e impostos”.  E 720 mil euros em despesas com advogados contratados no Brasil para “defesa nos diferentes processos” e para assumirem a gestão das empresas em nome da SCG e suas participadas.

Ricardo Gonçalves admite que o valor seja superior, se acrescerem as “possíveis dívidas a trabalhadores e outros fornecedores”.

O ex-gestor foi destituído, assim como Francisco Costa, dos cargos na Santa Casa Global em novembro de 2023 pela mesa da SCML liderada por Ana Jorge, que alegou que “descuraram e violaram manifestamente os seus deveres legais e estatutários”. No entendimento de Ricardo Gonçalves, foi objeto de uma destituição com uma “inexistente justa causa, caluniosa e claramente atentadora” do seu “bom nome”.