O ex-gestor da Santa Casa Global (SCG), Francisco Pessoa e Costa, diz que não é verdade que a área internacional tenha provocado perdas superiores a 50 milhões de euros, acusa a mesa liderada por Ana Jorge de “matar” o projeto de internacionalização dos jogos e revela que apresentou à mesa duas propostas concretas de entrada de novos parceiros no capital social das empresas no Brasil. Propostas que foram recusadas, tal como terá ficado sem resposta uma proposta para entrada de um novo investidor na empresa que geria a expansão internacional dos jogos.

As empresas e os projetos foram “abandonados”, repetiu várias vezes esta quinta-feira no Parlamento, numa audição parlamentar sobre a situação na Santa Casa. Pessoa Costa disse acreditar que vários fatores “dificultaram ou atrasaram” a rentabilidade esperada, como o impacto dos confinamentos, o “empobrecimento da população na pandemia”, o crescimento do jogo online, a desvalorização da moeda, ou a instabilidade política no Brasil e no Peru. Mas garante: “procurámos sempre soluções”.

Essa solução passou por apresentar à anterior mesa, entre julho e agosto de 2023, “duas propostas concretas de entrada de novos parceiros no capital social das empresas no Brasil, sem nunca obter resposta”, afirmou. Sinalizou ainda a existência de uma proposta para comprar 20% na empresa tecnológica Ainigma que não avançou por desinteresse da Santa Casa.

O gestor foi um dos nomes afastados pela liderança de Ana Jorge por alegações de violação dos deveres, acusação que refuta, tendo revelado que interpôs uma ação judicial contra a sua destituição que apelida como “rude, sobranceira e caluniosa”, além de “ilegal”.

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“É mentira que tenhamos provocado um prejuízo de 50 ou 60 milhões de euros e que tal prejuízo tenha sido provocado pela atividade no Brasil”, disse ainda, retomando um argumento levado à comissão no dia anterior pelo ex-colega Ricardo Gonçalves (também afastado por Ana Jorge) de que a atuação da atual mesa provocou perdas de 30 milhões de euros.

Ex-gestor da Santa Casa Global culpa mesa de Ana Jorge por perdas de 30 milhões na internacionalização

Para Pessoa e Costa, a parceria com o Banco de Brasília (BRB) era a oportunidade pela qual a equipa da SCG lutou porque, ao contrário do que foi dito pela ex-provedora, era “um excelente investimento”. Diz que a participada da Santa Casa superou a concorrência internacional forte no concurso lançado pelo BRB para escolher o parceiro com know-how e que o facto de ter já uma operação no jogo brasileiro (através da distribuição de lotaria no Rio de Janeiro via investimento na MCE) foi decisivo.

O antigo gestor reconhece que o avanço desta parceria foi travado pelo Tribunal de Contas de Brasília, mas não por causa de ilegalidades e sim porque existiam dúvidas — sobre se tendo sido entregue a exploração do jogo por 20 anos a uma entidade pública esta deveria associar-se a uma empresa privada. E referiu a forte convicção manifestada diretamente a Ana Jorge pelo presidente do BRB de que a situação era ultrapassável se a Santa Casa quisesse ficar. Mas a opção foi rescindir o contrato.

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O ex-administrador da Santa Casa Global fez ainda questão de responder a João Correia, administrador (exonerado) da Santa Casa que, em entrevista à SIC, afirmou que a principal pergunta por responder sobre o projeto de internacionalização é: Para onde foi o dinheiro?

Segundo Pessoa e Costa, a pergunta revela o desconhecimento da operação no Brasil. Indicou que a MCE (participada da Santa Casa Global) recolhia as receitas da lotaria nos 15 mil postos de venda no Rio de Janeiro e entregava à empresa pública que faz a exploração, a Loterj, que devolvia 40% dias depois. Esse dinheiro, diz era usado para pagar a trabalhadores, impostos, fornecedores, marketing e despesas de funcionamento. Foi esse circuito que foi interrompido quando a Santa Casa carregou no travão, o que levou à acumulação de dívidas à Loterj por parte da MCE e a processos judiciais contra a participada portuguesa.

Em 2021, ministério de Ana Mendes Godinho disse que Santa Casa tinha autonomia na internacionalização

Francisco Pessoa e Costa diz que o governo anterior chegou a admitir, em 2021, que a Santa Casa tinha autonomia para tomar decisões. O gestor leu um email enviado como resposta ao Correio da Manhã em junho de 2021 em que o jornal questionava se o Ministério do Trabalho, então liderado por Ana Mendes Godinho, tinha conhecimento da parceria da Santa Casa com a MCE para o consórcio que ia explorar as lotarias no Rio de Janeiro. O Ministério terá respondido que a Santa Casa tinha “autonomia” para a implementação da estratégia de internacionalização dentro dos limites previstos nos estatutos.

Também lamenta que Ana Jorge tenha enviado uma versão tão preliminar das conclusões da consultora BDO no âmbito da auditoria externa ao negócio de internacionalização ao Ministério Público, “transmitindo a ideia de indícios criminais que se traduzem em 82 desconformidades”. “Foi a atuação desta mesa que matou o projeto de internacionalização“, afirma.

Francisco Pessoa e Costa diz desconhecer o relatório final da auditoria à Santa Casa, mas garante que é “mentira” que tenha recebido ajudas de custo a dobrar, como chegou a ser dito, e diz que está a ser acusado de factos ocorridos após a sua demissão dos cargos no Brasil e da sua destituição.

O gestor defende, em linha com o que disse Edmundo Martinho no dia anterior no Parlamento, que a decisão da internacionalização foi uma “alternativa à situação financeiramente difícil” para que a instituição caminhava e assegura que houve “análise prévias” às empresas adquiridas com o apoio de consultores “especializados” e escritórios de advogados de “renome”. Também argumenta que não se esperava que o projeto tivesse frutos imediatos, mas sim só “a médio prazo”.

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