Por estes dias, é tão difícil encontrar um bom brunch em Lisboa quanto uma rua sem buracos. A culpa não é do brunch. Ao contrário do que nos querem fazer crer gourmands e chefs, brunch é bom. O que não é bom é o que se faz com ele.

O problema não é comer um pequeno-almoço tardio que junta ovos Benedict e bacalhau à lagareiro, chá de gengibre e espumante da Bairrada. O problema é que os brunchs implicam quase sempre charcutaria manhosa, ovos sobrecozinhados, crianças a chorar, filas e preços de fine dining.

O preço dos brunchs com menu fixo, em particular, costuma ser uma irracionalidade aritmética. Há tempos, por um capuccino, um croissant com doce de abóbora, uma fatia de requeijão e duas de fiambre manhoso paguei 25€. Se tivesse pedido à carta, numa pastelaria qualquer, tudo somado custaria metade. Mas como era um “sunday special”, numa sala com flores de plástico, na Baixa de Lisboa, valeu 25€.

Esqueçam isso, desviem-se do centro de Lisboa. Fujam dos brunchs amadores e dos outros. Por mais cinco euros, rumem ao Hub Criativo do Beato e assentem as vossas ressacas de fim de semana numa das mesas da Praça.

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A Praça é um projeto de mercearia, charcutaria e padaria, que ocupa um edifício do antigo complexo panificador da zona oriental de Lisboa, agora terreno para unicórnios e start ups, mesmo ao lado da antiga fábrica Nacional (refundada como Cerealis).

O projeto prolonga-se para o edifício em frente, onde está o Refeitório, restaurante liderado pelo chef Glediston Santos, onde se come muito bem por 14€ (menu de almoço) e onde se faz uso dos produtos da Praça.

E que produtos. O que ali temos é uma coleção do melhor que se produz no Continente e Ilhas. No que respeita a azeites, por exemplo, estão lá várias preciosidades, do Acushla ao Angélica, passando pelo O Amor é Cego. Mas há também arrozes de quinta e leguminosas secas, cafés de especialidade (torrados a 400 metros de distância, em Marvila) e pastelaria acabada de sair do forno ao lado, para além de uma vitrina de boa charcutaria nacional.

Ter tudo isto no mesmo espaço de um brunch dá muito jeito, porque depois é só ir buscar o produto e dispor sobre a grande mesa. O pão de fermentação lenta viaja 10 metros da padaria até ao outro lado da sala, para ser fatiado sobre a mesa. O mesmo vale para os pãezinhos de leite e para os melhores caracóis de maçã e canela, em massa folhada, que se podem comer em Lisboa.

Quanto a enchidos e fumados, a variedade é a necessária. Não há quatro variedades de paio porque chega muito bem a que é servida, da autoria dos irmãos Jerónimo, produtores de suínos de raça alentejana da zona de Almodôvar. Não há quatro variedades de presunto, porque basta um jamón ibérico e um bísaro luso. E não há dez pratos principais, porque basta uma brandade de bacalhau, perfeita para acompanhar uma das muitas garrafas interessantes da carta de vinhos (forte nos vinhos naturais ou de intervenção mínima).

De resto, é tudo bom e está tudo bem apresentado e conservado. Nas frutas frescas, o ananás dos Açores (maduro) é reposto com regularidade, tal como todas as outras frutas, para que não oxidem. No que respeita aos ovos, não há cá o rechaud de buffet com aquelas mistelas ressequidas feitas com ovo de pacote. Quem quer, pede ao senhor da estação dos ovos, que os faz de forma competente, ainda que — para o meu gosto pessoal — se encolha na manteiga.

Outra questão crítica do brunch é o levantamento de louça das mesas. Não é fácil o serviço de um brunch. As pessoas num brunch acham que precisam de trocar de prato entre o croissant (excelente) e a panqueca (belíssima, com chantili e doce de leite à parte), o ananás e as uvas.

E depois querem experimentar tudo. Mesmo quando já estão entupidas, as pessoas num brunch são capazes de comer o caldo verde e a sopa de cenoura (ambas ótimas), o sumo de tangerina com funcho e a limonada (com limão a sério), o capuccino e o americano. Tudo ao mesmo tempo.

Sobra, claro, para quem atende às mesas. Em menos de cinco minutos, a mesa de um brunch costuma parecer a copa de uma cantina, pilhas de destroços de louça e comida semi-mordida, um caos que só o melhor serviço consegue controlar — sendo que a Praça se mostrou muito competente nisso.

Resta falar de criancinhas. Eu levei as minhas. As minhas podem ser tão irritantes quanto as dos outros. Mas, mais uma vez, foram rápidos a agir os vigilantes da sala da Praça. Antes mesmo do queixume infantil se fazer ouvir, eis que uma das empregadas chega com o kit pronto-socorro, folhas com desenhos para colorir e lápis.

A estratégia resultou na perfeição — com as minhas crianças e com as dos outros — mantendo-se a Praça com decibéis civilizados.

Resumindo. Os brunchs podem ser magníficos. Permitem-nos levantar tarde, ocupar um dia preguiçoso, passar o pequeno-almoço, o almoço e, bem medido, até o jantar.

A Praça prova-nos isso. Há mais do que abacate com ovos. E há menos do que buffet para enfarta-brutos. Perfeito.

Ex-jogador de ténis, Tomás Cruges foi também inspetor para a área alimentar. Hoje em dia, dedica-se a um doutoramento sobre a influência gastronómica do Califado de Córdoba. Nos tempos livres, faz a revisão de livros de culinária para uma grande editora.