O espetáculo é uma criação da associação cultural Sociedade das Primas, tem direção de Beatriz Teodósio e contou com a participação da escritora Lúcia Vicente na dramaturgia.

A peça, para crianças a partir dos 6 anos, aborda as mesmas questões do livro, sobre racismo, religião, ‘bullying’, identidade de género, mas em palco as personagens unem-se na criação de um hino “que é um manifesto sobre as diferenças”, explicou à Lusa a encenadora, Beatriz Teodósio.

A criadora, que também dá aulas de teatro e artes plásticas no ensino básico, quis adaptar aquele texto de Lúcia Vicente, porque a temática do livro vai ao encontro daquilo que defende, de partilha de conhecimento sobre inclusão e respeito pela diferença.

“Há muitos assuntos dados no livro que não são explorados no ensino regular e há vários assuntos-tabu que até os próprios programas [curriculares] não integram. Como a questão do racismo, a cidadania, a xenofobia, o feminismo. Quando digo feminismo, quero dizer [a forma] como regularizamos a questão dos papéis entre feminino e masculino, os tabus de ‘o rosa é para a menina e o azul é para o menino’ que está muito instalado nas escolas; ou sobre as brincadeiras de menina e de menino”, disse.

O espetáculo tem a particularidade de ser bilingue, em português e em língua gestual portuguesa, e o elenco escolhido está de acordo com as personagens da história: Entre os atores há uma pessoa negra, uma não binária e uma pessoa com deficiência, referiu Beatriz Teodósio.

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Em palco vão estar Danilo da Mata, Fred Botta, Inês Cóias, Mariana Vasconcelos, Beatriz Teodósio, Patrícia Fonseca, Sofia Soares e Valentina Carvalho.

O livro “No meu bairro”, editado em 2023, reúne 12 pequenas histórias de ficção em rima, protagonizadas por crianças que falam sobre as suas vidas, em contextos pessoais, familiares e sociais diversos.

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Em algumas histórias, a escritora recorre à linguagem neutra ELU, que é utilizada sobretudo pela comunidade LGBTQI+, com alterações em pronomes pessoais e em algumas conjugações verbais.

A peça também foi totalmente escrita no sistema gramatical neutro ELU, “fomentando a representatividade através da linguagem”, esclarece a produção.

“No meu bairro” é o primeiro espetáculo da recém-criada associação cultural Sociedade das Primas, constituída por Beatriz Teodósio, Fred Botta e Francisco Sampaio, com o objetivo de trabalhar sobre “temas fraturantes” através da arte.

“Andamos de cenário e figurino às costas pelos espaços que nos acolhem e temos estado a concorrer a vários apoios”, referiu Beatriz Teodósio, para justificar o facto de a estrutura artística ainda não ter casa própria.

A peça de teatro estreia-se a 01 de junho, Dia Mundial da Criança, na Casa dos Direitos Sociais, um espaço comunitário que existe em Chelas, na cidade de Lisboa.

A par da produção do espetáculo, a associação está já a realizar oficinas e “momentos pedagógicos e educativos” sobre os temas tratados na peça, para crianças, mas também para adultos, como educadores e pais.

“Tivemos imensos adultos interessados nas oficinas e o que os motiva é quererem estar informados”, sublinhou a encenadora.

O espetáculo conta com vários parceiros, nomeadamente a Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género (AMPLOS) e a Associação AfriCandé, criada, em Lisboa, em homenagem ao ator português Bruno Candé, que morreu em 2020 vítima de um crime de ódio racial.

“No meu bairro” tem já marcada uma leitura encenada na Feira do Livro de Lisboa, e apresentações em junho em Loures e na Biblioteca de Marvila, também na capital.

Beatriz Teodósio diz que o objetivo é promover a itinerância do espetáculo pelo país. A 22 de novembro será apresentado em Portalegre.

Quando o livro foi publicado, em setembro de 2023, Lúcia Vicente explicava à agência Lusa que “No meu bairro” surgiu como resposta aos professores com quem contacta habitualmente enquanto autora, em visitas a escolas e a bibliotecas, que procuram mais recursos para abordar determinados temas na disciplina de Cidadania.

Para a autora, o livro “é uma proposta, é uma forma de abrir a discussão” e dar visibilidade a determinados temas na sociedade.

Em 2023, uma das sessões de apresentação do livro, em Lisboa, ficou marcada por “um protesto intimidatório, de megafone na mão”, por pessoas que quiseram “silenciar as vozes da autora e das apresentadoras”, relatou, na altura, o grupo editorial Penguin Random House, que publicou a obra.

A situação foi descrita pelo grupo editorial Penguin Random House como “uma ameaça à liberdade de expressão”.