Começou com a oficialização de uma saída, continuou com a oficialização de uma entrada: no espaço de uma hora, o Barcelona anunciou a ida de Xavi e a chegada de Hansi Flick, com o alemão a tornar-se o novo treinador dos catalães. Em comunicado, o clube revelou que o técnico assinou contrato até junho de 2026 e vai começar a preparar a próxima temporada desde já.

“Ao contratar Hansi Flick, o Barcelona escolheu um homem conhecido pela pressão alta e intensa das equipas que treina e pelo estilo de jogo desafiante que lhe trouxe muito sucesso ao nível de clubes e de seleções, conquistando praticamente tudo o que há para conquistar no mundo do futebol”, pode ler-se na nota divulgada ao final da manhã desta quarta-feira.

Hansi Flick sucede assim a Xavi depois de uma temporada em que o Barcelona não conquistou qualquer troféu e não foi além dos quartos de final da Liga dos Campeões. O treinador tomou a decisão de deixar o cargo no final da época ainda em janeiro, depois de uma derrota contra o Villarreal, mas mudou de ideias em abril e na sequência de uma reunião com Joan Laporta, Deco, Bojan Krkic e Enric Masip, até porque a cúpula catalã sempre defendeu a permanência do espanhol. Nas últimas semanas, porém, a lógica inverteu-se.

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No início de maio, depois da goleada contra o Girona que acabou por oferecer a liga espanhola ao Real Madrid, Xavi não poupou os jogadores e criticou-os abertamente na conferência de imprensa. “Sou o primeiro a sair zangado, antes de treinador sou adepto. Estou muito chateado. É uma pena. Vamo-nos abaixo com qualquer situação negativa. São erros pontuais, sobretudo a nível individual. Demos confiança aos jogadores para continuar a competir, mas continuam a repetir-se os mesmos erros. É um jogo que resume a nossa época. Creio que também é a falta de maturidade pela idade de alguns jogadores, mas assim é impossível competir”, disse o treinador.

Joan Laporta considerou as declarações inaceitáveis e mudou de ideias, passando a defender uma alteração de rumo no comando técnico do Barcelona: despediu Xavi em pleno hospital, enquanto recuperava de uma pneumonia e no momento em que o treinador o visitou. A partir desse momento, os candidatos alinharam-se, entre Roberto De Zerbi, Thiago Motta ou até Sérgio Conceição, mas o nome mais forte sempre foi Hansi Flick.

O treinador de 59 anos regressa ao ativo oito meses depois de ter sido despedido do cargo de selecionador da Alemanha, tornando-se o primeiro a ser dispensado do comando técnico alemão. Antes de começar a carreira de treinador, porém, Hansi Flick foi jogador. Depois de começar a jogar no BSC Mückenloch e de ter passado pelo Neckargemünd, Hans-Dieter Flick, ou Hansi Flick, terminou a formação no SV Sandhausen, onde se estreou como sénior (nos escalões secundários) acabado de fazer 18 anos. Apesar de não ter saído de nenhuma das maiores escolas germânicas, entrou no radar das seleções mais jovens e duas chamadas aos Sub-18 colocaram-no no radar dos principais clubes. Foi nesse mesmo ano de 1983 que recebeu aquela que muitos pensavam ser a proposta “única” para fazer carreira, do Estugarda. Recusou. E ainda hoje, tantos anos depois, continua a defender que foi a melhor decisão naquele contexto.

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“Queria terminar o estágio que estava a fazer no banco”, contou à revista Rund no início de 2014. “O Estugarda disse que se continuasse o meu estágio teria de jogar na equipa reserva e não queriam fazer isso. Da minha parte, queria ter alguma garantia porque não sabia quando tempo seria capaz de jogar futebol e a que nível”, acrescentou. Ficou no SV Sandhausen, continuou a sua formação extra relvados e abdicou daquele que podia ser também o seu primeiro título como jogador – em 1984, o Estugarda venceu a liga. Um ano depois, voltou a ter o interesse de um dos principais clubes, neste caso o campeão Bayern Munique. Aceitou. E recuperou esse “tempo perdido”.

Ao longo de cinco temporadas até 1990, com a final da Taça dos Campeões Europeus perdida para o FC Porto em 1987 pelo meio, Flick ganhou quatro Campeonatos e uma Taça em plantéis onde jogou com Dieter Höeness, irmão de Uli, ex-avançado que passou pela presidência do Bayern, e Michael Rummenigge, irmão de Karl-Heinz, também ele antigo avançado e atual líder executivo do clube. Matthäus, Brehme, Pfaff, Klaus Augenthaler, Olaf Thon ou Roland Wohlfarth. Depois, mudou-se para o Colónia, onde fez mais três épocas antes de se reformar do futebol profissional muito novo, com apenas 28 anos, devido às constantes lesões que lhe afetavam o rendimento, jogando depois no Victoria Bammental até 2000 onde assumiu o papel de jogador-treinador durante quatro anos, naquele que foi o início da nova etapa na carreira.

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O Hoffenheim, equipa que se encontrava no quatro escalão do futebol alemão, foi o desafio seguinte, tendo subido com o título de campeão logo na primeira temporada antes de ser afastado em 2005 por nunca ter conseguido dar o tão ambicionado salto para as divisões profissionais, neste caso a Bundesliga 2. Foi nessa fase que duas chamadas telefónicas lhe mudaram a vida, com funções que dificilmente poderia imaginar naquele momento do seu trajeto: primeiro esteve no RB Salzburg com Giovanni Trapattoni e Lothar Matthäus como coordenador desportivo; depois, foi nomeado adjunto de Joachim Löw na nova equipa técnica da Mannschaft após a saída de Jürgen Klinsmann do cargo, vaga que iria acompanhar ao longo de oito anos tendo conseguido como ponto alto a vitória no Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, com um golo de Götze na final com a Argentina, já depois do segundo lugar no Europeu de 2008 e do terceiro posto no Mundial de 2010 e das meias no Euro 2012.

O sucesso conseguido e que há muito fugia à seleção alemã levou a uma reformulação de posições na federação, com Hansi Flick a assumir o posto de diretor desportivo. Na altura aceitou mais um desafio mas o cargo tirou-lhe o trabalho de campo que tanta falta lhe fazia e acabou por sair no início de 2017, tendo aproveitado para fazer um período sabático antes de ser convidado no início da temporada para integrar a equipa técnica de Niko Kovac, num movimento que mais parecia antever o que se passaria poucos meses depois: depois de mais uma derrota que deixava os bávaros no quarto posto da Bundesliga, subiu a interino e, algumas semanas depois, a efetivo.

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Conquistou a Bundesliga, a Taça da Alemanha e a Liga dos Campeões, conduzindo o conjunto ao segundo triplete da própria história, e ainda acrescentou a Supertaça Europeia e o Mundial de Clubes na temporada seguinte. A título individual, foi considerado o treinador alemão do ano pela revista kicker e também ganhou o prémio de Treinador do Ano da UEFA. Voltou a ser campeão em 2021 e foi nesse ano que comunicou ao Bayern Munique que queria sair — para regressar à seleção, agora como selecionador principal e sucessor do legado de Joachim Löw.

A Alemanha não foi além da fase de grupos do Mundial do Qatar, ficando no terceiro lugar do Grupo E atrás do Japão e de Espanha, e ganhou apenas um jogo dos seis que realizou depois da competição. Em setembro, na sequência de uma goleada sofrida contra o Japão num encontro particular, a Federação Alemã de Futebol acabou por deixar cair Hansi Flick a menos de um ano do início do Euro 2024 que vai organizar. Agora, o treinador tem outro desafio: recuperar um Barcelona perdido entre eras.