Artur Jorge não teve dúvidas e apostou de início num meio-campo apoiado na experiência com Sousa (30 anos), André (29) e Quim (27). Udo Lattek não olhou para as idades e continuou a dar a batuta no centro do terreno a Lottar Matthäus (26), apoiado por Andreas Brehme (26) e um miúdo chamado Hansi Flick (22). No final, também foi por aí que o FC Porto derrotou o Bayern na batalha de Viena, invertendo no último quarto de hora a vantagem que Kögl tinha dado aos germânicos. Já depois de Madjer e Juary terem feito o 2-1 para os azuis e brancos, Lars Lunde foi lançado em campo para o lugar do jovem Flick. Esse Flick é o mesmo Flick que se sagrou esta terça-feira campeão pelo mesmo Bayern mas na condição de treinador. Um Flick que podia nunca ter disputado a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1987, atendendo ao início de percurso no futebol.

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Depois de começar a jogar no BSC Mückenloch e de ter passado pelo Neckargemünd, Hans-Dieter Flick, ou Hansi Flick, terminou a formação no SV Sandhausen, onde se estreou como sénior (nos escalões secundários) acabado de fazer 18 anos. Apesar de não ter saído de nenhuma das maiores escolas germânicas, entrou no radar das seleções mais jovens e duas chamadas aos Sub-18 colocaram-no no radar dos principais clubes. Foi nesse mesmo ano de 1983 que recebeu aquela que muitos pensavam ser a proposta “única” para fazer carreira, do Estugarda. Recusou. E ainda hoje, tantos anos depois, continua a defender que foi a melhor decisão naquele contexto.

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“Queria terminar o estágio que estava a fazer no banco”, contou à revista Rund no início de 2014. “O Estugarda disse que se continuasse o meu estágio teria de jogar na equipa reserva e não queriam fazer isso. Da minha parte, queria ter alguma garantia porque não sabia quando tempo seria capaz de jogar futebol e a que nível”, acrescentou. Ficou no SV Sandhausen, continuou a sua formação extra relvados e abdicou daquele que podia ser também o seu primeiro título como jogador – em 1984, o Estugarda venceu a Liga. Um ano depois, voltou a ter o interesse de um dos principais clubes, neste caso o campeão Bayern. Aceitou. E recuperou esse “tempo perdido”.

Hansi Flick enfrenta João Pinto da final da Taça dos Campeões Europeus de 1987, quando FC Porto venceu Bayern por 2-1 (Foto: Getty Images)

Ao longo de cinco temporadas até 1990, com a final europeia perdida pelo meio, Flick ganhou quatro Campeonatos e uma Taça em plantéis onde jogou com Dieter Höeness, irmão de Uli, ex-avançado que passou pela presidência do Bayern, e Michael Rummenigge, irmão de Karl-Heinz, também ele antigo avançado e atual líder executivo do clube. Matthäus, Brehme, Pfaff, Klaus Augenthaler, Olaf Thon ou Roland Wohlfarth. Depois, mudou-se para o Colónia onde fez mais três épocas antes de se reformar do futebol profissional muito novo, com apenas 28 anos, devido às constantes lesões que lhe afetavam o rendimento, jogando depois no Victoria Bammental até 2000 onde assumiu o papel de jogador-treinador durante quatro anos naquele que foi o início da nova etapa na carreira.

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O Hoffenheim, equipa que se encontrava no quatro escalão do futebol alemão, foi o desafio seguinte, tendo subido com o título de campeão logo na primeira temporada antes de ser afastado em 2005 por nunca ter conseguido dar o tão ambicionado salto para as divisões profissionais, neste caso a Bundesliga 2. Foi nessa fase que duas chamadas telefónicas lhe mudaram a vida, com funções que dificilmente poderia imaginar naquele momento do seu trajeto: primeiro esteve no Red Bull Salzburg com Giovanni Trapattoni e Lothar Matthäus como coordenador desportivo; depois, foi nomeado adjunto de Joachim Löw na nova equipa técnica da Mannschaft após a saída de Jürgen Klinsmann do cargo, vaga que iria acompanhar ao longo de oito anos tendo conseguido como ponto alto a vitória no Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, com um golo de Götze na final com a Argentina, já depois do segundo lugar no Europeu de 2008 e do terceiro posto no Mundial de 2010 e das meias no Euro-2012.

O sucesso conseguido e que há muito fugia à seleção alemã levou a uma reformulação de posições na federação, com Hansi Flick a assumir o posto de diretor desportivo. Na altura aceitou mais um desafio mas o cargo tirou-lhe o trabalho de campo que tanta falta lhe fazia e acabou por sair no início de 2017, tendo aproveitado para fazer um período sabático antes de ser convidado no início da temporada para integrar a equipa técnica de Niko Kovac, num movimento que mais parecia antever o que se passaria poucos meses depois: depois de mais uma derrota que deixava os bávaros no quarto posto da Bundesliga, subiu a interino e, algumas semanas depois, a efetivo. Pelo meio, renovou até 2023, está perto dos quartos da Champions, apurou-se para a final da Taça e conseguiu ir a tempo de inverter a tendência de resultados para assegurar o oitavo Campeonato consecutivo.

Bierhoff, Köpke, Joachim Löw e Hansi Flick: os responsáveis técnicos pelo Mundial de 2014 ganho pela Alemanha (Foto: Getty Images)

Depois de agarrar na equipa no início de novembro, na sequência de uma goleada sofrida em Frankfurt frente ao Eintracht que levou à saída de Niko Kovac, Flick começou com dois triunfos na Liga dos Campeões (que valeram o primeiro lugar no grupo) e duas goleadas na Bundesliga – a primeira na Allianz Arena diante do rival B. Dortmund – mas teve a seguir duas derrotas consecutivas, com Bayer Leverkusen e B. Mönchengladbach, que colocaram em perigo a retoma anunciada (a equipa desceu para sétimo). No entanto, a partir daí, e no equivalente a uma volta do Campeonato, o Bayern fez 49 pontos em 51 possíveis (empatou apenas a zero com o RB Leipzig) e conseguiu esta terça-feira a 11.ª vitória consecutiva, superando o recorde que tinha sido alcançado por Jupp Heynckes já depois de ter igualado o registo de Pep Guardiola ao alcançar 15 vitórias nos 18 primeiros encontros na Bundesliga.

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Aos 55 anos, a forma como percebeu o balneário foi um dos principais segredos para virar por completo uma temporada que ainda deu a ideia de mudança de ciclo vitorioso nos bávaros. Thomas Müller, várias vezes suplente com Kovac e agora terceiro melhor marcador da equipa e jogador com mais assistências, serve como exemplo paradigmático de uma viragem que teve outros elementos com maior experiência como Boateng, líder da defesa. A consolidação dessa estrutura permitiu que a equipa encontrasse o espaço para jogador mais jovens assumirem protagonismo, como Alphonso Davies, lateral esquerdo com a passagem de David Alaba para o centro (devido às lesões de Süle e Lucas Hernández). No meio-campo também, a química da dupla formada por Kimmich e Goretzka fez esquecer ausências de figuras como Thiago Alcântara. Foi essa dinâmica no centro do terreno que permitiu que a equipa jogasse mais subida, de forma mais dominante e com uma média de golos acima do normal.