Siga aqui o nosso liveblog sobre a guerra entre Israel e o Hamas.

Nos últimos quase 10 anos, Israel recorreu aos seus serviços secretos para vigiar, piratear, pressionar, difamar e ameaçar funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI) com o objetivo de impedir que inquéritos sobre crimes de guerra avançassem. Intitulada de “guerra secreta” contra o TPI, o caso veio agora ao de cima depois de o The Guardian ter publicado a sua investigação, levada a cabo com a revista israelo-palestiniana +972 e o site de notícias Local Call.

Tendo como base entrevistas com mais de 20 dos atuais e antigos agentes dos serviços secretos e funcionários governamentais israelitas, figuras de topo do TPI e diplomatas e advogados familiarizados com os esforços de Israel contra o tribunal, a investigação conjunta revelou que as secretas israelitas captaram as comunicações de vários funcionários do TPI, intercetando chamadas telefónicas, mensagens, e-mails e documentos, e que, entre o período de 2017 a 2019, Israel teve reuniões secretas com o tribunal, nas quais apresentavam  diretamente argumentos jurídicos que contestavam a jurisdição do procurador sobre os territórios palestinianos.

Entre os funcionários espiados estão Karim Khan, o procurador do TPI, que, quando anunciou que tinha pedido a emissão de mandatos de captura contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, insistiu que “todas as tentativas de impedir, intimidar ou influenciar indevidamente os funcionários deste tribunal devem cessar imediatamente”, citou o The Guardian.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Procurador do Tribunal Penal Internacional pede detenção de primeiro-ministro israelita e chefes do Hamas

Também a anterior procuradora do TPI, Fatou Bensouda, foi ameaçada pelo ex-diretor da agência dos serviços secretos israelitas no exterior, Yossi Cohen, que, numa série de reuniões secretas tentou forçá-la a abandonar uma investigação de crimes de guerra.

Os contactos de Yossi Cohen com Fatou Bensouda terão acontecido nos anos que antecederam a sua decisão de abrir uma investigação formal sobre alegados crimes de guerra e crimes contra a humanidade nos territórios palestinianos ocupados. O caso remonta a 2015, quando Fatou Bensouda resolveu iniciar uma investigação preliminar sobre a situação na Palestina.

Mas foi só em dezembro de 2019 que Bensouda anunciou que tinha motivos para começar uma investigação criminal formal sobre alegações de crimes de guerra em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A partir dessa altura, o então diretor da Mossad (cargo que ocupou até 2021) intensificou as ameaças e as tentativas de persuadir a procuradora a não prosseguir com uma investigação completa caso os juízes dessem luz verde, revela a reportagem do jornal britânico. O processo foi aberto em 2021 e acabou por incluir o que se passou em Israel, Gaza e nos territórios ocupadas da Cisjordânia e Jerusalém Oriental a partir dos ataques do Hamas em 7 de outubro do ano passado.

Cinco fontes familiarizadas com as atividades dos serviços secretos israelitas afirmaram que estes espiavam regularmente as chamadas telefónicas feitas por Bensouda e pelos seus colaboradores com palestinianos. Impedido por Israel de aceder à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, o TPI foi forçado a realizar grande parte da sua investigação por telefone. Devido ao acesso generalizado às infraestruturas de telecomunicações palestinianas, os agentes dos serviços secretos podiam captar as chamadas sem instalar software espião nos aparelhos dos funcionários do tribunal.

“Fomos informados de que estavam a tentar obter informações sobre o ponto em que nos encontrávamos na primeira análise”, revelou um antigo funcionário do tribunal, que afirmou que os seus colegas tinham também conhecimento de ameaças contra uma ONG palestiniana, a Al-Haq. Esta apresentava frequentemente informações ao TPI com recurso a documentos com informações sensíveis, como depoimentos de potenciais testemunhas.

Mais tarde, Benny Gantz, ministro sem pasta do Gabinete de Guerra israelita, designou a Al-Haq e outros cinco grupos de defesa dos direitos dos palestinianos como “organizações terroristas”. Estas afirmaram que as designações foram um “ataque direcionado” contra aqueles que mais ativamente se envolveram com o TPI.

Antigo chefe da Mossad terá ameaçado procuradora do TPI para desistir de investigação contra Israel

Contactado pelo jornal britânico, um porta-voz do TPI afirmou ter conhecimento de “atividades proativas de recolha de informações levadas a cabo por uma série de agências nacionais hostis ao tribunal” e que o TPI está continuamente a implementar contramedidas contra essas atividades: “Nenhum dos recentes ataques contra o TPI por parte das agências nacionais de informação” penetrou nos principais recursos de provas do tribunal, que se mantiveram seguros.

De acordo com as fontes do jornal, Benjamin Netanyahu demonstrou um grande interesse pelas operações dos serviços secretos contra o TPI, acompanhando de perto, e tendo sido, por isso, descrito como estando “obcecado” com as interceções sobre o caso. Supervisionados pelos seus conselheiros de segurança nacional, os esforços envolveram o serviço de segurança interna de Israel, o Shin Bet, a direção de informação militar, Aman, e uma unidade do Corpo de Inteligência das Forças de Defesa de Israel, Unidade 8200. As informações obtidas através das interceções foram, segundo as fontes, divulgadas aos ministérios da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Estratégicos do Governo do país.

“As perguntas que nos foram enviadas estão repletas de muitas alegações falsas e infundadas destinadas a prejudicar o Estado de Israel”, afirmou um porta-voz do gabinete do primeiro-ministro israelita, acrescentando: “As IDF não conduziram e não conduzem vigilância ou outras operações de inteligência contra o TPI”.

Estados Unidos da América impõem sanções contra Bensouda

Em março de 2020, uma delegação do governo israelita terá discutido em Washington com altos funcionários dos EUA “uma luta conjunta israelo-americana” contra o TPI.

De acordo com o The Guardian, na época, os israelitas pediram informações aos serviços secretos norte-americanos sobre Bensouda, um pedido que, segundo a fonte do jornal britânico, teria sido “impossível” durante o mandato de Barack Obama.

UE apoia Tribunal Penal Internacional após sanções dos EUA contra procuradora

Dias antes das reuniões em Washington, Bensouda tinha recebido autorização para avançar com uma investigação separada sobre os crimes de guerra no Afeganistão. Com receio que as forças armadas dos EUA fossem processadas, a administração Trump avançou com a sua própria campanha contra o TPI, levando, em setembro de 2020, à imposição de sanções económicas à então procuradora e a um dos seus principais funcionários. A responsável foi incluída na lista negra norte-americana, o que implica o congelamento de bens e o impedimento ao acesso ao sistema financeiro do país. Em reação, o TPI condenou as sanções “sem precedentes” e “inaceitáveis” do país, liderado por Donald Trump na época.