O Ministério Público (MP) entende que “existem fortes indícios da prática dos crimes” e um “volumoso acervo de meios de prova” que o levam a pedir que Ricardo Salgado, ex-presidente do BES e Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola, sejam julgados por burla. Caberá à juíza responsável pelo processo, Gabriela Assunção, decidir se existem indícios suficientes para que os arguidos sejam julgados.
O Tribunal Central de Instrução Criminal marcou a leitura da decisão instrutória para o próximo dia 15 de julho.
Segundo a SIC, que cita a procuradora do MP no debate instrutório desta segunda-feira, foi considerado que há mais probabilidades de os arguidos virem a ser condenados do que absolvidos, em caso de julgamento. Em causa está o alegado desvio de dinheiro do banco angolano para fins pessoais, com prejuízo para o BES em Portugal. O banco português terá sido prejudicado em cerca de 4,7 mil milhões de euros, através da concessão irregular de crédito que desequilibrou as contas do BESA.
Ricardo Salgado, Álvaro Sobrinho e Morais Pires acusados no caso BESA
Álvaro Sobrinho está acusado de 33 crimes de burla, abuso de confiança e branqueamento de capitais. Já Salgado responde por dois crimes de abuso de confiança e burla, porque terá tido conhecimento da alegada gestão danosa no BESA.
O antigo administrador do Banco Espírito Santo Angola (BESA) devia ter sido ouvido pelas 10 da manhã desta segunda-feira, contudo não compareceu no tribunal.
Defesas defendem que arguidos do processo BESA não devem ir a julgamento
As defesas dos arguidos do processo BESA contestaram esta segunda-feira a tese do Ministério Público (MP) e consideraram que o tribunal não deve levá-los a julgamento num caso que envolve os crimes de abuso de confiança, branqueamento e burla.
Após o MP defender durante a manhã que o ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA) Álvaro Sobrinho, o antigo presidente do BES Ricardo Salgado e os ex-administradores Morais Pires, Rui Silveira e Helder Bataglia devem ser julgados “nos exatos termos da acusação”, coube à defesa do ex-banqueiro angolano abrir as alegações, refutando em pouco mais de cinco minutos a competência dos tribunais portugueses para julgar o seu cliente.
“Qualquer atuação alegadamente ruinosa que tenha ocorrido, ocorreu em Angola. Álvaro Sobrinho esteve sempre em Angola. Já foi confrontado com os factos em Angola e na Suíça e os mesmos foram arquivados”, invocou o advogado Miguel Esperança Martins.
O mandatário do ex-presidente do BESA, acusado de 18 crimes de abuso de confiança agravado (cinco dos quais em coautoria) e cinco de branqueamento, acrescentou ainda que “Álvaro Sobrinho entende que a lei portuguesa não se aplica e que não são os tribunais portugueses competentes”.
Já a defesa de Ricardo Salgado lembrou o processo BES/GES, o principal caso do colapso do Grupo Espírito Santo, para invocar o princípio legal de que um arguido não pode ser julgado duas vezes pelo mesmo crime.
Defendeu que o tribunal deve reconhecer que o objeto do processo já foi analisado e apontou uma violação do princípio de especialidade pelo uso de prova remetida pelas autoridades suíças para o caso BES/GES sem autorização no processo BESA.
O advogado Adriano Squilacce reiterou também a necessidade de uma perícia neurológica ao seu cliente, a quem foram imputados cinco crimes de abuso de confiança agravado e um de burla qualificada (todos em coautoria) neste processo.
Perante o diagnóstico de doença de Alzheimer (já apontado numa perícia efetuada noutro processo), argumentou que “a única razão pela qual se continua a ignorar a doença de Alzheimer do arguido tem unicamente a ver com o nome deste arguido, Ricardo Salgado”, manifestando ainda a expectativa de uma decisão de não-pronúncia do tribunal.
O mandatário de Morais Pires, visado por um crime de abuso de confiança e outro de burla, começou por apontar uma aparente “contradição insanável” ao MP, por entender que o mesmo dinheiro pode ser num processo objeto de corrupção e noutro constituir crime de abuso de confiança.
“Morais Pires não era administrador do BESA, nem houve dinheiro que lhe foi emprestado. E só assumiu o pelouro do BESA em 2012… Se há responsabilidade de alguém, não é certamente de Morais Pires, que lutou para que houvesse garantia soberana de Angola e teve muitas reuniões”, disse o advogado Raul Soares da Veiga.
Acrescentou ainda que, se o tribunal verificar os dados da acusação, “verá que lhe assiste razão e proferirá despacho de não-pronúncia”.
O advogado Rui Patrício, que representa o antigo administrador Helder Bataglia, acusado de um crime de abuso de confiança, defendeu a incompetência dos tribunais portugueses, entendendo que “não há nenhuma conexão com o território português” ou atos praticados pelo seu cliente que constituam o crime que lhe é imputado.
“Os tribunais portugueses não são competentes. E o que está narrado na acusação não consubstancia crime de abuso de confiança em relação a Helder Bataglia… ‘simple as that’ [tão simples como isso, em inglês]. Eram quantias que Helder Bataglia recebeu, às quais tinha direito no âmbito do GES. O que diz respeito ao meu cliente é muito curto e não permite que seja produzida uma pronúncia”, referiu.
Por último, a defesa de Rui Silveira — o único arguido que não pediu a abertura de instrução e que é acusado de um crime de burla — criticou a acusação, considerando-a “profundamente injusta” em relação ao seu cliente.
O advogado Luís Pires de Lima disse que a tese do MP assenta em “especulações e deduções” não apoiadas em factos, pelo que, no seu entender, Rui Silveira não devia ter sido acusado.
A leitura da decisão instrutória foi marcada pela juíza Gabriela Assunção para 15 de julho, às 15:00, no Tribunal Central de Instrução Criminal.
A acusação do processo BESA foi conhecida em julho de 2022 e respeita à concessão de financiamento pelo BES ao BESA, em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário.
Por força desta atividade criminosa, a 31 de julho de 2014, o BES encontrava-se exposto ao BESA no montante de perto de 4,8 mil milhões de euros.
As vantagens decorrentes da prática dos crimes indiciados, neste inquérito, contabilizam-se nos montantes globais de 5.048.178.856,09 euros e de 210.263.978,84 dólares norte-americanos, segundo a acusação do MP.
Artigo atualizado às 20:38 com reação das defesas