Benny Gantz e o seu partido, o Unidade Nacional, juntaram-se à coligação governamental liderada por Benjamin Netanyahu após o ataque do Hamas a 7 de outubro, frisando que a aliança não se tratava de uma “parceria política” mas do “destino”, numa altura crítica para Israel em que milhares de reservistas foram chamados ao serviço militar. Oito meses, e várias divergências depois, Gantz bateu com a porta.

Ainda que abale a imagem de unidade que Benjamin Netanyahu tem tentado transmitir dentro e fora do país, a saída de Gantz — cujo partido soma oito lugares no parlamento israelita (o Knesset) — não retirará a maioria parlamentar da coligação que suporta o governo, que terá 64 em 120 assentos. Nem deverá pôr em causa, pelo menos para já, a liderança do primeiro-ministro israelita.

Analistas consultados pelo The New York Times admitem que, sem o Unidade Nacional, um partido do centro/centro-direita, o governo de coligação poderá ficar mais permeável à extrema-direita israelita e dificultar a concretização de um acordo para a libertação de reféns. Além do Likud, de Netanyahu, o governo de coligação será composto por dois partidos de extrema-direita e dois ultraortodoxos.

A saída de Benny Gant expõe as divisões na liderança israelita sobre o rumo da guerra e o pós-conflito, escreve o jornal norte-americano. Nestes oito meses, Gantz chocou por diversas vezes com Netanyahu e os partidos nacionalistas e ultraortodoxos de linha dura da coligação.

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Segundo o The New York Times, uma das maiores divergências com o primeiro-ministro israelita incluía a visão para a governação de Gaza no pós-guerra. Os dois rejeitam a ideia de que a Autoridade Palestiniana deva apoiar a governação de Gaza após o conflito, mas Gantz tem sido uma das vozes mais ativas para um acordo de cessar-fogo e de libertação de reféns e criticava o que dizia ser a falta de plano de Netanyahu para o pós-guerra. Também se tem mostrado mais aberto à ideia de um acordo com palestinianos do que o primeiro-ministro israelita ou os aliados da ala direita e extrema-direita.

Há três semanas, fixou o prazo de 8 de junho para que Netanyahu apresentasse uma estratégia clara para o pós-guerra no enclave e para que garantisse um plano para libertar reféns. “Se escolher o caminho dos fanáticos, arrastando o país para o abismo, seremos forçados a abandonar o governo“, disse na conferência de imprensa a 18 de maio.

Gantz chegou a ter uma conferência de imprensa marcada para este sábado, mas foi adiada devido ao anúncio das forças de Israel sobre a libertação de quatro reféns numa operação de resgate.

Uma “missão heróica” preparada ao longo de “várias semanas”. Como o exército de Israel conseguiu salvar os quatro reféns

Na conferência de imprensa deste domingo, disse que toma a decisão de sair do governo “com o coração pesado, mas com todo o coração” e voltou a deixar visíveis as diferenças face a Netanyahu, que acusou de impedir a “verdadeira vitória”. Para Gantz, uma “verdadeira vitória” significaria o regresso dos reféns, a substituição do Hamas como a entidade que governa Gaza e a criação de uma aliança regional contra o Irão.

Antes de sair, pediu eleições antecipadas no outono, numa altura em que se completará um ano do ataque de 7 de outubro, para “eventualmente estabelecer um governo que vai ganhar a confiança das pessoas e será capaz de responder aos desafios [de Israel]”.  “Apelo a Netanyahu: marque as eleições. Não permita que o nosso povo se divida”, pediu.

Ainda Benny Gantz falava aos jornalistas e Benjamin Netanyahu já apelava, no X, para que o colega de coligação reconsiderasse a decisão de abandonar o governo. Naquela rede social, o primeiro-ministro israelita defendeu que “Israel está numa guerra existencial em várias frentes” e, dirigindo-se diretamente a Gantz, disse que “este não é o momento de abandonar a campanha — este é o momento de unir forças“.

Netanyahu comprometeu-se a “continuar até à vitória” e até cumprir “todos os objetivos da guerra, principalmente a libertação de todos os nossos reféns e a eliminação do Hamas”. O primeiro-ministro israelita diz que a sua “porta continuará aberta” a qualquer partido que esteja disponível para “ajudar a obter a vitória sobre os nosso inimigos e a garantir a segurança dos nosso cidadãos”.

Além de Gantz, o governo somou mais duas baixas: os ministros sem pasta Gadi Eisenkot e Chili Tropper, ambos do partido de Gantz, também anunciaram a saída por entenderem que o executivo está suscetível às “considerações estrangeiras” que “invadiram a sala de discussão e estão a influenciar os decisores” e não servem ao “bem do país”.

Gantz “encurralou-se a si próprio”, mas pode vir a ter trunfo

Segundo a Reuters, Benny Gantz era o único elemento do governo israelita que parecia ter a confiança da administração Biden, cada vez mais apreensiva com Netanyahu e as suas opções em Gaza. No início do ano, visitou Washington, numa viagem que terá enfurecido os aliados de Netanyahu (que ainda não foi convidado pela Casa Branca).

O futuro político de Gantz é, para já, incerto. Filho de um sobrevivente do Holocausto, cresceu num kibutz e passou a maior parte da carreira no exército. Como chefe do Estado-Maior do Exército, em 2012, supervisionou uma operação de oito dias na Faixa de Gaza que começou com o assassinato do então líder da ala militar do Hamas em Gaza. Foi ministro da Defesa no governo anterior e era visto como uma escolha natural para liderar um futuro governo.

Aviv Bushinski, um antigo conselheiro de comunicação de Netanyahu, disse, citado pela Reuters, que a tentativa de Gantz pressionar Netanyahu só abriu caminho para a sua própria saída. “Benny Gantz encurralou-se a si próprio porque não pode recuar face ao ultimato”, defendeu.

Segundo o The New York Times, saindo do gabinete de guerra, o centrista terá agora uma capacidade mais limitada para exercer influência sobre as decisões políticas do atual governo. Mas terá o trunfo, que lhe poderá vir a ser útil em futuras eleições, de ter batido o pé perante Netanyahu.