Após umas eleições europeias que serviram aos partidos para retirar ilações nacionais, o PCP avisa: as forças políticas não devem fazer “cálculos eleitorais” para decidir se aprovam ou não o próximo Orçamento do Estado, ou se desencadeiam ou não uma crise política. Quem o fizer, nomeadamente o PS, estará a “enfiar a cabeça na areia” e até a fazer um mau serviço ao país.
No rescaldo da primeira reunião do Comité Central após as europeias, o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, colocou dúvidas sobre o futuro próximo da política portuguesa — o calendário eleitoral deixou de ser previsível, e por isso o partido diz estar “pronto para qualquer desafio que se coloque” — e relativizou o valor da estabilidade política. “Pouco me importa a instabilidade política, acho que não é essa a questão. O que me importa é a instabilidade da vida das pessoas”, atirou. “De que nos vale a estabilidade política?” nestas condições, atirou para o ar.
“Só espero que na reflexão de cada partido não esteja presente apenas cálculos eleitorais. Se estiverem, vamos mal”, prosseguiu Raimundo, redobrando as críticas em resposta a uma pergunta sobre a eventual vontade do PS de fazer passar o próximo Orçamento se calcular que uma crise política a breve trecho o prejudicará. E empurrou o ónus da instabilidade também para o Executivo: “Em cálculo eleitoral, tanto podem os partidos fazer cair o Governo como o Governo fazer-se cair a si próprio”, recordou.
E se quem tem pedido constantemente que a estabilidade seja mantida e que não se desencadeie nenhuma crise orçamental é o Presidente da República, Raimundo também guardou, em resposta aos jornalistas, farpas para Marcelo Rebelo de Sousa: “Não podemos confundir desejos com apelos. Admito que o Presidente tenha o desejo de este Governo continuar. Outra coisa é olhar para o país que temos”, criticou, atacando a “máquina de propaganda bem montada” do Governo — “temos de lhe tirar o chapéu” –, que contrasta com uma vida das pessoas que “tende a piorar”.
Resultado “aquém” graças a “manipulações e medo”
O resto da conferência de imprensa foi passado entre o exercício de ver o copo meio cheio — o PCP perdeu um eurodeputado e segurou outro, conseguindo eleger João Oliveira — e culpar fatores externos pelo resultado do PCP. A declaração escrita do Comité Central ia nesse sentido, embora as frases de Paulo Raimundo incluíssem algumas admissões de culpa — “Não temos a pretensão de que fazemos sempre as coisas todas bem”, foi dizendo, enquanto insistia que o PCP não quer “transformar derrotas e vitórias”. Chegou, de resto, a falar num “avanço ligeiro”, em termos percentuais, face às legislativas, para depois admitir: “Nestas alturas agarramo-nos a tudo…”.
O caminho passou, no entanto, sobretudo por justificar o resultado comunista, que foi “construído a pulso” mas ainda assim ficou “aquém”, com fatores externos: em poucos minutos, Raimundo falou numa “menorização” do PCP e do seu trabalho no Parlamento Europeu; de uma “deturpação dos seus posicionamentos”; dos “vaticínios recorrentes sobre o seu desaparecimento” (que ao serem contrariados terão provocado azia” a algumas pessoas, sugeriu); dos “elementos de dispersão e engano”, num “conformismo e obscurantismo amplamente difundido”; do “medo”, “chantagem”, “dogmas do neoliberalismo” e uma “perigosa lógica de confrontação”. Houve ainda “cortinas de fumo, manipulações e promoção do preconceito”, contra os quais os eleitores do PCP votaram com “coragem”.
Por tudo isto, o PCP considera que a eleição de um eurodeputado, mesmo deixando os comunistas numa situação pior do que antes, tem um “enorme significado político”. E chama a atenção para o quadro em que estas eleições aconteceram, com uma “arrumação de forças” diferente — o Livre veio buscar votos à esquerda, apesar de não ter conseguido eleger eurodeputados, e à direita surgiram Iniciativa Liberal e Chega — e uma campanha do PCP que por vezes foi “caricaturada”.
A referência seria sobretudo à posição do partido sobre a guerra na Ucrânia, que o PCP tem insistido, como Raimundo voltou a fazer, que vai contagiando mais pessoas. O “espaço” de quem “recusa a guerra como futuro dos povos” está num momento em que se “alarga e cresce”, assegurou o líder comunista, “estranhando” a ideia de que o PCP, “único partido que tem defendido uma solução de paz” desde 2014, possa ter sido prejudicado por isso a nível eleitoral.
“Falar de paz é um caminho que alarga consciências e que estamos a trilhar”, rematou, rejeitando falar da guerra como quem “viu muitos filmes de Hollywood e joga muita Playstation”.
Costa terá “espartilho” no Conselho Europeu
O secretário-geral comunista foi ainda questionado sobre a provável candidatura de António Costa ao Conselho Europeu, mas preferiu contornar o nome do ex primeiro-ministro. “Não é um problema de pessoas, mas de políticas”, atirou, lembrando o exemplo de Durão Barroso na Comissão Europeia — “sentimos bem o que isso significou, nomeadamente a intervenção da troika em Portugal”.
Raimundo até admitiu que Costa tem “capacidades de negociação”, mas deixou um alerta: o antigo chefe de Governo irá fazer essas negociações “no quadro do espartilho que está definido” na Europa, que diz estar “sequestrada” por multinacionais e por uma insistência na guerra.