A notícia em primeira mão foi dada pelo Observador no dia das buscas ao Ministério da Saúde e Hospital de Santa Maria: após a constituição de arguido do ex-secretário de Estado Lacerda Sales, Nuno Rebelo de Sousa é o próximo alvo da investigação ao caso das gémeas. E como se processará a investigação a um suspeito que tem residência no Brasil? Foi o ponto de partida do último episódio do programa “Justiça Cega” da Rádio Observador.

[Ouça aqui a versão integral do podcast do “Justiça Cega”]

“Nuno Rebelo de Sousa deve colaborar com Justiça”

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O advogado Miguel Pereira Coutinho (escritório Cuatrecasas) diz claramente que a residência no Brasil não representa qualquer obstáculo a uma investigação a Nuno Rebelo de Sousa — ou até mesmo aos país das gémeas luso-brasileiras. “Há um acordo bilateral de cooperação judiciária com o Brasil, à semelhança do que aconteceu com outros países de língua oficial portuguesa. Basta recordar, por exemplo, o caso de Duarte Lima em que houve um pedido de colaboração do Brasil e a ação penal foi transmitida a Portugal”, começa por explicar o penalista.

Contudo, o mais natural é que seja o próprio Nuno Rebelo de Sousa a mostrar de forma proativa o seu desejo de colaborar com a Justiça portuguesa. “A colaboração com a Justiça deve ser sempre a opção de todos os cidadãos. No caso de uma pessoa com perfil público, associada ao um caso mediático, a colaboração com a Justiça é mesmo a única possibilidade”, enfatiza Pereira Coutinho.

Tal colaboração resume-se a uma disponibilização para calendarizar a marcação de um interrogatório na Polícia Judiciária ou no Ministério Público. “A primeira coisa que um determinado suspeito costuma fazer é constituir mandatário para, no fundo, fazer essa ligação com as autoridades. E das duas uma: ou o advogado do suspeito contacta as autoridades e calendariza uma diligência ou a Polícia Judiciária pode entrar em contacto com o suspeito para estabelecer um canal de comunicação”, explica o advogado.

Crime tráfico de influências pressupõe contrapartida patrimonial ou não patrimonial

Tal como o Observador noticiou, Nuno Rebelo de Sousa e os pais das gémeas luso-brasileiras podem vir a ser investigados pelos crimes de tráfico de influência e burla qualificada ao Estado português.

No caso do primeiro crime, está em causa a alegada pressão que Nuno Rebelo de Sousa terá exercido sobre o ex-secretário de Estado Lacerda Sales mas também sobre a Casa Civil do Presidente da República, sendo certo que a primeira pressão terá surtido efeito e no segundo caso tal não aconteceu.

“A tentativa é punível no crime de tráfico de influências, sendo que, para haver uma consumação do crime de tráfico de influências, não é necessário que se atinja o objetivo. No fundo é quando alguém recebe ou solicita uma determinada vantagem patrimonial ou não patrimonial para abusar de uma influência junto de um organismo público”, explica Miguel Pereira Coutinho em termos abstratos.

“Há aqui duas nuances. Em primeiro lugar, que esta influência de que se abusa pode ser real ou suposta. Ou seja, o suspeito pode nem sequer ter a influência que diz ter. Mas só o simples facto de estar a receber uma vantagem patrimonial ou não patrimonial para exercer tal influência implica a consumação do crime”, enfatiza o penalista.

Esta última parte é muito relevante: a entrega de uma vantagem patrimonial e não patrimonial por parte dos pais das gémeas a Nuno Rebelo de Sousa.

Seja como for, os crimes de abuso de poder e de prevaricação — que são crimes típicos de funcionário e de titular de cargo político — também podem ser estendidos a Rebelo de Sousa e aos pais das gémeas luso-brasileiras, conclui Miguel Pereira Coutinho.