Quando assumiu o comando do Benfica, primeiro de forma interina para segurar um barco que estava quase à deriva depois da detenção de Luís Filipe Vieira no âmbito da operação “Cartão Vermelho” (e consequente demissão de todos os cargos que tinha no universo dos encarnados, entre clube, SAD e demais empresas) e depois “legitimado” por uma votação de peso com 84,5% entre mais de 40.000 sócios votantes, Rui Costa chegava a uma cadeira que sabia que um dia seria sua mas onde tinha chegado por um caminho com o qual não contava. Ainda assim, acreditava, como sempre acreditou, que tudo o que tinha feito pelo clube como jogador, como diretor, como administrador e até como sócio poderia de alguma forma ajudar a que tirasse o resto do “curso” até à liderança com união, entreajuda, espírito de missão. O tempo mostrou o contrário.

No dia 10/10, o Maestro soube que goleou – e que tem agora 10 desafios pela frente na presidência do Benfica

Quase três anos depois dessa eleição, Rui Costa enfrentava a primeira Assembleia Geral mais “quente”, neste caso numa versão “dois em um” de manhã e à tarde. E havia três razões para o escalar dessa contestação.

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Logo à cabeça, a questão dos resultados desportivos. É notório que todos os problemas que têm envolvido o Benfica nos últimos tempos acabam por tornar mais parciais as análises aos insucessos da equipa de futebol. Em condições normais, depois de uma temporada em que conseguiu mudar o paradigma dos encarnados não só com a conquista do Campeonato e a chegada aos quartos da Champions (e que teve o lançamento e/ou aposta em jovens da formação como João Neves ou António Silva), Roger Schmidt deveria ter crédito para uma segunda época que não corresse tão bem. Nunca teve. Nem ele nem a própria estrutura, avaliada à luz daquilo que foram as contratações menos conseguidas no verão com avançados e laterais esquerdos à cabeça dessas falhas. Ainda a meio da época, com tudo em aberto, a contestação chegava a um ponto nunca visto.

Por mais do que uma vez, quando Schmidt era colocado em causa e respondia aos adeptos que assobiavam a equipa e o treinador, Rui Costa saiu em defesa do alemão. Nem mesmo quando a temporada terminou sem qualquer título (a não ser a Supertaça, referente a 2023), perante uma contestação crescente às opções, às substituições tardias e à forma como lia os encontros, o presidente dos encarnados deu sinais de alteração de ideias em relação ao que considera ser o melhor para o futebol do Benfica, dando uma mensagem não só para dentro como para fora quando confirmou e reconfirmou a continuidade do germânico no comando técnico das águias. Por entender que era o melhor para o futuro a breve e médio prazo, tomou essa decisão, recusou ir pelo caminho mais “fácil” que seria dispensar Schmidt e ficou mais ligado aos seus resultados.

“Roger Schmidt vai continuar no Benfica. Nunca farei do treinador um bode expiatório”, assegura Rui Costa

Depois, a questão dos processos judiciais. Além de todos os casos que estão ainda a ser investigados, soube-se esta semana que a Benfica SAD iria a julgamento pelo denominado “Saco Azul”, a par do antigo presidente Luís Filipe Vieira, o ex-CEO Domingos Soares de Oliveira e ainda o ex-diretor financeiro Miguel Moreira. A par disso, tornou-se também público há um mês que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Polícia Judiciária (PJ) imputam ao ex-presidente, Luís Filipe Vieira, e aos administradores da Benfica SAD entre 2014 e 2020 um alegado plano para desviar cerca de seis milhões de euros dos cofres da empresa através de contratos de intermediação de jogadores falsos – ou seja, além de Soares Oliveira e do antigo diretor jurídico Paulo Gonçalves, também o próprio Rui Costa está entre os arguidos.

Vieira, Rui Costa, Paulo Gonçalves e Soares Oliveira suspeitos de criarem plano para desviar fundos da Benfica SAD

Por fim, e num plano mais institucional e interno, toda a saída conturbada de Luís Mendes, que era o número 2 do clube e da SAD e pessoa muito próxima de Rui Costa na lista que apresentou a sufrágio em 2021, não só do clube mas da própria sociedade que gere o futebol dos encarnados, mas também a auditoria forense que foi realizada pela EY e que não terá encontrado qualquer tipo de negócio que tenha lesado a Benfica SAD. Há um ponto comum entre ambos e que passa pelo assunto nunca resolvido em definitivo que continua a ser uma espécie de fantasma na gerência do atual presidente: Luís Filipe Vieira, pelo que fez ao longo de quase duas décadas como número 1 e pelas pessoas próximas que deixou em várias partes do clube.

Saco Azul do Benfica. O esquema para tirar 2,2 milhões das contas do clube, os contratos “vagos” e as faturas fictícias

Ao longo de 208 páginas disponibilizadas aos associados do clube esta sexta-feira (mais três que resumem as conclusões da EY), existem vários negócios que não demoraram a ser “detetados” e comentados em vários fóruns encarnados como que aumentando a incredulidade por haver no final a conclusão de que “nenhuma situação ou particularidade em que a Benfica SAD tenha sido diretamente lesada por qualquer um dos seus representantes”. As verbas pagas para contratações a “custo zero” como Jonas e Zivkovic (assim como os circuitos para esses pagamentos), os acordos diferentes para a aquisição do mesmo jogador como aconteceu com Derlis González, a contratação de Yoni González com uma comissão de dois milhões de euros ou a cedência sem custos de Pedro Henrique ao Feirense depois de custar um milhão de euros ao Benfica foram alguns dos vários exemplo colocados em discussão, a par da ausência de relatórios de scouting.

Era neste contexto que Rui Costa enfrentava os associados encarnados num dia que prometia ser comprido mas que teria grande peso naquele que será a gerência do presidente do Benfica nos próximos meses.

Quase duas horas de atraso, sócios fora do Pavilhão e Noronha Lopes a ganhar gás

Os responsáveis do Benfica esperavam uma grande afluência à reunião magna mas as expetativas mais altas foram superadas desde cedo, o que fez com que, ainda antes do início da primeira Assembleia Geral, fosse ativado uma espécie de plano B que iria colocar a parte da tarde no Estádio da Luz para que todos os sócios pudessem ter acesso com lugar sentado, algo que os cerca de 1.800 lugares do Pavilhão número 2 da Luz não podiam assegurar. As filas longas fizeram com que o início dos trabalhos fosse atrasado em bem mais de uma hora, sendo que cedo se perceberam as tendências entre os presentes: por um lado, muitas críticas a Rui Costa ou, mais concretamente, a Roger Schmidt e Luís Filipe Vieira que acabam por ir parar a Rui Costa; por outro, grande apoio a João Noronha Lopes, candidato derrotado por Vieira nas eleições de 2020.

“O movimento Servir o Benfica congratula-se pela enorme adesão dos associados do clube às reuniões de Assembleia Geral. É uma demonstração inequívoca de, quando as Assembleias Gerais são agendadas para dias não úteis, os associados do clube demonstram a sua enorme militância e amor. Apelamos ao presidente da Mesa da Assembleia Geral para não iniciar os trabalhos até que todos os associados que estão a aguardar no exterior, estejam devidamente acreditados e no interior do Pavilhão”, pedira o “Servir o Benfica” antes desse discurso, numa ideia que acabou por não ser acolhida nessa reunião magna de manhã, que em vez de começar às 10h30 passou para as 12h15, tendo em conta que ficaram muitos associados fora do recinto.

“Congratulo-me com esta manifestação de benfiquismo, vitalidade e democracia. Hoje é um momento decisivo para a história do Benfica. O projeto dos estatutos deve ser agregador já que é estruturante para o nosso futuro. Não posso deixar de felicitar o presidente da Assembleia Geral por ter criado condições para que sejam aprovados pontos com várias alterações propostas pelos sócios. É muito importante que nesta discussão dos estatutos os sócios votem em consciência mas que não liguem esta questão dos estatutos aquilo que podemos pensar que foi feito ou que não foi feito, aquilo que gostamos ou aquilo que não gostamos. Os estatutos são por si um elemento definidor do nosso futuro. E peço a todos que o exemplo de grandeza que já demos ao país com esta afluência extraordinária seja seguido de um exemplo de grandeza pela serenidade que deve rodear esta questão, pelo respeito que devemos ter uns pelos outros”, disse Noronha Lopes na intervenção que teve no Pavilhão, com vídeos que não demoraram a circular nas redes sociais.

Essa foi a intervenção mais forte da parte da manhã, com Noronha Lopes a voltar aos discursos em reuniões magnas com um tom institucional que motivou muitos aplausos antes de uma votação que, basicamente, iria sufragar a melhor metodologia para aprovar as alterações estatutárias apresentadas. A proposta foi aprovada nos 11 pontos propostos por maioria, sendo que este seria apenas uma “entrada” para o prato principal que ficava reservado para a parte da tarde, já com o Estádio da Luz pronto a partir das 16h.

  1. Abrir aos(as) associados(as) por um período de 10 dias para que possam apresentar, se ainda o entenderem, propostas de alteração alternativas;
  2. Todas as propostas de alteração só podem ser apresentadas por sócios efetivos, com mais de um ano de filiação, e devem ser remetidas à Mesa da Assembleia Geral (MAG), devidamente assinadas, com identificação de nome e número de sócio e para o mail estatutos@slbenfica.pt, indicando a norma a alterar, a redação pretendida e o respetivo fundamento;
  3. No caso de as propostas de alteração serem subscritas por vários(as) sócios(as), exige-se a assinatura e identificação de todos(as) os proponentes, com os dados definidos no número anterior, em cada uma delas;
  4. No prazo máximo de 15 dias posteriores ao previsto no número 1 da presente proposta de metodologia, a MAG indicará as propostas de alteração que não foi possível compatibilizar e que devem ser objeto de discussão e votação autónomas em Assembleia Geral;
  5. O presidente da MAG marcará, após a devida sistematização, a reunião da Assembleia Geral para votação na generalidade das propostas globais de alteração estatutária;
  6. Cada uma das propostas globais de alteração, a existirem, terá 15 minutos para a respetiva apresentação.
  7. Em sequência será marcada Assembleia Geral – se necessário em diferentes sessões – para votação na especialidade, sendo, no caso de não compatibilização, as respetivas propostas votadas em alternativa e por artigo.
  8. Cada uma das propostas autónomas terá três minutos para a respetiva apresentação.
  9. No caso de se verificar um conflito positivo de normas aprovadas ou um conflito negativo entre normas não aprovadas, nomeadamente ao nível de competências dos órgãos sociais, a MAG submeterá a votação da Assembleia, antes da aprovação global dos estatutos, a escolha da norma que constará da proposta final.
  10. As propostas que recolherem a maioria qualificada prevista no n.º 3 do Artigo 91.º dos Estatutos integrarão, desde que sistematicamente coerentes, a versão definitiva dos Estatutos, a qual será sujeita a votação final global, em processo e votação autónomas.
  11. Todas as decisões da MAG serão divulgadas no e-mail referenciado no n.º 2 da proposta.

“Não há nenhuma crise de liderança”, garantiu Rui Costa entre pedidos de demissão

De madrugada, num dos acessos ao Estádio da Luz, tinha sido deixado um pano com a questão “Rui Costa, 16 anos e não vista nada conivente ou deficiente?”. Foi um ato isolado mas, em parte, acabava por refletir o que iria estar em causa à tarde no Estádio da Luz. É certo que na ordem de trabalhos da segunda reunião magna estavam a leitura das últimas dez atas e o Orçamento para a temporada de 2024/25 (ou seja, questões que num dia normal teria pouca gente e não motivaria grande interesse), mas aquilo que os sócios desejavam era discutir o presente do clube à luz de todos os casos e a auditoria dada a conhecer na véspera. Se dúvidas existissem, até a “memória” apresentada a partir das 16h mostrava isso: a leitura de quase todas as atas foi dispensada mas não a de 2019, quando houve um tumulto entre um associado… e Vieira.

Por mais do que uma vez, foi-se ouvindo a palavra “Expulsão” quando havia algo que pudesse ser ligado ao antigo presidente dos encarnados, numa extensão daquilo que, de acordo com o que o Observador foi tendo acesso nas últimas semanas, se prepara para ser uma realidade: a apresentação de uma proposta para que Vieira seja expulso da condição de associado dos encarnados. Foi também neste contexto que Rui Costa se deslocou ao palanque pela primeira vez esta tarde, ouvindo logo abrir assobios que fez com que soltasse um “Se puder falar” que motivou uma reação de “Demissão”. Confirmava-se o ambiente difícil para o líder.

Apesar desse contexto, Rui Costa não prescindiu de ler o discurso que tinha preparado e que foi chegando fora da Assembleia Geral através de pequenos vídeos que foram feitos e partilhados. Falou um pouco de tudo, quis deixar sobretudo uma mensagem forte desde início: “Não há crise de liderança no Benfica”. “Não há vazios nem ausências de decisão. O presidente do Benfica está aqui como sempre esteve. Assumimos as nossas responsabilidades e temos um projeto para o futuro do clube. Não viro as costas nem fujo às minhas obrigações. Respondo por mim e pela minha equipa, mesmo por aqueles que decidiram sair. Vamos voltar a vencer no futebol, vamos continuar a vencer nas modalidades. O Benfica vai permanecer como o clube mais vencedor em Portugal como tem sido nas últimas décadas”, assegurou Rui Costa nessa intervenção.

O líder dos encarnados foi tocando em vários pontos. No Orçamento para a nova temporada, que volta a ter uma aposta forte nas modalidades para manter ou aumentar a competitividade das mesmas (sendo que em alguns casos terão de passar por um processo de transformação, algo extensível a tudo menos basquetebol e voleibol mesmo com mexidas previstas e já confirmadas em cada uma delas). “Ganhámos oito em 12 dos Campeonatos, o dobro dos nossos rivais em conjunto mas parece que está tudo mal, que temos de mudar tudo. Não nos podemos autodestruir, já chega quem nos quer abater pela nossa grandeza”, referiu. Na época do futebol, “que ficou aquém do esperado e foi muito abaixo das expetativas” mas que não impediu que os encarnados joguem a Champions e o Mundial de Clubes na próxima época. Dos direitos televisivos e da garantia que o Benfica conseguirá um valor justo para o peso que tem nas provas nacionais.

“Sobre as questões da transparência e boas práticas, temos procurado informar os sócios de tudo o que fazemos”, disse depois, num momento em que se voltaram a ouvir mais assobios. “A cada mercado justifico cada uma das contratações, o que representa em termos de custos e as vendas de jogadores. Fizemos uma auditoria a todos os contratos que estão na Operação Cartão Vermelho. Disponibilizámos essas conclusões aos sócios antes desta Assembleia Geral, entregámo-las ao Ministério Público. Vamos fazer uma nova auditoria aos contratos que estão sob investigação das autoridades,e assim será sempre que haja dúvidas por parte da justiça. Neste mandato tivemos as melhores práticas de compliance e aplicámos as indicações da FIFA para garantir total transparência”, assegurou Rui Costa, antes de fazer o “contra ataque”.

“Tenho assistido em silêncio a muitos ataques ao longo das últimas semanas, sobretudo nos últimos dias, mas é aqui diante dos sócios, diante de vós, diante da família benfiquista, que quero esclarecer tudo o que está a acontecer no clube e deixar claro o rumo para o futuro. Podemos discutir política desportiva, podemos criticar e debater a estratégia do clube, podemos discutir a minha liderança mas não posso admitir que coloquem em causa a seriedade e o carácter de quem aqui está”, apontou, numa parte do discurso citada pelo jornal Record. “Tem sido um cavalo de batalha desta Direção estancar o crescimento anual dos Fornecimentos de Serviços Externos e garantir total prioridade à componente desportiva. Não há nenhum contrato que não tenha sido revisto e examinado em detalhe ao longo dos últimos três anos. Não contem comigo para aqui lavar roupa suja, não faz parte da história do Benfica, nem do meu caráter”, destacou.

O caso de Benny, a resposta a Luís Mendes e o Orçamento aprovado com menos de 50%

Quando os quase 80 sócios inscritos começaram a falar, tendo um tempo delimitado por Fernando Seara, o presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube, de quatro minutos (dizendo também que tiraria a palavra a quem se excedesse), a maior parte das intervenções iam no sentido de criticar Rui Costa mas sempre tendo algo mais na mira, da auditoria às ligações a Luís Filipe Vieira, da época do futebol a Roger Schmidt.

Foi questionado como era possível dizer-se que a SAD não tinha sido lesada perante os contratos que foram vistos tendo em conta todas as informações que foram saindo sobre jogadores que eram contratados pelo clube da Luz quase como entreposto, criticou-se o facto de ter sido um trabalho que durou largos meses a ser feito para ganhar resultados em vésperas de Assembleia Geral, aprofundou-se a análise às 208 páginas que foram apresentadas esta sexta-feira com uma questão em concreto a Rui Costa durante uma intervenção.

– Sabe em que posição joga o Bernardo Martins?
– Não…
– Boa, esse custou-nos 600 mil euros…

O associado falava de Benny, um jogador que o Benfica contratou ao Leixões por 600 mil euros por 75% do passes mas que pouco depois tinha parte dos direitos económicos a serem cedidos ao P. Ferreira sem que se percebesse ao certo o porquê da operação e da própria aposta. Os ânimos iam aquecendo de quando em vez nas bancadas, havendo relatos de momentos de maior tensão com agarrões entre associados que não foram passando disso, até que Noronha Lopes voltou a tomar a palavra para novo discurso mais “institucional”.

“Que orgulho em pertencer a este clube. Senhor presidente, por diversas vezes reafirmou a importância de ter um Benfica unido. Estamos de acordo mas nunca podemos confundir união com unanimismo. Hoje temos de ser consequentes. Apresentar um relatório de auditoria forense com 200 páginas a 24 horas desta Assembleia não é profissional, nem unificador. As conclusões desta auditoria devem suscitar preocupação. Já aqui foi dito: dezenas de contratações sem validação do departamento de scouting, muitas comissões pagas acima do valor de mercado e inúmeros contratos com desconhecimento dos beneficiários finais do mesmo. É legítimo perguntar, perante tantas situações, que no mínimo são duvidosas ou suspeitas, o que fizeram os atuais membros da Direção que integraram antigas direções? Não estranharam? Não perguntaram? Como reagiram e o que sugeriram? Como é que isto foi possível?”, prosseguiu.

“As conclusões desta auditoria não podem ser o fim da história. Exigem-se explicações e espera-se que face à gravidade dos factos futuras auditorias não se resumam a incidir sobre investigações em curso pelo Ministério Público. A união não se proclama. A união constrói-se. Como pedir união se não conseguimos que os próprios órgãos sociais estejam unidos? Como pedir união, sem que saiam notícias todos os dias que não visam mais do que promover a divisão e o sectarismo? Como pedir união se até hoje continuamos sem saber a relação do clube com fornecedores, que fornecedores são, como foram escolhidos e quanto gastamos com cada um deles? O Benfica estará mais unido quando existir transparência, frontalidade, valores éticos e morais inatacáveis, um projeto transformador, uma equipa que lance o Benfica para um novo ciclo de crescimento, uma liderança exemplar que se mostra pela ação”, acrescentou. Com centenas de adeptos de pé a bater palmas, ouviu-se o cântico “Nós só queremos Noronha a presidente” antes de uma interrupção.

Rui Costa voltaria de novo ao palco para responder a questões colocadas pelos associados, fazendo algumas interrupções quando o burburinho era maior e quando era travado pelos cânticos das bancadas. “Quem não deve não teme e por isso pus a auditoria cá fora”, atirou, antes de se lançar também contra… Luís Mendes.

Entrou em choque em várias matérias. Uma das quais, por exemplo, e é pública, tem a ver com a política desportiva das modalidades amadoras. E sabem quantas vezes ele esteve no pavilhão no início do mandato e há quanto tempo não ia ao pavilhão? Não há desunião nesta Direção, toda a Direção está aqui presente, a dar a cara, ao contrário de um dirigente que saiu há três dias. Terá todo o direito à palavra e de vos explicar o porquê de ter saído do Benfica. Não havia nenhum indício de que ele iria sair, que não estaria aqui hoje depois de ter elaborado o orçamento”, apontou Rui Costa a certa altura do discurso.

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O presidente dos encarnados falou depois de vários temas. De João Neves, das críticas à comunicação até à boleia do que disse Otamendi, de contratações sem resultados desportivos, do departamento de scouting, do investimento que será feito no futebol mas também nas modalidades. Conforme sempre disse, e mesmo num ambiente que não estava favorável, tentou dar a cara perante todas as acusações que iam sendo feitas e que mais tarde chegariam de outra cara conhecida no universo benfiquista, o jurista João Diogo Manteigas.

“A política desportiva aplicada no ano passado foi a mesma que nos levou a ser campeões há dois anos, não mudou rigorosamente nada. Conseguimos ser mais assertivos no primeiro do que no segundo ano. Tentámos diminuir a quantidade de jogadores que tínhamos e concentrar todo o nosso valor económico naquilo que são jogadores para jogar no Benfica. Faremos investimentos para o futuro, como fizemos com o Schjelderup e agora com o Prestianni. Quando acreditamos num valor jovem esta é a única forma de os podermos garantir, sabendo que muitas das vezes não estão prontos para chegar e jogar. Mas são jogadores de mais-valia futura, é isso que esperamos deles. Não vamos acertar em todos mas passa muito por isto aquilo que temos feito nestes dois últimos anos para dotar a equipa dos melhores jogadores”, apontou aí Rui Costa, que mais tarde ouviria mais um pedido de demissão para Fernando Tavares, que é arguido na “Operação Lex”, e um esclarecimento não só do vice como de Fonseca Santos, líder do Conselho Fiscal e Disciplinar das águias, sobre um episódio de “choque” com Luís Mendes que tinha sido noticiado pelo jornal Record.

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Já com os tempos de intervenção mais curtos a rondar os dois minutos, e com esse episódio de um sócio que foi retirado pelos seguranças por ter passado esse limite e recusar-se a terminar o discurso, foram conhecidos os resultados da votação que foi sendo feita durante a reunião magna, com o Orçamento a passar quase no limite com um total de 47,61% de votos a favor (equivalente a 21.255 votos) e 43,2% contra (19.882), além de 9,19% de abstenções (4.101). E essa foi a melhor notícia para a Direção liderada por Rui Costa, que iria ganhar mais um problema caso não fosse aceite (levaria a que tivesse de ser marcada nova Assembleia).

Quanto tudo apontava para que Rui Costa iria deixar a Assembleia Geral, o presidente dos encarnados voltou atrás e falou de novo, neste caso visivelmente mais agitado com o ambiente que se vivia e com as críticas que ia ouvindo. “Falaram o dia todo de processos e muitos desses processos foram derivados ao facto de colocar a auditoria a circular. Se eu não tivesse apresentado a auditoria, iriam perguntar-me por ela. A auditoria foi apresentada e falam dos processos. Podem julgar estas pessoas todas mas quando foi a última eleição, sabíamos que todos os processos que tínhamos para trás, tínhamos de resolver nesta Direção. Sabíamos que tínhamos este fardo pela frente. Isso é sabido. Não estamos a falar de coisas que nasceram hoje. Toda a tarde a falar de processos… Cheguei a ouvir aqui que continuamos com buscas mas em três anos de mandato não houve nenhuma busca”, referiu, citado pelo Record, antes mais assobios pela intervenção.

No dia em que deveria apenas discutir questões do presente, entre a revisão dos Estatutos e o Orçamento para a nova temporada, as várias horas de Assembleia Geral colocaram o Benfica sobretudo a discutir várias coisas que foram acontecendo no passado e quase a preparar aquilo que será um futuro com eleições já no próximo ano. É certo que, desde manhã, foi possível perceber que havia alguma organização entre sócios para marcar presença e questionar Rui Costa por variados temas, sendo certo que o capital de quase 85% que votaram no último sufrágio parece ter sido reduzido com o tempo e a própria reação às duas intervenções de João Noronha Lopes mostrou que voltou a existir uma vontade de mudança. Com quem e até que ponto, só mesmo o tempo poderá dizer. No entanto, e depois deste sábado, as coisas serão diferentes na Luz.