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"A Mesa de Café": porque é que este é um dos grandes fenómenos do cinema de terror dos últimos anos?

Este artigo tem mais de 6 meses

É um filme de 2022, ganhou reconhecimento em 2023 e agora está entre nós, na FilmIn. Stephen King é um dos grandes fãs deste humor tenebroso. O realizador Caye Casas explica-nos de onde vem tudo isto.

"A Mesa de Café" foi a produção de terror mais premiada em festivais em 2023, Stephen King não resistiu ao burburinho nas redes sociais e pediu ao realizador para ver
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"A Mesa de Café" foi a produção de terror mais premiada em festivais em 2023, Stephen King não resistiu ao burburinho nas redes sociais e pediu ao realizador para ver

"A Mesa de Café" foi a produção de terror mais premiada em festivais em 2023, Stephen King não resistiu ao burburinho nas redes sociais e pediu ao realizador para ver

Não é preciso avançar muito na história de A Mesa de Café para encontrar um daqueles momentos que pode fazer alguém sair da sala de cinema ou — como por cá a estreia acontece na plataforma de streaming FilmIn — carregar de imediato no stop. Como o realizador Caye Casas diz na conversa que tivemos com ele no início desta semana: quem sair ou parar não saberá como tudo acaba. Isso é óbvio, claro, há aqui algo mais: quem desistir do filme, perde o que realmente custa, que é ser cúmplice do protagonista. Só ele, Jesus (David Pareja), e nós sabemos o que se passou. A pergunta persiste e insiste na nossa cabeça de muitos dias após ver A Mesa de Café: o que faríamos naquela situação?

Mas afinal o que é que acontece? Bom, não podemos revelar. Mas podemos dizer que tudo começa com um casal, Jesus e Maria (Estefanía de los Santos), à procura de mobília para a casa, que agora tem um terceiro elemento, um recém-nascido. Jesus está apaixonado por uma mesa de café, design sueco, mas feita na China, “porque agora é tudo assim”, diz o vendedor. O mesmo que também insiste numa série de particularidades da peça, mas uma coisa é muito evidente: a mesa é mesmo muito feia. Maria sabe, Jesus também, mas Jesus está empolgado com aquela ideia de fazer qualquer coisa, qualquer coisa que o distraia da recente responsabilidade que tem: ser pai.

A mesa, naquele momento, é o centro do mundo. Uma mesa feia que, perceber-se-á pouco depois, nem tem grande lugar em casa. Jesus tanto insiste – ele que diz que a mulher nunca o deixa escolher nada – que acaba por fazer a compra. Mas a mesa — e um incidente relacionado com a tal peça de mobiliário — gera um caos trágico e demasiado desconfrtável para o podermos revelar nestas linhas. Aliás: o mistério é uma das chaves do sucesso deste filme.

O filme tornou-se um fenómeno. Foi a produção de terror mais premiada em festivais em 2023, Stephen King não resistiu ao burburinho nas redes sociais e pediu ao realizador para ver. Ficou impressionado e fez um tweet que ficou viral que resume bem a coisa: A Mesa de Café é o sonho mais negro dos Irmãos Coen.

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De facto, há muito de Coen neste filme de Caye Casas, seja o humor obscuro ou o modo como mistura géneros cinematográficos sem artifícios e com um grande sentido de independência. Ao longo da entrevista, o realizador reforça a ideia de que se o filme não fosse 100% independente, nada disto teria acontecido. Não é marketing, é difícil imaginar alguém dar luz verde a A Mesa de Café porque a própria ideia de existir é aterrorizante. Digamos que contar o que faz acontecer o filme tira toda a vontade de o ver. Mas uma vez lá, queremos saber para onde vai. Não é perversão, é humano, porque a pergunta que o filme lança – que fazer num momento daqueles? — é uma que ninguém quer responder.

[o trailer de “A Mesa de Café”:]

Inevitável começar por aqui: tem filhos?
Não tenho nem tenho intenção de…

Isso explica muita coisa…
Sim, exato!

Como teve a ideia para A Mesa de Café?
Estava a falar com a Cristina Borobia [co-argumentista] e surgiu a pergunta: o que nos dá medo? O que nos perturba? Gostamos muito de cinema de género, mas não temos medo de monstros, de zombies. O que nos dá medo é o que pode acontecer na vida se tivermos azar ou se o destino for cruel. Da resposta nasceu A Mesa de Café.

Procurou evitar os vícios do género?
Não queríamos fazer o típico filme de terror, mas queríamos que fosse muito aterrorizante e perturbador. E que fosse inolvidável, queria que fosse inesquecível para as pessoas que gostam e as que não gostam.

Desde que vi o filme, penso nesta pergunta: o que faria se aquilo me acontecesse?
É uma película que não é para toda a gente, isso é claro. Para quem tenha filhos, imagino que seja mais difícil. Mas também pode ver de forma positiva, quando acaba pode pensar no carpe diem, viver a vida, ninguém sabe em que momento a vida te vai dar um murro no estômago, mudar tudo e forçar a descobrir o real inferno. Digo sempre que o inferno existe, mas não é com o fogo e o diabo, é aquilo que se vives se se tiver um azar e a vida se tornar cruel. É isso que o filme explica: “vamos viver a vida ao máximo, porque num momento de azar tudo se pode virar.

Associar carpe diem a este filme tem um travozinho de humor negro.
Gosto de humor negro e sou muito assim. E gosto de usar os meus filmes, porque acho que a vida tem muito humor negro, até na tragédia. Vejo sempre uma grande tragédia com humor negro. É humano, mesmo nos momentos mais trágicos, como um funeral, surge humor negro, é inesperado. Queríamos combinar géneros tão contraditórios como a tragédia e o humor negro.

"Ser independente tem uma série de problemas, exceto uma coisa: a liberdade. E eu tenho 100% de liberdade. Nos meus filmes não há censura nem autocensura"

A base de filme é o terror. O humor já existia no argumento?
No argumento isso já existia, mas sei que cada pessoa sente o filme de forma diferente. Tenho ido a muitas projeções, em países diferentes, e algumas pessoas riem-se em determinados momentos e outras pessoas estão com a mão na cara, odiando a pessoa que ri ao lado. Ou mesmo odiando-se a si mesmo por rir, porque é incómodo pensar que se está a rir num momento tão trágico. Eu gosto disso. Houve um crítico na Holanda que disse que, mais do que um filme, era uma experiência, porque há uma quantidade de sentimentos que passam por ti ao ver A Mesa de Café.

E más reações?
Já vi projeções em mais de quinze países e quando o filme acaba a reação é semelhante: caras de choque. Mas há diferenças culturais, na Estónia, em Tallin, o público era mais frio durante a projeção. No México, durante a projeção, o público percebeu onde eu estava sentado e insultava-me a dizer coisas como “passaste-te, cabrão”, “estás louco!”, mas riam-se, insultavam-me com humor. Isto foi no Macabro [festival de terror na Cidade do México] e, no final, ganhámos o Prémio do Público. As pessoas que me insultaram votaram no filme. E riam-se muito… o humor negro funcionou lá.

Há pessoas que saem da sala naquele momento?
Sai sempre gente quando aquilo acontece. Há pessoas que não aguentam e saem. E leio nos comentários nas redes sociais que muita gente pensa em fazê-lo ou faz.

O pior, para mim, nem é aquele momento, mas como gere a tensão nos minutos seguintes. Não teve problemas em mostrar isso?
Não… o filme é duro, mas as sequências mais difíceis e trágicas procurámos mostrar fora de plano. Tanto esse momento, como a sequência final, acontecem fora de plano. Quero que o espectador imagine esses momentos. Não queria mostrar explicitamente, quero que o espectador imagine o que está a acontecer ou aconteceu. Isso era um dos pontos principais. Outro era que só o espectador e o protagonista sabem o que se passou. Isso faz com que o espectador se identifique mais com o sentimento do protagonista. Por isso é que o público é tão ativo durante o filme: pela imaginação e a informação que tem. Isso cria uma intensidade grande… porque sabem que vai acabar mal, não sabem é como e quando.

O espectador também é cúmplice do protagonista.
Sim. E sabe tudo o que aconteceu… mas não sabe como vai acabar e quer saber. Quem abandona o filme não sabe como acabará.

É uma produção com poucos recursos. Gosta de trabalhar com esses limites?
Escrevi a pensar que teria poucos recursos. Filmou-se em dez dias em casa de uma amiga minha. Foi tudo muito low cost. Ao escrever o argumento, sabíamos que, se algum dia fizéssemos o filme, só poderia acontecer com poucos recursos: poucos cenários, atores e uma equipa técnica pequena. É um filme 100% independente, muito graças à minha amiga que me emprestou a casa. Sem isso não teria sido 100% independente.

"O público é muito ativo durante o filme: pela imaginação e a informação que tem. Isso cria uma intensidade grande… porque sabem que vai acabar mal, não sabem é como e quando"

O que ganha com essa independência?
Ser independente tem uma série de problemas, exceto uma coisa: a liberdade. E eu tenho 100% de liberdade. Nos meus filmes não há censura nem autocensura. E isso nota-se. Apesar dos poucos recursos, o poder de ter 100% de liberdade, como autor, realizador, posso fazer o que me apetece. E isso torna-nos superiores aos projetos da indústria, de outras plataformas, porque têm limites na liberdade, que o cinema independente não tem.

Volta e meia, há grandes filmes de terror espanhóis feitos com poucos recursos. O que explica isso?
Nas viagens que fiz por causa do filme, percebi que o cinema de terror espanhol é muito bem visto. É reconhecido. Diziam-me sempre que os espanhóis têm cabeça para gerar terror ou filmes de terror diferente dos outros países. Não faço ideia… deve ser por sermos um país em que estamos sempre loucos, é um país complexo, há uma metade do país que odeia a outra metade, em termos políticos… em Espanha faz-se muito filme de terror, é verdade, e é destacado a nível internacional.

E de onde sai um filme assim.
Sim, muita gente de outros países diz-me que naquele país não se poderia filmar A Mesa de Café. Mas até em Espanha, dentro da indústria, não poderia acontecer. Este filme aconteceu porque é 100% independente. Houve um distribuidor muito importante em Espanha que depois de o ver disse-me que o filme que não deveria existir.

O Stephen King foi muito elogioso. Como é que isso aconteceu?
O filme estreou em algumas salas no Estados Unidos e começou a haver um boom nas redes sociais, no TikTok, com muitas opiniões. O Mick Garris viu e disse que era o filme de terror favorito do ano. Como ele e o Stephen King são amigos, o Stephen perguntou-lhe como poderia ver este “filme de que toda a gente estava a falar”. O Mick mandou-me uma mensagem pelo Facebook a pedir-me um link para mandar ao Stephen King. Nesse mesmo dia, ele manda-me um mail a dizer que é “fucking incredible”, que era um filme muito selvagem. Agradeci e pouco tempo depois ele fez aquele tweet que se tornou viral. E mudou o filme para sempre, e já era o filme de género mais premiado de 2023.

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