Julian Assange, o fundador da WikiLeaks, foi libertado da prisão britânica onde estava detido. A informação foi avançada pela própria organização que fundou, a WikiLeaks, que publicou um vídeo do ativista de 52 anos a embarcar num avião que partiu de Londres nesta segunda-feira com destino às Ilhas Marianas sendo esperado esta quarta-feira na Austrália.

A libertação de Julian Assange acontece após a notícia de que este se vai declarar culpado de ter violado a lei de espionagem dos EUA. Ao fazê-lo, consegue também um acordo com o Departamento de Justiça dos EUA que evita com que seja detido pelas autoridades norte-americanas e lhe permite voltar ao seu país, a Austrália, avança o The Guardian.

O ativista “resolveu os problemas com os EUA”, disse já esta manhã de terça-feira, Francisco Pereira Coutinho, especialista em direito internacional, à Rádio Observador.

“Julian Assange resolveu os problemas com os EUA”

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Segundo documentos judiciais, Assange terá aceitado declarar-se culpado de uma única acusação: conspiração para obter e divulgar documentos confidenciais da defesa dos EUA. De acordo com a CNN, segundo o novo acordo, os procuradores norte-americanos irão pedir agora uma pena de 62 meses – o período que Assange passou numa prisão de máxima segurança em Londres enquanto tentava travar a extradição para os EUA. O acordo judicial inclui o tempo que já passou detido, o que lhe permitirá regressar  à Austrália, o seu país natal. Mas antes deve comparecer, na quarta-feira, num tribunal federal das Ilhas Marianas, um território norte-americano no Oceano Pacífico.

“Julian Assange está livre. Deixou a prisão de segurança máxima de Belmarsh na manhã de 24 de junho, depois de lá ter passado 1.901 dias. O Supremo Tribunal, em Londres permitiu que saísse da prisão sob fiança e foi libertado no aeroporto de Stansted durante a tarde, onde embarcou num avião e partiu do Reino Unido”, disse o WikiLeaks em comunicado já na madrugada desta terça-feira. A seguir pode-se ver o vídeo de uma carrinha preta onde supostamente viajava Assange e depois o próprio a embarcar.

A meio da manhã desta terça-feira o WikiLeaks publicou uma fotografia do seu fundador já dentro do avião, a olhar pela janela quando se aproximava de Banguecoque, na Tailândia, onde aterrou.

Numa publicação no X na manhã desta terça-feira, o WikiLeaks disse que ele devia reunir-se com a sua família, na Austrália e a mulher de Assange pediu a todos os apoiantes que seguissem o voo, pois o ativista iria entrar no espaço aéreo dos Estados Unidos: “Precisamos de todos os olhos neste voo para o caso de alguma coisa correr mal”.

Stella Assange repetiu o apelo várias vezes na sua rede social, lembrando que Saipan, onde o marido vai ser ouvido pelo juiz, é território norte-americano.

Por outro lado, Stella fez um pedido urgente de donativos: o voo de Assange é privado e custou 520 mil dólares (485 mil euros). “A viagem de Julian para a liberdade tem um custo enorme: Julian tem uma dívida de 520.000 dólares que é obrigado a pagar ao governo australiano pelo voo charter VJ199. Não lhe foi permitido voar em companhias aéreas comerciais ou em rotas para Saipan e depois para a Austrália. Qualquer contribuição, grande ou pequena, é muito apreciada”, escreveu no X.

“Simplesmente eufórica, parece que não é real”

As reações à libertação de Assange não se fizeram esperar. A mulher disse-se esta terça-feira “eufórica” em declarações à BBC, tendo manifestado a sua alegria também no X, republicando o vídeo que o WikiLeaks partilhara de madrugada com o ativista a entrar no avião.

“É um turbilhão de emoções, estou simplesmente eufórica, francamente, é simplesmente incrível. Parece que não é real”, afirmou Stella Assange à estação britânica. A advogada revelou que a situação foi muito incerta e que não tinham a certeza de que iria mesmo acontecer até às últimas 24 horas.

Isto apesar de há uma semana ter gravado um vídeo fora da prisão de Belmarsh onde afirmava acreditar que esta semana Assange seria libertado. “Este período das nossas vidas, estou confiante, chegou ao fim”, disse. E acrescentou: “O que começa agora, com a liberdade de Julian, é um novo capítulo”.

Esta terça-feira, ainda antes de falar com a BBC, onde contou como os “filhos nunca viram o pai fora da prisão”, publicava uma fotografia do telemóvel com uma chamada de Assange para Sidney a partir do aeroporto de Stansted.

Também o primeiro-ministro da Austrália sublinhou que o povo australiano quer o regresso de Assange ao país. “Não há nada a ganhar com a sua prisão e queremo-lo de volta à Austrália”, disse esta manhã de terça-feira, numa sessão de supervisão parlamentar em Camberra, Anthony Albanese.

O chefe do executivo repetiu numa declaração publicada na rede social X o que tinha dito um porta-voz do seu governo ainda antes de se saber da que o ativista tinha saído da prisão: “O caso de Assange arrastou-se por demasiado tempo e não há nada a ganhar com a sua contínua detenção”.

A satisfação pela saída de Assange da prisão é também manifestada por chefes de Estado e líderes políticos de esquerda, adianta a agência Lusa. Chega, sobretudo, da América Latina. “Congratulo-me com a libertação de Julian Assange da prisão. Pelo menos, neste caso, a Estátua da Liberdade não é um símbolo vazio; está viva e feliz”, reagiu o Presidente mexicano. Andrés Manuel López Obrador referia-se à sua declaração de fevereiro, quando sugeriu que os Estados Unidos “transferissem” a Estátua da Liberdade de Nova Iorque para o México, onde “há liberdade”, devido ao caso Assange.

“A longa e cruel punição imposta por suas denúncias de crimes vai permanecer na memória do povo como prova de quão pouco os carcereiros acreditam na liberdade de imprensa”, disse o Presidente cubano Miguel Díaz-Canel Bermúdez, enquanto Claudia Sheinbaum, Presidente do México e ex-chefe de governo da capital federal, recordou que em fevereiro entregou as chaves da cidade à família de Julian Assange.

Quem não ficou de fora deste coro de aplausos, foi o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que vê em Assange um “exemplo de coragem e bravura na batalha pela verdade”.

Também o Chefe de Estado da Colômbia, Gustavo Petro, sublinhou o papel do fundador do WikiLeaks na denúncia do “massacre de civis” no Iraque, tendo o antigo Presidente boliviano, Evo Morales, também se congratulado.

Do lado de cá do Atlântico chegou a voz do antigo líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn, que, numa mensagem concisa, sublinhou que “Julian Assange é livre” considerando que “expôs os crimes dos poderosos”.

Pequim não demorou a reagir: o trabalho de Assange permitiu ao mundo “conhecer melhor a verdade”.

“Quero dizer que as informações relevantes divulgadas pela (plataforma) WikiLeaks permitiram à comunidade internacional conhecer melhor os factos e a verdade”, disse a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, Mao Ning, em conferência de imprensa.

Mesmo assim, a porta-voz afirmou que, apesar de ter conhecimento de “informações relevantes” sobre a libertação de Assange, a diplomacia chinesa não faz comentários sobre a “situação específica”.

Uma longa batalha judicial

O fundador do Wikileaks esteve detido cinco anos e dois meses em Londres, desde 2019, depois de ter vivido sete anos fechado na embaixada do Equador na capital britânica que lhe ofereceu refúgio para não ser extraditado para a Suécia, onde era acusado de violação.

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Os EUA, que o acusaram de 18 crimes de espionagem e de intrusão informática, tentavam a sua extradição para o julgarem pela divulgação no portal WikiLeaks de mais de 700 mil documentos secretos, que em 2010 e 2011 expuseram violações de direitos humanos cometidas pelo exército norte-americano no Iraque e no Afeganistão. Assange corria o risco de ser condenado a uma pena que podia ir até aos 175 anos de prisão ao abrigo da Lei de Espionagem de 1917.

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Depois de uma longa luta judicial, o Tribunal Superior de Londres autorizou, já este ano, em maio, Assange a recorrer da ordem de extradição do Reino Unido para os EUA.

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