Catorze anos depois de ter acusado Julian Assange de agressões sexuais, Anna Ardin diz estar estar “satisfeita” com a libertação do fundador da Wikileaks. “Não fiquei contente por ele ter sido preso porque foi pela razão errada”, explicou a mulher sueca numa entrevista à BBC publicada este sábado.
Ardin é uma de duas mulheres que acusaram Assange de abuso sexual em 2010, por ocasião de um seminário do partido político dos sociais democratas sueco, em Estocolmo. A sueca convidou Assange a ficar no seu apartamento, onde tiveram relações sexuais consensuais. Contudo, Ardin acusa Assange de ter, contra a sua vontade, retirado o preservativo – o que é, segundo a lei sueca, abuso sexual.
A segunda mulher, que nos documentos do tribunal aparece apenas com as iniciais SW, apresentou uma queixa por violação, acusando o australiano de a ter violado enquanto estava a dormir. Apesar das investigações judiciais terem sido iniciadas, os procuradores suecos acabaram por deixar cair ambas as acusações. Em 2015, encerraram o processo de Ardin, uma vez que o prazo da queixa tinha prescrito e em 2019, a de SW, pois consideraram que já tinha passado demasiado tempo desde a acusação para serem retiradas conclusões e posteriores condenações. À data, Assange já tinha sido preso no Reino Unido.
Agora, Anna Ardin diz que é tempo de perdoar e “deixar passar”, uma vez que Assange já não vai ser julgado pelos crimes sexuais. Independentemente das acusações ao seu caráter pessoal, diz admirar o seu trabalho enquanto jornalista e denunciante, referindo-se ao Wikileaks, a denúncia que tornou públicos milhares de documentos e imagens que comprovam que as forças armadas norte-americanas mataram centenas de civis iraquianos e afegãos em ataques não relatados.
“Temos o direito de saber sobre as guerras que são travadas em nosso nome. Estou sinceramente feliz por ele e pela sua família, por poderem estar juntos. O castigo que lhe foi aplicado foi muito desproporcionado”, defende Ardin na entrevista, dizendo que nunca quis que o seu trabalho fosse questionado devido ao seu caráter.
“Quero que ele seja visto como um tipo normal. É isso que os tipos normais fazem às vezes. Passam os limites das outras pessoas. Acho que temos o problema de termos de ter estes heróis que não têm defeitos… Não acho que os heróis existam fora dos contos de fadas”, argumenta. Critica ainda as pessoas que acham que criticar o líder de um movimento, o irá destruir, considerando que existem várias narrativas e ninguém tem só uma faceta. O movimento deve ser capaz de sobreviver a críticas ao seu líder, acrescenta Ardin.
Como acusações por agressão precipitaram a detenção por espionagem
Julian Assange sempre negou as acusações, acusando Ardin de estar envolvida com os serviços secretos norte-americanos, a CIA, numa tentativa de abafar e desacreditar as denúncias. Os Estados Unidos já tinham, à data, emitido mandados de captura internacionais contra Assange, pela publicação dos documentos sobre as operações no Médio Oriente.
We were warned to expect "dirty tricks". Now we have the first one: http://bit.ly/bv5ku9
— WikiLeaks (@wikileaks) August 21, 2010
Reminder: US intelligence planned to destroy WikiLeaks as far back as 2008 http://bit.ly/9UkJkN
— WikiLeaks (@wikileaks) August 22, 2010
Até hoje, os apoiantes de Assange acusam Ardin de estar envolvida com a CIA, numa operação para denegrir a imagem de Assange. Mas a denúncia da sueca, que se sentiu “a mulher mais odiada do mundo”, como a própria diz, fez mais do que denegrir: teve um impacto direto na detenção do australiano no Reino Unido.
Depois dos mandados de captura, Assange deslocou-se para o Reino Unido. Na Suécia era procurado pelas acusações de assédio sexual e o governo sueco nunca garantiu que não o iria extraditar para os Estados Unidos, onde temia enfrentar a pena de morte. Assange acabou por pedir asilo na embaixada do Equador, até à sua detenção em 2019.
Só ao fim de cinco anos numa prisão de alta segurança britânica, é que Julian Assange conseguiu um acordo com os EUA, que levou à sua libertação em junho.
Julian Assange foi libertado da prisão britânica e pode voltar à Austrália
Anna Ardin argumenta que a sua experiência não tem de ter sido traumática para merecer valorização, mas sublinha que o perdão e a transparência são o caminho, ação que justifica com a sua fé cristã.
Satisfeita com a libertação do fundador do Wikileaks e resignada que Assange, o seu agressor, nunca será condenado, Ardin diz que o australiano “deve refletir sobre o que fez”. Questionada pela BBC sobre o que diria a Assange, 14 anos depois, respondeu: “Ele tem de admitir a si próprio [que] não tinha o direito de fazer o que fez comigo, e também não tem esse direito em relação a outras mulheres”.