A atividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante o ano de 2023 foi “insuficiente” para fazer face às necessidades de saúde da população portuguesa, que continuam a crescer, conclui um relatório de avaliação divulgado esta quarta-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), que avaliou a evolução do desempenho do SNS no ano passado.

O relatório inclui dezenas de indicadores que permitem ter uma ideia de como funcionou o SNS no ano passado em termos de atividade assistencial, execução orçamental e dívidas a fornecedores — e faz também uma análise aos riscos e incertezas que se verificam. O CFP não tem mesmo dúvidas de que “o SNS enfrenta riscos e incertezas que condicionam o seu desempenho de curto e médio prazo, assim como a sua sustentabilidade futura”.

O documento elaborado pelo CFP nota que o número de utentes do SNS aumentou, em 2023, para um total de 10,6 milhões de inscritos. Dentro deste universo, 1,7 milhões, ou 16%, não têm médico de família. O que significa, diz o relatório, um aumento de 230 mil utentes nesta situação em relação a 2022.

Todavia, apesar de o número de utentes do SNS ter aumentado, a atividade assistencial (tanto nos cuidados primários como em ambiente hospitalar) não foi suficiente para dar resposta às necessidades crescentes da população portuguesa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No caso dos cuidados primários (isto é, dos centros de saúde), o número total de consultas médicas diminuiu pelo segundo ano consecutivo, nota o relatório. As consultas não presenciais caíram significativamente (-6,3%), pelo que o aumento residual (+0.8%) das consultas presenciais não foi suficiente para inverter esta tendência.

O sumário executivo do documento indica mesmo uma “redução da adequação do volume de consultas às necessidades dos utentes“, o que se traduz num “desvio significativo entre a atividade realizada e a que seria necessária para a satisfazer as necessidades da população”.

Já no caso dos hospitais, o número de consultas aumentou em 3,9% e o número de cirurgias subiu 7,7% em relação aos valores de 2022, o que “não foi suficiente para evitar o aumento expressivo do número de utentes em lista de espera para a primeira consulta em 2023” — o número de pessoas nesta situação subiu 46% em relação a 2022. Já o número de utentes inscritos em listas de espera para cirurgias subiu 13% face ao ano anterior.

A isto somam-se ainda os “diversos constrangimentos” registados nos serviços de urgência e internamento hospitalar. Por exemplo, só em 60% dos casos de urgência é que o tempo de triagem foi cumprido (uma queda de um ponto percentual em relação a 2022).

Também nos cuidados continuados, o SNS continua a correr atrás do prejuízo. O relatório diz mesmo que em 2023 o número de utentes assistidos na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados até foi maior (mais 1585 utentes do que no ano anterior), o que “não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados nesse ano“. É que, apesar do aumento do número de utentes assistidos, a rede chegou ao final do ano com um número de utentes em lista de espera superior ao do ano anterior. Há agora 1804 pessoas nessa situação.

Défice ficou abaixo do previsto, mas SNS depende quase exclusivamente do OE

O relatório do CFP faz também uma análise à realidade financeira dos cuidados de saúde em 2023, sublinhando que o SNS terminou o ano com um défice de 435,1 milhões de euros — o que representou uma melhoria de 631,5 milhões em relação ao ano anterior. Ou seja, um défice que foi menos de metade do que o do ano anterior. Esta melhoria, diz o documento, explica-se por um aumento da receita (em 1524 milhões de euros) que foi superior ao aumento da despesa (que subiu 892 milhões).

Ainda assim, “nos últimos anos, a despesa do SNS tem sistematicamente superado as receitas, sendo o défice desde logo assumido aquando da proposta do orçamento, de onde resulta um nível de receitas inferior à despesa”. Em 2023, o défice obtido ficou 62,4 milhões de euros abaixo do que tinha sido previsto no Orçamento.

No ano de 2023, o SNS teve uma receita total de 13,6 mil milhões de euros, dos quais 95,3% têm origem em transferências e subsídios correntes, ou seja, verbas com origem no Orçamento do Estado, o que pode representar um risco para o sistema. “Dada a baixa diversificação das fontes de receita, destaca-se, entre outras medidas, a importância de melhorar o processo de faturação de prestação de serviços, nomeadamente às entidades seguradoras, e a países terceiros, no âmbito das prestações de saúde realizadas a cidadãos estrangeiros”, recomenda o relatório.

Já a despesa do SNS em 2023 totalizou 14 mil milhões de euros, um aumento de 6,8% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, durante o ano passado o SNS teve uma diminuição de 387 milhões de euros nas dívidas a fornecedores externos, que totalizam agora 1,2 mil milhões de euros. É “a primeira redução após três anos de consecutivo aumento”.

“No entanto, os pagamentos em atraso aumentaram para 141 milhões de euros, um incremento de 122 milhões de euros face a 2022, o que reflete a deterioração financeira das EPE e a necessidade de uma melhor gestão e processos de pagamentos mais ágeis. Apesar de uma injeção de capital de 1,1 mil milhões de euros em 2023, maioritariamente destinada à cobertura de prejuízos, a dívida estrutural do SNS não foi significativamente reduzida. O prazo médio de pagamento diminuiu para 96 dias, mas apenas 26% das entidades do SNS conseguiram cumprir a obrigação legal de pagar até 60 dias”, diz ainda o relatório.

É justamente na vertente orçamental que o Conselho das Finanças Públicas identifica mais riscos e incertezas para o futuro do SNS.

“A baixa diversificação das fontes de financiamento do SNS, num contexto de crescimento da despesa pública em saúde e das crescentes necessidades de uma população envelhecida, pode gerar desafios significativos de sustentabilidade para o sistema”, lê-se no documento. “A dependência quase exclusiva de verbas do OE para o financiamento do SNS pode limitar a sua capacidade de resposta a crises emergentes ou a necessidades imprevistas.”

O CFP nota ainda que “o crescimento acentuado da despesa do SNS em áreas como os gastos com o pessoal e medicamentos hospitalares exige a maximização da eficiência e previsibilidade no uso dos recursos”.

“É essencial melhorar o planeamento dos recursos do SNS e reforçar os mecanismos de controlo e avaliação dos serviços e das equipas, promovendo uma gestão mais eficaz e a responsabilização de todos os envolvidos”, diz o documento, que recomenda ainda a “implementação dos instrumentos de gestão financeira pública”, a adoção de “medidas para antecipar a publicação das contas do SNS” e a garantia de “aproveitamento pleno dos fundos do Plano de Recuperaão e Resiliência” para “corrigir debilidades existentes e avançar com as reformas propostas”.