Foi há mais de meio século que o Algarve se tornou sinónimo de turismo. Mas as preocupações de sustentabilidade ambiental e social são hoje muito diferentes das que existiam nas décadas de 1960 e 1970, quando países como Portugal e Espanha descobriram o “milagre económico” do turismo de sol e mar. Por isso, uma das questões importantes que agora se coloca é: teremos chegado ao limite? Que tipo de turismo (e de turista) queremos para Portugal e, em particular, para o Algarve, de modo a mantermos a sustentabilidade ambiental e a identidade cultural?

Na sexta-feira, dia 28, a Rádio Observador lançou o debate numa emissão especial (inserida nas comemorações do décimo aniversário do Observador) a partir do Fortaleza de Santa Catarina, na Praia da Rocha, em Portimão.

A manhã começou com uma pergunta: Onde ficam os limites para a expansão do turismo? A questão foi lançada por José Manuel Fernandes e Helena Matos no programa Contra-Corrente. O sector é vital para a economia nacional (permitindo, por exemplo, uma recuperação mais rápida após a intervenção da Troika), mas no programa foram também abordados alguns pontos fracos, como a excessiva sazonalidade dos empregos (maior no Algarve do que em outros destinos, como Lisboa ou Madeira) ou o consumo excessivo de água. No debate em torno do tema participaram Hélder Martins, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, Alexandra Rodrigues Gonçalves, Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve e Anabela Santos, coordenadora da Via Algarviana, a rota pedestre que atravessa a região de Alcoutim ao Cabo de São Vicente.

A importância da formação dos profissionais que, no futuro, trabalharão nos vários ramos desta atividade foi destacada pela professora da Universidade do Algarve, que sublinhou ainda o facto de as formações da escola terem hoje uma taxa de empregabilidade na ordem dos 95%. Para isso contribui também, disse, “a adaptação da oferta formativa às mudanças dos tempos, com a introdução de novos cursos como Gastronomia e Inovação Alimentar”.

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Hélder Martins, por sua vez, considerou que importa valorizar cada vez mais as ofertas turísticas diversificadas, contrariando a ideia de que quem procura o Algarve para férias aspira apenas a sol e praia: “Seria interessante apostar no Turismo de Bem-Estar, no interior da região, que está completamente abandonado”. O presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve não esconde, no entanto, que o turismo tem hoje uma grande dificuldade em fixar mão-de-obra: “O Estado poderia facilitar a construção de casas de função, nesta atividade como noutras, que permitisse às pessoas fixarem-se sem preocupações de maior com o preço da habitação.” Mas lamenta o facto de “o Algarve não ter peso político para influenciar quem toma decisões”.

A emissão da tarde da dia 28 foi, justamente, marcada pela política. No programa Direto ao Assunto, estiveram a presidente cessante da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes (que, a partir de 1 de julho assume o lugar como deputada no Parlamento Europeu) e o vice-presidente da autarquia, Álvaro Bila, que lhe sucederá no cargo.

Isilda Gomes reconhece que “sai triste por não ter conseguido resolver o problema da habitação no concelho”. O seu sucessor afirmou, por seu turno, que dará prioridade “ao melhoramento das escolas existentes, uma vez que a população está a aumentar, com muita gente a procurar Portimão para viver.” Álvaro Bila propõe-se ainda investir no melhoramento de espaços públicos, como ciclovias e ecovias, mas também apostar na requalificação do património histórico, como a própria Fortaleza de Santa Catarina, onde esteve improvisado por um dia o estúdio da Rádio Observador.

A valorização dos espaços com história é um caminho de futuro para o turismo algarvio, como apontou, também na emissão da tarde, o presidente da Associação Turismo do Algarve, André Gomes. “Queremos diversificar a oferta. Está a crescer muito o Turismo de Natureza, mas também o turismo criativo e o turismo literário”, exemplos de programas aliciantes para os viajantes que gostem de aliar a prática desportiva às paisagens.

Menos sazonal é o turismo de golfe, que está a crescer de ano para ano na região, como salientou o presidente do Algarve Golfe: “A qualidade dos nossos campos (41 na atualidade) é reconhecida a nível mundial e está a atrair muitos apaixonados por este desporto em países como Espanha, Itália ou Estados Unidos, um mercado que nos procura cada vez mais.” José Matias defendeu ainda que, ao contrário do que muitas vezes é veiculado, os campos de golfe não têm de ser sorvedouros de água: “Quando têm qualidade, não o são. Utilizamos águas das ETAR e estamos realmente empenhados em evitar o desperdício.”

A racionalização de recursos foi ainda defendida pelo antigo Secretário de Estado do Ambiente e ex-presidente das câmaras municipais de Tavira e Faro, Macário Correia. O atual presidente da Associação de Regantes do Sotavento Algarvio não hesitou em considerar que “a racionalização da água no Algarve exige muitos investimentos e vontade política”. Com o efeito, o ex-político disse que “há municípios em que as pessoas pagam a água e a incompetência dos seus autarcas”. E acrescentou: “Não teríamos agricultura sem os trabalhadores imigrantes do Bangladesh, Índia, Nepal ou Paquistão”.

Outro antigo autarca, Mendes Bota, considerou que “o Algarve tem de parar para pensar. Veja-se o caso das Canárias onde as populações já se manifestam nas ruas contra os excessos do turismo e a inflação galopante que este impõe às suas vidas.” E acrescentou: “O problema é que as autarquias algarvias dependem demasiado dos impostos relacionados com o setor imobiliário. Por isso, facilitam a construção de mais e mais empreendimentos.” À semelhança do que pensa a presidente cessante da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, Mendes Bota acredita que ao Algarve falta sobretudo oferta para um turismo de tipologia mais elevada: “Erradamente, continuamos a insistir no turismo de massas.”

O tipo de turismo que consome água em excesso, a água de que o Algarve tem uma carência crónica. Para minorar os danos da seca, Luís Pedro Grilo, da Vodafone, deu conta de algumas soluções tecnológicas que minorem o desperdício da água. E para mostrar que, mesmo na praia, é possível apostar no turismo cultural, Tiago Castelo Branco falou ainda do festival Afro-Nation, que chegou ao fim na sexta-feira, depois de três dias de ritmos africanos aplaudidos por milhares de pessoas.

A política dominou o final da emissão em Portimão, com o Tira-Teimas dedicado ao Algarve. Participaram os deputados Cristovão Norte (PSD), Jamila Madeira (PS) e Pedro Pinto (Chega). Os dois primeiros consideraram a importância de a região diversificar a economia, não apenas em função do turismo, enquanto Pedro Pinto afirmou que “não podemos esquecer que este setor é a galinha de ovos de ouro do Algarve”. Mas, acredita o deputado do Chega, este enfrenta dois desafios: “Impedir uma excessiva sazonalidade, até porque o clima favorece a permanência de turistas mesmo durante o Inverno, e reforçar a segurança e combater a criminalidade que já se verifica em alguns locais”.

O grande desafio, para Cristóvão Norte, é “conseguir combinar as limitações hídricas que enfrentamos, sobretudo nos últimos dez anos, com o portfolio de atividades económicas, da agricultura ao turismo.” Jamila Madeira recordou, a este propósito, “a Estratégia de eficiência hídrica, criada em 2019, a que o atual Governo, e bem, decidiu dar continuidade”. Para a deputada do PS, importa também assegurar que a economia algarvia “não fique totalmente dependente do turismo. Nunca sabemos se um ano como 2000, com a pandemia, se pode repetir.”

Ricardo Conceição e Judite França distribuíram ainda as luzes no Semáforo Político. O subdiretor do Observador analisou o artigo de Cavaco Silva no Expresso, em que o ex-Presidente da Repúlica abordou a necessidade de Portugal dar um salto qualitativo na próxima década. Se, por um lado, a ideia de qualificar as vidas dos cidadãos mereceu um sinal verde, o mesmo não aconteceu com “a insistência na possibilidade de realizar eleições antecipadas ou na celebração do pacto de regime”, em que o sinal foi vermelho.

Judite França debruçou-se sobre os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa à entrevista da Ministra da Justiça, Rita Alarcão, ao Observador: “O Presidente da República, além de comentar, dizendo que não comenta, afirma que uma reforma na Justiça só deve avançar com propostas muito concretas porque caso contrário vai ser usada como arma de arremesso político.” E, conclui a editora do Observador, “ao fazer declarações como esta, Marcelo Rebelo de Sousa cria entropia no sistema”. Por isso o sinal foi vermelho.