O Ministério da Saúde prepara-se para avançar com o pagamento de um suplemento — que pode variar entre 40 e 70% do ordenado-base — aos médicos do SNS que aceitem fazer pelo menos mais 40 horas em serviço de urgência, para lá das 15o ou das 250 horas extraordinárias a que estão obrigados por lei. O suplemento será pago sempre que o médico atingir um bloco de mais 40 horas extra para além do limite legal, apurou o Observador junto dos sindicatos médicos.

O objetivo do diploma, que vai ser aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros, é reforçar as escalas das urgências hospitalares, num período crítico (o de verão) em que, tradicionalmente, os hospitais têm mais dificuldade em garantir os níveis de resposta urgentes à população.

A proposta da tutela, que foi transmitida aos dois sindicatos (a FNAM e o SIM), consiste na atribuição de suplemento fixo indexado ao salário base por cada bloco de 40 horas adicionais — e que acrescem ao trabalho extraordinário já previsto na lei (de 150 horas/ano ou 250/ano para os médicos em regime de dedicação plena).

Para o primeiro bloco de 40 horas extra está previsto um pagamento de 40% do salário-base; se o médico atingir as 80 horas extra para lá das obrigatórias, recebe 42,5% do salário; no patamar seguinte, das 120 horas, o suplemento atinge os 50%. Há ainda mais três níveis: se um médico completar quatro blocos de 40 horas extra (o correspondente a 160 horas), recebe um suplemento de 55% do ordenado; no caso de realizar 200 horas extra, o suplemento aumenta para 60%. Se realizar 240 ou mais horas extra (o equivalente a sete blocos de 40 horas), terá direito a um suplemento de 70% do ordenado. Esta compensação será paga sempre que os médicos atingirem cada um dos patamares, de forma cumulativa, confirma ao Observador a presidente da Federação Nacional dos Médicos, Joana Bordalo e Sá.

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Ministério da Saúde troca majoração do valor/hora por suplementos

O suplemento começará a ser pago já no mês de julho, mas apenas contam para os cálculos as horas extra realizadas (a somar às 150 ou 250 obrigatórias) depois da entrada em vigor do diploma, revelou ao Observador o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Nuno Rodrigues.

No entanto, tanto o líder do SIM como a presidente da FNAM alertam que, em contrapartida, as horas extraordinárias realizadas assim que é atingido o primeiro bloco de 40 horas deixarão de ser pagas de forma majorada aos médicos que fazem urgência. Ou seja, o Ministério da Saúde opta, desta forma, por trocar o valor/hora majorado ao trabalho extra por um suplemento a atribuir por blocos de trabalho suplementar realizados.

Médicos acusam Governo de querer pagar trabalho suplementar ao preço do trabalho normal

Recorde-se que, neste momento, os médicos que aceitem fazer horas extraordinárias recebem mais 25% a 150% do valor por hora relativamente ao pagamento padrão. No caso do trabalho diurno em dias úteis, a primeira hora é paga com um acréscimo de 25% e as horas seguintes com mais 50%. No caso do trabalho diurno aos sábados, domingos e feriados e do trabalho noturno em dias úteis, é paga uma majoração de 75% na primeira hora e de 100% nas seguintes. Já no que diz respeito ao trabalho noturno aos sábados, domingos e feriados, a majoração eleva-se aos 125% e 150% na primeira e seguintes horas, respetivamente.

Quando o diploma que o governo está a preparar entrar em vigor, esta majoração aplica-se apenas até às 190 horas extra (150 + 40) ou às 290 horas extra (250+40), no caso dos médicos em dedicação plena. Depois disso, e uma vez pago o primeiro suplemento, as horas passarão a ser pagas ao valor normal, de acordo com a posição que cada médico ocupa na carreira.

Sindicatos dizem que novo regime “não é atrativo” e temem “o caos” nos hospitais

Ao Observador, Nuno Rodrigues e Joana Bordalo e Sá lamentam a forma como o Ministério da Saúde apresentou o diploma aos respetivos sindicatos, com pouca margem para negociação e apresentando o novo regime como “consumado”. “Deveria ter sido uma negociação de apresentação. Foi-nos apresentado como um facto consumado. Não pretendiam acolher as nossas sugestões”, critica a presidente da FNAM.

Joana Bordalo e Sá considera que o regime “não é atrativo” e “não vai levar mais médicos às urgências”. “Isto é vender gato por lebre, vai ser anunciado como um incentivo ao trabalho extra. É perverso, é condenar os médicos à exaustão”, diz a médica oncologista. Segundo a líder da FNAM, a diferença em termos líquidos do regime a implementar em comparação com o atualmente existente para um médico no primeiro degrau da carreira (o de assistente) é “irrisória”, rondando os “50 euros” por um banco de trabalho noturno (ou seja, 12 horas) em dias úteis. No caso de um assistente graduado, a diferença é de pouco mais de 60 euros. Ainda assim, Joana Bordalo e Sá reconhece que, com o novo regime, os médicos ganham rendimento.

O líder do Sindicato Independente dos Médicos concorda que o regime não é atrativo e alerta para a complexidade do diploma. “Introduz alguma complexidade, o que a nosso ver é desnecessário. Vai ser difícil os médicos perceberem quanto vão ganhar a mais“, alerta Nuno Rodrigues. Para além disso, critica, o diploma não se aplica aos médicos que trabalham em unidades cuidados intermédios, unidades de cuidados intensivos, INEM e urgência interna.

Os responsáveis máximos pelos dois sindicatos dizem que a complexidade do diploma vai colocar dificuldade aos recursos humanos e antecipação a desresponsabilização da tutela. “Vai haver problemas e o Ministério da Saúde vai dizer que a culpa é das ULS [Unidades Locais de Saúde]”, alerta Nuno Rodrigues. Já Joana Bordalo e Sá antecipa que o regime “vai lançar o caos nos hospitais”.

Hospitais voltam a poder pagar mais 40% a médicos tarefeiros. Não há novo aumento do valor/hora

O Observador questionou o Ministério da Saúde acerca dos contornos do diploma, de acordo com a informação recolhida junto dos dois sindicatos médicos, mas não obteve resposta.

A somar a estes incentivos que estão prestes a ser aprovados para os chamados médicos do quadro, o novo governo já tinha autorizado os hospitais a contratarem, em maio, médicos prestadores de serviços por um valor/hora 40% superior ao que é pago aos médicos do quadro.