Com 38 anos e 14 livros publicados como ilustradora, em nove países, Mariana Rio — que já ganhou prémios e está indicada para um outro este ano — faz com Transparente uma primeira incursão na autoria textual, e o menos que se pode dizer é que se sai muito bem, mantendo a fasquia alta numa pequena narrativa que parece colher inspiração no motivo camoniano do amante que se torna na coisa amada e no fim da vida nela se dissolve, em transparência e complexidade.
O personagem desta história também se confunde com a sua autora, “explorador da imaginação” que gosta de “sonhar acordado” e de viajar pelos seus pensamentos, e que um dia encontra “uma floresta selvagem, repleta de vegetação” onde decide ficar, “pronto a descobrir uma nova vida”. Nesse pequeno mundo todo seu, constrói um “abrigo-laboratório” — que podemos ver como o ateliê dum ilustrador — “em que adorava passar o tempo” e donde parte, depois, “em busca de lugares perfeitos para [se] deitar a pensar”.
Título: “Transparente”
Texto e ilustrações: Mariana Rio
Editor: Livros Horizonte
Páginas: 40
É, portanto, através de “estudos de campo” e duma cada vez maior osmose com o habitat (“estudava, desenhava, tomava notas… Tentava entender a natureza e perceber as suas formas e ligações”) e através da criação fantasiosa de plantas, bichos e peixes, entre os quais caminha ou mergulha, que o sempre sorridente explorador “subitamente” se depara com um “ser misterioso” de «deslumbrante transparência” e nariz azul, que “se movia e transformava, originando outras formas na paisagem” — o que leio como as caprichosas formas criadas pelo lápis digital de Madalena Rio, com os seus modelos recorrentes e as suas variantes subtis.
“Fui envelhecendo [até aos cabelos grisalhos]. Os meus pensamentos tornavam-se cada vez mais complexos, e, a cada momento, imaginava melhor aquele lugar». Dá-se então — face a face, numa dupla página — o encontro desconcertante entre ambos, e é desse amplexo que — num jogo de espelhos, segundo me parece — também o protagonista “explorador da imaginação” se deixa “contagiar pelas cores da natureza, pelas emoções dos […] habitantes da floresta ou, simplesmente, pela atmosfera”, a ponto de também ele se tornar transparente, isto é, absolutamente dissolvido ou fundido no meio natural — ainda que imaginado — em que preferiu viver.
Para quem habitualmente preenche as suas tábuas-páginas com uma exuberante parafernália botânica, como aqui vimos a propósito de Chá nos Açores. Uma tarde na Gorreana, este Transparente afigura-se-me como um excelente auto-retrato oficinal de uma das talentosas ilustradoras de nova geração que está a qualificar a edição infanto juvenil portuguesa num patamar como há muito não havia igual.