“Foi um acordar muito violento”, confessa Mário Ruivo, o presidente do Clube Recreativo da Praia da Leirosa, de onde eram muitos dos tripulantes da “Virgem Dolorosa”, cujo naufrágio ao largo da Marinha Grande, na madrugada desta quarta-feira, causou três mortes e fez três desaparecidos. “Conheço praticamente todas as pessoas envolvidas no acidente”, lamenta.

A traineira “Virgem Dolorosa” estava registada na Póvoa de Varzim, mas operava entre a Praia da Vieira e S. Pedro de Moel, ao largo da Marinha Grande. A tripulação de 17 pessoas era maioritariamente do concelho da Figueira da Foz. A embarcação saiu do porto da Figueira da Foz quando passavam poucos minutos da meia-noite desta quarta-feira, com 15 portugueses e dois indonésios a bordo. A maioria dos tripulantes era da Praia da Leirosa, na freguesia de Marinha das Ondas, e Buarcos, na freguesia de Buarcos e São Julião.

A linha temporal traçada por José Sousa Luís, o porta-voz da Autoridade Marítima Nacional, é a de que o alerta foi dado “às 4h33 da manhã, através de um contacto telefónico de uma embarcação de pesca”. O naufrágio aconteceu a “cerca de uma milha náutica da costa, o equivalente a 1.852 metros entre a Praia da Vieira e S. Pedro de Moel”, explicou, em declarações aos jornalistas ainda durante a manhã, na Praia do Samouco.

Virgem Dolorosa, embarcação naufrágio Praia da Vieira e S. Pedro de Moel, 3 de julho de 2024

A informação sobre a traineira “Virgem Dolorosa” no site VesselFinder. A vermelho estão os meios envolvidos nas buscas

Foi ativada uma embarcação salva-vidas da Nazaré, “que se deslocou imediatamente para o local”, mas foram “quatro embarcações de pesca” que estavam naquela zona que fizeram a recolha de 12 pessoas, explicou o porta-voz. No entanto, uma das pessoas não resistiu e morreu já após o resgate. Quando o salva-vidas da Nazaré chegou ao local do acidente, “recolheu mais duas pessoas que estavam dentro de uma embarcação auxiliar e que já se encontravam mortas, infelizmente”, detalhou o porta-voz da Autoridade Marítima Nacional. Os corpos foram recolhidos para o porto da Nazaré.

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Três mortos e três desaparecidos em naufrágio de barco de pesca ao largo da Praia da Vieira

A traineira não afundou. Ficou a “flutuar, mas está virada, com redes à volta”, detalhou o porta-voz da Autoridade Marítima. Os mergulhadores do grupo forense estiveram no local, mas não conseguiram entrar na embarcação devido às “condições oceanográficas”. De qualquer forma, não terá sido a ondulação a estar na origem do naufrágio. “À partida, esta ondulação que estamos aqui a sentir não é suficiente para a embarcação ter naufragado.” As autoridades também rejeitaram que existisse “excesso de pessoas a bordo”, garantindo que “não estavam condições adversas” à navegação.

As causas do naufrágio vão ser apuradas em inquérito, um procedimento habitual quando há um acidente deste género. Por agora, as autoridades concentram os esforços em encontrar as três pessoas desaparecidas. Desde a manhã que estão a ser usados meios no ar e no mar – um helicóptero da Força Aérea e um drone da Polícia Militar de Nazaré envolvido nas buscas.

Dos 11 pescadores resgatados, apenas três estão em observação no Hospital Distrital da Figueira da Foz por problemas do foro respiratório. O ferido mais grave, de 57 anos, foi transportado para o hospital de Coimbra, para a unidade de Cuidados Intensivos dos Hospitais da Universidade de Coimbra por problemas respiratórios.

Uma traineira “já com alguma dimensão” e muitas “relações familiares” entre tripulantes

O armador António Lé, que também é presidente da Cooperativa de Produtores de Peixe do Centro Litoral, foi um dos primeiros a prestar declarações. À agência Lusa, disse que “nada justifica o que aconteceu”.

Contactado pelo Observador, contextualiza que o “Virgem Dolorosa” era uma “embarcação de nova geração, com aço, com tudo o que é necessário e os requisitos obrigatórios de segurança, com uma tripulação experiente”. Evita fazer suposições sobre o que terá estado na origem do naufrágio, frisando que a prioridade “é receber a informação de que [os tripulantes desaparecidos] foram encontrados com vida”. “Podem ainda estar ‘na bolha’”, explica. “Como o barco está virado ao contrário, pode ter uma caixa de ar”, equaciona.

Aurélio Ferreira, o presidente da Câmara da Marinha Grande, esteve perto do local do naufrágio desde as oito da manhã. Relata que, da informação apurada, os “outros barcos perceberam que [“Virgem Dolorosa”] não tinha sinal” e entraram em ação para resgatar os companheiros de faina. Também este autarca destaca a embarcação “já com alguma dimensão, com 24 metros de comprimento e seis de largura” que era o “Virgem Dolorosa”.

Agentes da Polícia Marítima participam nos trabalhos de resgate da embarcação de pesca que virou ao largo das praias de São Pedro do Moel e de Vieira, causando a morte a três pessoas e sete estão desaparecidas, na praia do Samouco, Marinha Grande, 03 de julho de 2024. Oito pessoas foram resgatadas e transportadas para o Porto da Figueira da Foz. CARLOS BARROSO/LUSA

Na Praia da Leirosa, de onde eram naturais muitos dos tripulantes, o dia foi de consternação. José Alberto Suzana, o presidente da Junta de Freguesia de Marinha das Ondas, explica ao Observador que “conhecia” muitos dos tripulantes. A Marinha das Ondas “sempre foi uma terra de pescadores”, diz. “Ninguém está preparado para isto, mas de vez em quando acontece uma tragédia destas”, lamenta.

Enquanto autarca, refere que tem estado a acompanhar a situação e que “já esteve em casa” de familiares de membros da tripulação. Por agora, explica que o município da Figueira da Foz “está a fazer um trabalho de acompanhamento psicológico” aos sobreviventes e aos familiares da tripulação.

Mário Ruivo, o presidente do Clube Recreativo da Praia da Leirosa, acrescenta que a embarcação era nova, “deveria ter para aí dois anos, três”. Destaca a experiência da tripulação. “O Marco [mestre da tripulação], apesar de ser um rapaz na casa dos 40 anos, tem muitos anos de mar e é mestre há uns anos valentes”, assegura. “É malta muito experiente e com muitos anos de mar”, explica ao Observador.

Vários contactos falam em relações familiares entre os membros da tripulação. “A base daquela traineira estava numa família”, explica o presidente do Clube da Praia da Leirosa.

Também Rosa Baptista, a presidente da Junta de Buarcos e São Julião, fala em membros da tripulação que eram da mesma família. “Há pais, filhos, sobrinhos, primos, essencialmente da zona da Leirosa, que é uma comunidade piscatória que tem muita gente no ativo”, explica. “Na minha freguesia há menos” pessoas dedicadas à pesca, contextualiza a autarca. Ainda assim, José Garcia e Jorge Evangelista, duas das três pessoas que morreram no naufrágio, residiam na freguesia.

José Garcia, tinha 52 anos, explica a autarca, que já teve oportunidade de falar com a família. “Era muito experiente, já andava neste armador há mais de dez anos. Pelo que sei, não tem a ver com a experiência dos acidentados, mas sim com uma inclinação da embarcação, provocada não se sabe ainda pelo quê”, relata. “Terão caído ao mar ainda antes de a embarcação se ter virado.”

Rosa Baptista fala num “dia difícil”, depois de ter estado com algumas das famílias dos tripulantes também no hospital. “São dias muito complicados para gerir emoções e tentar manter algum sangue frio neste apoio”, nota. “As próprias famílias estão muito confusas, muito baralhadas.”

A terceira vítima mortal do naufrágio é Joel Reboca, de Lavos. A Junta de Freguesia não faz uma comunicação oficial sobre o naufrágio, mas nota que, “pelos comentários das pessoas – um tripulante era da freguesia”. Na Casa do Povo de Lavos, uma coletividade nas Regalheiras de Lavos, a alguns quilómetros da Praia da Leirosa, o naufrágio é um inevitável tema de conversa. “A Casa está aberta e é um assunto de que se fala e há especulações”, é relatado ao Observador. Mas, por agora, evitam-se mais comentários.