Pode uma final antecipada chegar logo nos quartos? Em condições normais, não. No entanto, esta foi outra das nuances que este Campeonato da Europa trouxe: cumprindo o trajeto normal e confirmando aquele que era o seu favoritismo, Alemanha e Espanha cruzavam antes das meias-finais com apenas uma vaga para lutar pelo título que muitos anteviam no final da fase de grupos. Havia um lado “mau” e um lado “bom” do quadro, havia um jogo acima de todos os outros no lado “mau” em Estugarda, havia um duelo marcado entre a equipa anfitriã a tentar ainda resgatar a sua verdadeira identidade contra a melhor equipa forasteira a lutar por uma consolidação na nova identidade. Entre tantos artistas em campo, era um jogo com muito de técnico.

Espanha-Alemanha. Nagelsmann aposta em Füllkrug (1-0, 73′)

“É um dos jogos mais importantes da minha carreira. Se perdermos, vamos para casa. É melhor preparar jogos assim, está tudo pronto. É a melhor maneira de as coisas correrem bem. É mais fácil jogar contra uma equipa que quer ter posse como a Espanha se mantivermos a bola. Vai haver de tudo neste jogo. Podemos passar mas também podemos ser eliminados. Se perguntarem ao Luis de la Fuente, ele vai dizer o mesmo. A Espanha tenta sempre pressionar alto com e sem bola, faz boas transições e é mais vertical que no passado. Temos de procurar soluções e vamos encontrá-las”, garantira Julian Nagelsmann, que agarrou numa equipa que estava “de rastos” com uma série de maus resultados, encontrou uma base assente no regresso de Kroos e juntou ao regresso da solidez defensiva uma frescura de ideias no processo ofensivo mais móvel.

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“Acredito que é um jogo 50/50. Uma das forças da nossa equipa é pensar que as coisas vão ser bem feitas. Não podemos cair no erro de achar que a Alemanha vai errar. Só um pode ganhar, vamos ver quem. Elogio-os para que não nos enganemos. A Alemanha é uma grande equipa, muito sólida e equilibrada. São rivais no Mundial ou no Europeu mas também somos fortes. Nestes níveis, jogar em casa não tem muita influência. Não vamos ficar intimidados, às vezes, isso até pode funcionar contra os anfitriões. Temos muito futebol”, salientara Luis de la Fuente, técnico que fez todo o percurso na formação da Roja e que conseguiu aproveitar novos talentos como Lamine Yamal e Nico Williams para dar uma largura e uma verticalidade ao jogo ofensivo espanhol que funcionou como melhor sucessão a um futebol tiki taka datado no tempo.

No final de um encontro de loucos, imperou a falta de lógica para dar a vitória à Espanha. Não se pode falar de um desfecho injusto, assim como seria imprudente tirar justiça a um triunfo da Alemanha, mas a história foi escrita de forma paradoxal ao que se passava em campo, sobretudo a partir do momento em que a equipa germânica ganhou ascendente quando colocou uma vertente mais física no jogo, fez a diferença pelo ar e foi com esse próprio “veneno” que morreu aos 119′ no adeus de um senhor do futebol: Toni Kroos.

O encontro começou praticamente com Pedri como protagonista no bom e no mau, concluindo a primeira jogada com finalização enquadrada logo no minuto inicial mas saindo pouco depois por lesão na sequência de uma entrada muito dura de Toni Kroos (entrou Dani Olmo). As duas equipas que jogavam mais “limpo” em termos de clarividência deixavam-se várias vezes levar pelo carácter decisivo da partida, sendo que houve sempre mais Espanha no meio-campo contrário do que o inverso apesar de um cabeceamento de Havertz após cruzamento de Kimmich para as mãos de Unai Simón (21′). O que faltava à Roja? Maior perigo na hora do remate, entre um livre ao lado de Lamine Yamal (15′), meias distâncias à figura de Fabián Ruíz e Laporte (17′ e 23′) e um remate na passada de Dani Olmo que acabou também nas mãos de Neuer (44′).

Faltava um golo para abrir o que parecia estar dependente de um qualquer sinal e esse momento demorou só seis minutos a aparecer, com a curiosidade de a Espanha ter aproveitado uma substituição da Alemanha para fazer a diferença: Lamine Yamal foi lançado para o 1×1 contra Raum, Morata arrastou os centrais e Dani Olmo apareceu na zona que deveria ser de Andrich para rematar rasteiro para o 1-0 (51′). Nagelsmann tinha falhado a mexer ao intervalo, Nagelsmann deu a volta em desvantagem: renovou o lado esquerdo com troca de laterais, lançou Füllkrug no ataque, conseguiu dar uma vertente mais física ao jogo mesmo correndo mais riscos ao partir o jogo. Foi assim que, numa saída rápida pela direita, Wirtz cruzou para o desvio ao poste de Füllkrug (73′). Foi assim que, após um duplo erro de Unai Simón num pontapé de baliza, Havertz falhou um chapéu isolado (82′). Foi assim que, na sequência de um cruzamento largo na esquerda, Kimmich subiu mais alto ao segundo poste para fazer a assistência para Wirtz rematar de primeira para o 1-1 (89′).

Seguia tudo para prolongamento, com ambos os conjuntos a terem de redistribuir peças perante a igualdade no resultado, a necessidade de encontrar outro equilíbrio e os evidentes problemas físicos provocados pelo desgaste que se começavam a sentir. As equipas queriam, as pernas não respondiam, a margem para o risco desceu e o primeiro tempo do tempo extra teve apenas dois remates com perigo de Oyarzabal (102′) e mais uma vez de Wirtz (105+1′), sendo que Füllkrug viu na segunda parte Unai Simón evitar a reviravolta com uma defesa fantástica a um desvio ao primeiro poste (117′). Estava a chegar o verdadeiro golpe de teatro, com Dani Olmo a descair na esquerda e a cruzar para a entrada de rompante de Mikel Merino entre os centrais para o 2-1 que colocou a Espanha nas meias-finais e deixou os germânicos fora do Europeu (119′).

A pérola

  • Não é fácil ter apenas o papel de 12.º jogador numa equipa. Por um lado, existe sempre a garantia de minutos em qualquer partida, quase como um conforto de que é possível entrar em ação seja de início ou a partir do banco; por outro, não deixa de ser frustrante estar num bom momento e não ter espaço para entrar num conjunto que está a carburar. Dani Olmo representava tudo isto, Dani Olmo representou muito mais e foi o substituto de Pedri logo no arranque do jogo que fez um golo e uma assistência no triunfo da Espanha frente à Alemanha. Quase como homenagem a tudo o que ofereceu ao futebol, Toni Kroos fica como uma espécie de MVP honorário mas foi o médio do RB Leipzig que decidiu o jogo.

O joker

  • Dani Olmo entrou nos dez minutos iniciais pela lesão de Pedri e marcou o primeiro golo do encontro, Wirtz foi aposta ao intervalo e levou a decisão para o prolongamento. À partida, um e outro seriam as escolhas mais óbvias para elementos que conseguiram mexer com o que se passava em campo. Todavia, e acima deles, esteve mais uma vez Füllkrug. Foi com a entrada do “tanque” do B. Dortmund que Julian Nagelsmann conseguiu introduzir na partida a vertente mais física que fez toda a diferença para que a Espanha encontrasse dificuldades sem bola como não tivera até à entrada do avançado mais fixo. No entanto, havia um herói improvável na calha chamado Mikel Merino que entrou… para decidir.

A sentença

  • Com este triunfo, a anfitriã Alemanha está fora da competição e, apesar de ter feito melhor do que no último Mundial, voltou a falhar o acesso ao top 4. Já a Espanha repete a presença nas meias-finais do Europeu, esperando agora pelo vencedor do encontro entre Portugal e França.

A mentira

  • Era uma “mentira” que já se antevia antes do encontro, foi uma “mentira” confirmada ao longo de todos os 120 minutos: qualquer que fosse o vencido da partida partida dos quartos iria sempre ficar fora das quatro melhores equipas do Euro-2024. Com a devida distância temporal, aquilo que ficaria era um falhanço, uma deceção, um projeto falhado. Agora, olhando para tudo o que se tem passado na Alemanha, era certo que era a maior das injustiças num mundo do futebol que nunca apresentou no seu léxico esse conceito de “justiça” e se move muitas vezes tendo como principal gasolina o resultadismo.