A exposição “Casa Vale Ferreira” é inaugurada nesta quarta-feira em Serralves (Porto), com a presença da dupla de artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, que também anunciaram o seu casamento esta tarde, no Porto.
“É um dia muito especial. É uma exposição antológica. Tirámos partido da Casa de Serralves e este é um dia muito feliz que é aberto a artistas vivos [a Casa de Serralves tem sido palco para a Coleçao Miró]. É a primeira vez que estamos a usar os três pisos da casa, desde a cozinha à casa de banho. A exposição celebra a vida e obra de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, ligados pela vida e obra há mais de 20 anos”, declarou Inês Grosso, curadora da exposição, durante a visita de apresentação à imprensa.
A exposição “Casa Vale Ferreira é uma viagem pelas obras da dupla de artistas portugueses, unidos há mais de duas décadas pela arte e pelo amor, que inclui projetos iniciais, criações recentes e novas instalações concebidas especificamente para Serralves”, explica Inês Grosso.
A Casa de Serralves (conhecida pela Casa cor-de-rosa) transforma-se, assim, a partir desta quarta-feira, num cenário de “encontros inesperados, proporcionando um contexto único para a reflexão e releitura de uma obra que se tem reinventado ao longo dos anos, inclusivamente através de inúmeras colaborações e parcerias com as artes performativas e com outros projetos multidisciplinares“, explica o texto de apresentação da mostra.
“Da cozinha às salas de estar e jantar, passando pelas escadarias e casas de banho, os artistas ocupam quase todos os espaços da antiga residência privada, desenhando um percurso que transcende a memória do lugar e tece uma narrativa paralela que combina eventos históricos, literários e lendas”, lê-se no dossiê de imprensa.
Foi junto à instalação “The Tearoom” que abre a exposição com dezenas de blusões de cabedal de culto de fãs, exibidos num “charriot” com mais de quatro metros de comprimento, que a dupla de artistas anunciou que se ia casar nesta quarta-feira, no Porto.
A conjugação do casamento no dia da inauguração da exposição “Casa Vale Ferreira” é uma espécie de “statement político” e uma forma de dizer que os direitos conquistados no passado estão em perigo com a ascensão da extrema-direita, explicou a dupla Vale Ferreira.
Os dois artistas recordam que são namorados há mais de 20 anos e que lutaram pelo direito ao casamento homossexual, embora nunca tenham pensado em casar-se. Contudo, com os direitos ao casamento “gay” a estarem a ser colocados em causa, os artistas dizem que querem fazer um “statement político”.
“Lutámos pelo direito às pessoas do mesmo sexo se poderem casar, mas nunca achámos que fosse necessário. Nunca sentimos que fosse um documento que legitimava a nossa relação. A partir do momento em que percebemos que uma conquista que dávamos como adquirida podia ser posta em causa — isto tem a ver com a ascensão da extrema-direita -, casar no contexto de uma exposição e tendo em conta a nossa história, era um momento de fazer um ‘statement artístico’, um ‘statement político’ e que também questiona noções de autoria […], porque há aqui projetos antigos que eram assinados só por um dos artistas, mas que a partir de hoje passam a ser, legalmente, de nós os dois”, referiu João Pedro Vale.
A exposição revela obras emblemáticas dos artistas como por exemplo a escultura “O Farol de Areia”, “O Ginásio”, “Milagrosas Águas de São Bento”, “O Perfume”, uma peça feita para Serralves, ou o “Urinol”, que está coberto de escritos à mão como aqueles que se encontram nas portas das casas de banho públicas e incluem fragmentos, entre outros, de obras de escritores portugueses, como Bocage, Judith Teixeira, António Botto, Raul Leal e Mário Cesariny.
“The Tearoom” é composta por quase uma centena de casacos intervencionados pelos artistas e dispostos num “charriot” que acolhe o público na entrada do Salão Nobre. A obra convida à escolha de um casaco e tem o potencial de transformar cada visitante em ativista espontâneo ao serviço de causas promovidas por poetas, artistas e personalidades LGBTQIA+ como James Baldwin, Gisberta, Magnus Hirschfeld, Francis Bacon, Al Berto, Robert Mapplethorpe, Hilma Af Klint, General Idea, Freddie Mercury, Marcel Proust, Cazuza, Claude Cahun, Susan Sontag.
Quando começámos a ser artistas, quando ainda estudávamos, não existia ainda o edifício [do Museu de Serralves], e muitas das exposições que nós vimos, foram vistas aqui [na Casa de Serralves], por isso, tendo em conta que muitos dos nossos trabalhados revisitam obras de outros artistas, para nós é fundamental que tenhamos tido o contacto com eles exatamente aqui”, explicou João Pedro Vale.
Vale e Ferreira referem que gostavam que os visitantes usassem os blusões da instalação “The Tearoom” enquanto visitam a exposição.
“É uma performance voluntária. Ao vestir o casaco, cada visitante ativa a obra e torna-se parte dela, transformando a experiência numa interação dinâmica que transgride as fronteiras entre arte e vida, enquanto usa o seu corpo para disseminar a mensagem dos artistas pelo espaço”, explica a curadora Inês Grosso.
João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira abordam temas como a relação entre folclore e identidade nacional, o fascismo e a cultura no antigo regime, os negacionismos e as políticas de memória, a violência e o silenciamento perpetuados pelas ditaduras, o impacto do VIH/SIDA e o estigma e preconceito em relação à comunidade LGBTQIA+.
A exposição fica patente até 11 de novembro.