Um combate na ilha de Moçambique, os emissários de Vasco da Gama perante o rei de Melinde, o encontro entre Vasco da Gama e D. Manuel, Vasco da Gama na Ilha dos Amores e o banquete nessa mesma ilha. Tudo isto está nos versos d’Os Lusíadas para uma série de ilustrações criadas por Francisco Vieira Portuense, uma por cada canto da obra de Luís de Camões. O objetivo era juntá-las numa imponente edição ilustrada, no início do século XIX, mas a publicação acabou por nunca avançar.
Porém, seis delas passam agora a poder ser vistas em tamanho real na Sala do Tecto Pintado, no primeiro piso do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. É lá que, a partir de 12 de julho — e até 29 de setembro — se encontra a exposição Épico e Trágico — Camões e os Românticos.
O objetivo é mostrar “de que forma era visto Luís de Camões pela primeira geração dos artistas românticos”, explica Alexandra Markl, comissária da exposição que se insere nas comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões (1524-1580), ao Observador.
Não foi possível juntar todas as obras de Vieira Portuense, em óleo sobre tela — algumas estavam em mãos de colecionadores particulares —, mas o conjunto apresentado no MNAA revela “a exaltação de um Camões épico no contexto da viagem e do exótico, como as visões da passagem do Vasco da Gama pelo Oriente”.
Apesar de essa edição ilustrada — pensada pelo mecenas Rodrigo de Sousa Coutinho e pelo tipógrafo Giambattista Bodoni —, nunca se ter concretizado, houve um projeto de 1817 que chegou à impressão. A ideia de Morgado de Mateus era semelhante mas, desta vez, as ilustrações foram assinadas por artistas franceses. “O facto de ter sido editada em Paris deu muita projeção internacional a Os Lusíadas”, diz Alexandra Markl.
Na mesma fase, houve uma data de outros artistas que se interessaram pelo poeta português e lhe dedicaram trabalhos. De diferentes áreas tinham em comum o facto de estarem todos a viver fora de Portugal e de terem “uma visão peculiar de fora para dentro”. Um deles, Domingos Bomtempo, compôs a Missa de Requiem “entre Londres, Paris e Lisboa”. Um excerto estará a tocar na Sala do Tecto Pintado e a composição pode também ser ouvida no Youtube.
Outro foi Almeida Garrett, que em 1925 publicou o extenso poema Camões, considerada a primeira obra romântica da literatura portuguesa. Dela faz parte a icónica frase “Pátria, ao menos Juntos morremos…” — que pretendia demonstrar que a morte de Camões estava de mãos dadas com a morte de Portugal. O poeta morreu em 1580 e reza a lenda que terá reagido dessa forma ao saber da derrota na batalha de Alcácer Quibir e da morte do rei D. Sebastião que, não tendo descendentes, atirou Portugal e todo o seu reino para o domínio espanhol, começando assim a dinastia filipina.
Domingos Sequeira, artista plástico, pegou exatamente nesse momento e criou A Morte de Camões, um quadro que apresentou no Salon de Paris em 1824. “[Almeida Garrett e Domingos Sequeira] estavam ambos exilados no final de 1923 e conheciam-se de Lisboa, mas não se sabe se estiveram em contacto nesta altura”, conta Alexandra Markl.
Certo é que a imagem decadente foi recebida de forma contraditória. “Os estrangeiros acharam-na escura e tétrica, mas a ideia era mesmo essa, ser trágica. Era uma visão dramática de Camões que, depois de toda a glória, morreu na miséria no hospital. Só os pobres iam morrer ao hospital.”
Da pintura final não se sabe o paradeiro. A obra de Domingos Sequeira viajou para o Brasil, oferecida ao imperador D. Pedro I mas, depois disso, perdeu-se o rasto. “Em 1840 acreditamos que ainda estava no palácio, porque aparece numa pintura da princesa [Maria Amélia] ao piano. A princesa entretanto viajou para a Europa e acredita-se que a pintura tenha vindo com ela.”
A busca tem sido incessante, mas sem grandes frutos. “Ao que parece, no século XIX, o conde dos Olivais e Penha Longa teria o estudo ou a própria pintura, mas é tudo o que sabemos”, revela Alexandra Markl. No Museu Nacional de Arte Antiga estão agora os esboços que deram origem ao desenho final. Além deles, há obras de Francisco Metrass, Joaquim Pedro de Sousa e Columbano Bordalo Pinheiro. Todas ilustram a morte de Luís de Camões, “cada um com a sua sensibilidade”.
Porquê este momento específico? “Os artistas usavam muito o tema do artista moribundo porque, além do fascínio por um grande artista que vive e morre na miséria, era um tema que os atormentava. Eles próprios passavam por dificuldades.”
E porque é que o Museu Nacional de Arte Antiga escolheu reunir obras desta fase tardia e pouco gloriosa de Luís de Camões? Na verdade, este acaba por ser o início, e não o fim. “Focarmo-nos nesta fase foi uma ideia clara à partida. É o arranque do romantismo, temos várias artes e todas confluem para o Camões, quase como se se redescobrisse a história nacional e Camões ao mesmo tempo.”
A Sala do Tecto Pintado é também uma espécie de sala de investigação. “A exposição pode ser o ponto de partida para encontrarmos A Morte de Camões, pode ser que a obra apareça na casa de alguém.” É quase uma utopia, mas o desejo é real. “Já se procurou muito pela obra, no Brasil, em França. Encontrá-la seria algo incrível.”
Ainda assim, Épico e Trágico — Camões e os Românticos conseguiu outras coisas importantes, como reunir obras que nunca tinham estado contextualizadas numa exposição. É o caso do desenho de Francisco Metrass, uma peça pequena que estava no Museu de Lisboa e que nunca tinha tido o devido destaque.
A exposição tem cerca de uma dúzia de obras e demorou entre três e quatro meses para ser idealizada e montada. A inauguração acontece na quinta-feira, 11 de julho, pelas 17h30 e é aberta ao público. As comissárias estarão no local para fazer a visita guiada.
A partir daí, e até 29 de setembro, a sala estará a funcionar de acordo com os horários do museu, aberto de terça-feira a domingo, entre as 10h e as 18h. O bilhete normal custa 10€, havendo descontos para jovens, famílias, etc. Os primeiros domingos do mês são gratuitos para todos os cidadãos residentes em território nacional. Para completar as explicações presentes na exposição estará disponível um catálogo (12€) que conta com o contributo de vários especialistas sobre os estudos e as obras que têm Camões como figura principal.
Todas as informações sobre a exposição estão disponíveis online.