Os três dias de cimeira da NATO trouxeram uma conclusão principal: a grande preocupação dos Aliados é a Ucrânia, e é para a sua segurança — e, consequentemente, a segurança dos países que a rodeiam — que a Aliança está focada em trabalhar. Por isso mesmo, da declaração final subscrita pelos líderes dos 32 estados-membros saíram variadas juras de apoio à Ucrânia, incluindo em forma de um fundo de 40 mil milhões de euros destinado principalmente a ajuda militar. Do mesmo texto constam alertas de perigo que têm como alvo não apenas a Rússia, mas também países como a China, a Coreia do Norte e o Irão (o que já motivou fortes reações dos visados).

Prestes a despedir-se do secretário-geral Jens Stoltenberg, os membros da NATO dão, neste documento, as boas vindas ao seu substituto, Mark Rutte, assim como ao mais recente membro da organização, a Suécia (a sua adesão, juntamente com a Finlândia, “torna estes países mais seguros e a Aliança mais forte”). A longa declaração começa, como não podia deixar de ser, pelo reconhecimento da “guerra de agressão brutal” da Rússia na Ucrânia, e termina com promessas práticas de apoio ao país. Pelo meio, longas considerações sobre os tempos de risco que a Aliança e o mundo atravessam, na cimeira que marca os 75 anos da NATO.

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As promessas à Ucrânia: “O futuro é na NATO”

A Ucrânia, que já tinha sido identificada como tópico principal da cimeira que decorre em Washington e acaba esta quinta-feira, é também o maior objeto da longa declaração assinada pelos líderes. Esta arranca, desde logo, com uma declaração taxativa: a invasão do país pela Rússia “destruiu a paz e a estabilidade na área euro-atlântica e pôr em risco a segurança global”, mantendo-se o país de Vladimir Putin como “a ameaça mais significativa e direta à segurança dos Aliados”.

É neste contexto que surge a declaração mais taxativa sobre o futuro da Ucrânia. “O futuro da Ucrânia é na NATO”, asseguram os líderes da organização, elogiando os progressos do regime de Volodymyr Zelensky nas áreas da democracia, economia e segurança e a sua crescente “integração política” e prometendo mesmo continuar a apoiar o país no “caminho irreversível” que está a trilhar em direção à “total integração euro-atlântica, incluindo como membro da NATO” — embora se reconheça aqui que ainda não há “condições” para dirigir formalmente esse convite à Ucrânia, também se assegura que as decisões desta cimeira constituem mais uma “ponte” para que o país entre na NATO.

Os líderes da Aliança dizem-se, de resto, “ansiosos” por se encontrarem com Zelensky na cimeira NATO-Ucrânia, por entre promessas de “inabalável solidariedade com o povo ucraniano” e de apoio a uma Ucrânia “forte, independente e democrática”, uma vez que esta é também considerada “vital para a segurança e estabilidade” da região. Elogiando os esforços que os aliados têm feito para dotar a Ucrânia de mais sistemas de defesa aérea, assim como “outras capacidades militares”, os líderes da NATO explicam que decidiram estabelecer um mecanismo de Assistência e Treino de Segurança da NATO para a Ucrânia, num esforço para coordenar de forma “coerente” o envio de equipamento e treino militar.

A este propósito, os estados-membros fazem questão de assegurar que esta intervenção “não tornará a NATO uma parte do conflito”, garantia deixada para tentar que a guerra não escale ainda mais e que a NATO não seja identificada pela Rússia como parte ativa na guerra. E juntam-lhe outras iniciativas, como o estabelecimento de um centro conjunto NATO-Ucrânia de Análise, Treino e Educação para “identificar e aplicar” lições da guerra com a Rússia, assim como o envio de um representante sénior da NATO para a Ucrânia.

Mas a promessa mais concreta (e mais significativa em termos financeiros) será a de um acordo para a Assistência de Segurança a Longo Prazo da Ucrânia, em que os aliados se comprometem a fazer “contribuições proporcionais” para este fundo de fornecimento de equipamento militar, tendo uma “base mínima de financiamento de 40 mil milhões de euros no próximo ano”.

Nos propósitos para este fundo inclui-se a compra de equipamento militar, custos com manutenção, logística e trnasporte de equipamento militar, custos de treino militar, investimentos nas infraestruturas de defesa e indústria de defesa, prometendo-se também que os aliados continuarão a prestar outros tipos de apoio à Ucrânia — do político ao humanitário.

As acusações à Rússia (e a resposta do Kremlin às “ameaças”)

Como seria de esperar, os ataques à Rússia, “única responsável pela guerra”, são, neste documento, muitos e variados: a condenação ao país fica expressa “nos termos mais fortes possíveis”, apelando a NATO a que páre imediatamente a guerra e retire “completamente e sem condições” as suas forças da Ucrânia — e prometendo nunca reconhecer as anexações ilegais de território ucraniano, Crimeia incluída.

A Rússia é aqui acusada de “querer reconfigurar a base da arquitetura de segurança euro-atlântica” e de configurar uma ameaça a longo prazo, mas também de perpetuar uma “retórica nuclear irresponsável” e de alegadamente usar armas químicas no terreno contra forças ucranianas. Além disso, o regime de Putin é acusado de “intensificar ações híbridas” — sabotagem, violência, provocações nas fronteiras, ciberatividades maliciosas, campanhas de desinformação, influência política maligna — contra membros da NATO.

O antigo Presidente e primeiro-ministro russo Dmitry Medvedev não demorou a reagir, concluindo que o caminho da Rússia deve passar por garantir que a Ucrânia ou a NATO desaparecem — ou, ainda melhor, que “ambas” deixam de existir. Mais: o Kremlin, pela voz do porta-voz Dmitri Peskov, apareceu rapidamente para garantir que a Rússia vai tomar medidas para “contrariar a séria ameaça” representada pela NATO. Quanto às garantias deixadas pelos líderes de que não estão diretamente envolvidos no conflito, nada feito: na resposta da Rússia, a NATO é considerada “de facto” totalmente envolvida no conflito em torno da Ucrânia.

“Somos obrigados a analisar muito cuidadosamente as decisões que foram tomadas, as discussões que tiveram lugar e analisar muito cuidadosamente o texto da declaração que foi adotada. Trata-se de uma ameaça muito grave à segurança nacional”, disse Peskov, citado pela Lusa, acusando os membros da NATO de terem provado que não são “partidários da paz”.

A “preocupação profunda” com China, Irão e Coreia do Norte

A Rússia não é o único país identificado como inimigo neste documento, embora muitos dos outros sejam assim descritos precisamente pela relação que mantêm com o país de Putin. “Apelamos a todos os países que não providenciem qualquer tipo de ajuda à agressão russa”, lê-se na declaração, que também condena “todos os que estão a facilitá-la e com isso a prologar a guerra”, grupo em que inclui a Bielorrússia, a Coreia do Norte e o Irão. E avisa especificamente este último: “Qualquer transferência de mísseis balísticos e tecnologia semelhante do Irão para a Rússia vai representar uma escalada substancial” da guerra.

Sobre a China, mais avisos concretos: “A parceria estratégica a aprofundar-se entre Rússia e China e as suas tentativas mútuas para causar a erosão e transformar a ordem internacional são uma causa de preocupação profunda”, escrevem os líderes da NATO, pedindo ao país de Xi Jinping, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que trave esses apoios. Pelo meio, um aviso sério: “Não pode permitir que aconteça a maior guerra na Europa na história recente sem prejudicar os seus interesses e a sua reputação”.

As acusações à China, que os líderes da NATO dizem “continuar a colocar desafios sistémicos à segurança euro-atlântica”, não ficam por aqui: “Vimos ciberatividades maliciosas e híbridas, incluindo desinformação, a vir da China. Estamos preocupados com os desenvolvimentos nas capacidades e atividades espaciais da China. Pedimos que apoie os esforços internacionais para promover comportamento espacial responsável”, escrevem os 32 líderes, que garantem estar “abertos” a conversas construtivas com a China, ao mesmo tempo que dizem estar prontos a proteger-se “contra as suas táticas coercivas e esforços para dividir a Aliança”.

Estas referências já valeram, de resto, uma resposta da China, acusando a NATO, pela voz do porta-voz chinês na União Europeia, de estar cheia de “retórica beligerante” e de espalhar “mentiras, incitamentos e difamação”, sobre a China: “Como todos sabemos, a China não é a criadora da crise na Ucrânia”.

A NATO também dedica algumas linhas aos seus parceiros, da “única e essencial” UE, cuja cooperação com a NATO chegou a “níveis sem precedentes” à boleia da guerra na Ucrânia, aos encontros previstos com Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul para discutir desafios de segurança comuns e áreas de cooperação.

NATO prevê necessidade de mais gastos

Num documento em que são referidos tantos perigos de segurança, a liderança da NATO também fala dos esforços que está a fazer para se manter forte e capaz de responder a tantos (e novos) riscos. Por um lado, o documento “saúda” que mais de dois terços dos aliados tenham cumprido o compromisso de dedicar pelo menos 2% do seu PIB anual à Defesa, com um aumento dos gastos neste setor nos aliados europeus e no Canadá de 18% em 2024 (“a maior subida em décadas”), mas avisando: “Em muitos casos, gastos além dos 2% serão necessários para remediar as insuficiências existentes e cumprir os critérios que advêm de uma ordem securitária mais difícil”.

Ainda assim, os esforços que estão a ser feitos representam “o maior reforço da defesa coletiva de uma geração”, garante a declaração, prometendo “continuar a aumentar a capacidade de dissuasão e defesa contra todas as ameaças e desafios” e sem excluir a possibilidade de um ataque contra a soberania ou integridade territorial dos aliados.

O documento dedica ainda algumas linhas à “nova geração de planos de defesa” da NATO, à aceleração do desenvolvimento de novas tecnologias, à modernização da sua capacidade de viligância aérea, ao aumento de infraestruturas submarinas e ao investimento em capacidades “químicas, biológicas, radiológicas e nucleares, melhorar a defesa integrada aérea e de mísseis”.