“Queremos aproveitar o que de bom que já foi feito sem cortes radicais com o passado. Os portugueses não perdoarão novas indecisões. É fundamental não ter o receio de decidir”.
A frase marcou o arranque da audição ao ministro das Infraestruturas realizada esta quarta-feira no Parlamento onde foram passadas a pente fino as decisões dos primeiros 100 dias naquela que é uma das super-pastas do Governo de Luís Montenegro.
Mas se na ferrovia se mantém, e até se reforça, a aposta nas linha de alta velocidade — com a terceira travessia do Tejo e a ligação a Madrid — já quanto ao papel que a CP terá nessa operação, Pinto Luz diverge da posição dos seus antecessores.
“Longe de nós termos uma visão de monopólio da CP. Não é nossa visão que a CP venha a operar em monopólio a alta velocidade, nem monopólio, nem posição maioritária. É a nossa visão”, diz Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, contrapondo com o que diz ser a visão do PS do qual o Governo queria comprar comboios para a CP “para ter uma quota de 80%”.
O ministro das Infraestruturas confirma que vai rever em baixa o número de novos comboios a adquirir pela operadora ferroviária, num concurso que previa no seu desenho original a aquisição de 16 unidades por mais de 500 milhões de euros.
“Não vamos comprar tantos como a CP queria”. Comprar comboios com uma quota de 80% “não é saudável para o mercado”. A CP estará no mercado com uma oferta com qualidade de serviço e agressiva, com manutenção e bons quadros, mas “com este Governo não terá monopólio”.
A diferença é clara sobretudo face à posição que Pedro Nuno Santos assumiu enquanto esteve à frente da pasta até 2022 e se bateu pelo saneamento financeiro da empresa pública, entrando até em braço-de-ferro com o colega das Finanças, João Leão. A operação de limpeza da dívida histórica da CP foi aprovada em 2021, mas acabou por ser apenas concretizada no ano passado com João Galamba nas Infraestruturas. Uma das principais justificações para este saneamento foi dar à CP condições para ir ao mercado privado financiar a compra de comboios para os serviços de alta velocidade.
As regras europeias impedem o Estado de dar subsídios ou ajudas para este segmento do mercado que está liberalizado e o anterior Governo queria assegurar que a CP estava preparada, do ponto de vista de frota, para enfrentar a concorrência de outros operadores. Agora Pinto Luz baixa a fasquia para o reforço de oferta da empresa pública na exploração dos serviços de alta velocidade.
“Virão outros e virão em concorrência. Iremos oferecer transportes mais baratos em alta velocidade”, prometeu. Realçando que tem vindo a conversar com os privados para abrir o mercado, o ministro das Infraestruturas acusou o Governo do PS de o fazer lenta e mitigadamente. Este Governo compromete-se a “acelerar a sua entrada”.
Apesar de existirem alguns privados nestes serviços — nomeadamente o grupo Barraqueiro já manifestou interesse na operação — os principais “concorrentes” da CP serão também empresas públicas, mas de outros países, com a espanhola Renfe a ser mais bem colocada por já explorar a alta velocidade em Espanha.
A CP adjudicou no final de 2023 a maior encomenda de comboios da sua história para renovar o material circulante dos serviços regionais e urbanos, mas a execução deste contrato está ainda pendente de litigância judicial.
Maior encomenda da CP vale 746 milhões e prevê que 100 comboios sejam montados em Portugal
O ministro das Infraestruturas reconhece que o primeiro concurso para a linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa, lançado pelo governo do PS, “correu o risco de ficar vazio”: “É público e notório”. Pinto Luz justifica assim a avaliação feita a pedido do Governo da qual resultou a decisão de aumentar o preço base em 300 milhões para a segunda obra para o troço entre Oiã e Soure que tem um valor base de cerca de dois mil milhões de euros.
“Não me sinto confortável que um concurso desta envergadura tenha um único concorrente. No futuro queremos mais porque a concorrência é saudável”.
Para o concurso entre Porto e Oiã, apenas a proposta apresentada por um consórcio liderado pela Mota-Engil foi aceite. Ainda assim, considera Pinto Luz, essa proposta permite avançar com a execução do projeto.