Um ano depois de fechar a marca própria, Diogo Miranda está de volta à moda enquanto diretor criativo e artístico da marca portuguesa A Line. “Uma marca portuguesa foi contratar um designer português. É pioneiro. Estão a fazer o que ninguém faz. É o que acontece lá fora. Uma marca foi contratar um designer”, diz o criador de moda ao Observador.

A notícia chega depois de meses de especulação. Quando o designer de Felgueiras anunciou o encerramento da marca homónima, em junho de 2023, já se dizia “ansioso pela nova aventura”, numa publicação entretanto apagada das redes sociais.

Diogo Miranda, 36 anos, é um dos mais aclamados designers portugueses e um criador cuja aproximação à indústria e ao lado comercial sempre esteve presente. “Neste desafio tento encontrar um equilíbrio entre o ready to wear e uma silhueta que chame a atenção”, explica ao Observador. “O foco é comercial, mas sem descurar o lado criativo.”

Fundada em 2016 por Hélder Gonçalves e Alexandra Carneiro, a marca A Line nasceu no seio da Spring, uma empresa de confeção têxtil de Paços de Ferreira. Começou por ter apenas camisas, mas pouco tardou até que passasse a ter coleções completas, com vestidos, calças e casacos. O foco na qualidade colocou a A Line num segmento de preço em que uma t-shirt, por exemplo, custa 65 euros, e um vestido pode chegar aos 200. Até então, era Alexandra Carneiro que assumia a direção criativa da etiqueta.

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“A Line entra numa nova era, com um reposicionamento estratégico que reflete a nossa evolução e ambição. A incorporação de Diogo Miranda como Diretor Criativo e Artístico representa um marco importante nesta jornada”, justifica Hélder Gonçalves, num comunicado enviado ao Observador. “A sua visão inovadora, que une o artesanal e o contemporâneo, é o que precisamos para levar a marca a novos patamares. Acreditamos que a dedicação e o talento de Diogo fortalecerão ainda mais a nossa identidade, ao mesmo tempo em que ampliam o nosso reconhecimento e impacto internacional.”

Foi o próprio designer que enviou “uma candidatura espontânea para a A Line” depois de ter surpreendido o meio da moda quando, em junho do ano passado, decidiu fechar a marca Diogo Miranda, que detinha desde 2008 com relativo sucesso.

“Estava cansado, chega-se a uma altura em que se está em piloto automático. Comecei a pôr as coisas em perspetiva. A vida não é só trabalho”, recorda Diogo Miranda ao Observador. Na sequência da pandemia do Covid-19, “as coisas ficaram mais complexas, os clientes diminuíram, as lojas começaram a comprar menos, todo o negócio começou a entrar em colapso. Fechei a empresa e disse a mim mesmo que não queria trabalhar mais em moda”.

Mas, pouco depois, estava a voar para Londres para trabalhar como consultor de moda. “Foi um desafio super gratificante que me abriu imensas portas, mas senti que estava a fazer a mesma coisa, só que a viver entre Porto e Londres”, relata. Decidiu, por fim, parar. Seis meses depois, sabia que o regresso teria de passar por “algo ligado à arte, à moda, design”. Uma coisa era certa: “não queria criar uma marca.”

Foi quando estava numa loja no Porto que Miranda se deparou com a etiqueta portuguesa. “Já conhecia a A Line, mas não tinha tocado em nenhuma peça. Fiquei agradavelmente surpreendido com a qualidade da conceção”, conta.

Um e-mail bastou para que Hélder Gonçalves e Alexandra Carneiro, a dupla atrás da marca portuguesa, quisessem discutir a possibilidade de o juntar à equipa. “Eles tinham o que eu precisava e eu o que a A Line precisava. Era recíproco. Em duas semanas comecei a trabalhar”, recorda Miranda. “Tem sido um casamento perfeito.”

No site da A Line, já é possível observar mudanças determinadas pela entrada do criador na estrutura. A mais visível é a existência de um monograma, um apontamento-chave na identidade visual que não deverá, porém, refletir-se de forma literal nas peças. “A ideia não é usar como estampado nem nada. É como a Chanel ter o double ‘c’”, compara o designer.

Ao centro, o novo monograma da marca portuguesa, que não deverá ser transposto de forma literal para as peças das coleções futuras

“Tenho carta branca para fazer o que quero na marca”, garante Diogo Miranda, que mergulhou nos arquivos da A Line e concluiu que deveria respeitar a área que a distingue. “Enquanto marca foi algo que aprendi: que não devemos disparar para todo o lado, ninguém é bom a fazer tudo. A [A Line] é vista através de camisaria. Quis-me focar na camisaria”, frisa. As camisas serão, assim, o ponto de partida para coleções compostas por outras peças essenciais no guarda-roupa. “Quero que se torne uma marca de clássicos intemporais”, diz Miranda, revelando que a primeira coleção por si apresentada será relativa à primavera-verão de 2025 e mostrada “em finais de setembro, início de outubro”.

Sobre a possibilidade de apresentar a coleção na passerelle — Diogo Miranda era, até ao ano passado, cabeça de cartaz no evento Portugal Fashion (PF), no Porto —, o designer não exclui a possibilidade, mas diz que não é prioritário. “Ainda estamos a pensar, mas a nossa prioridade é fotografar e mostrar aos clientes”, afirma. Questionado sobre a hipótese de o poder fazer na ModaLisboa, na capital, uma vez que o Portugal Fashion foi cancelado este ano por falta de “apoios necessários”, Miranda garante que a relação com o PF “está de perfeita saúde”, mas não descarta cenários.

“Não é pensar só no mercado português, é voar para o mundo”

A A Line “tem uma qualidade incrível, mas faltava-lhe um bocadinho de raça”, confessa Diogo Miranda ao Observador, não escondendo a ambição de levar a marca “a entrar numa nova era, num novo posicionamento”.

Com uma primeira coleção já pronta, a equipa labora agora nas propostas para o outono-inverno 2025/2026. Mas Diogo Miranda já pensa no futuro: “Quero tornar a A Line uma marca de lifestyle”, anuncia, revelando planos de oferecer uma série de peças em seda e caxemira “com uma qualidade acima da média”, uma coleção unisexo, uma coleção de básicos de homem e “talvez uma peças de casa”. Miranda quer, sobretudo, trabalhar uma marca “mais abrangente e não vender [A Line] como uma marca de moda, mas também de lifestyle e intemporal. Não é pensar só no mercado português, mas é voar para o mundo.”

Até há pouco tempo, a A Line vendia-se apenas online e nas lojas multimarca Feeting Room, mas este ano ganhou uma loja própria, na Rua de Miguel Bombarda, no Quarteirão das Artes, no Porto.

“O ciclo enquanto designer de moda com o meu nome está feito”

Natural de Felgueiras, Diogo Miranda estreou-se na plataforma de novos talentos do Portugal Fashion em 2007 e a ascensão da marca homónima, criada um ano depois, foi rápida. Entre 2015 e 2020 apresentou na Semana da Moda de Paris com o apoio do evento portuense, e as suas criações eram presença assídua em passadeiras vermelhas, já que vestia habitualmente atrizes como Joana Ribeiro, Vitória Guerra ou Maria João Bastos. Nas redes sociais da marca, a descrição tem os contornos de um obituário: “Contemporary Couture 2008-2023”.

“Não tenciono voltar nem está nos planos”, confirma ao Observador. “O meu ciclo enquanto designer de moda com o meu nome está feito. Esta nova era, mesmo para mim, vejo como um desafio que estou a agarrar com muita garra.”