O dia era 17 de julho, no ano de 1978, e os guardas prisionais da Cadeia Penitenciária de Lisboa — nome por que era conhecida à altura a prisão de Vale de Judeus — foram fazer a habitual contagem de turno, por volta das dez e meia da noite. Mas, ao começarem a revista naquela que era considerada à altura uma das maiores prisões de alta segurança da Europa, descobriram um cenário inusitado: a larga maioria dos 200 reclusos não estavam nas suas celas. Tinham fugido.
Com 124 criminosos à solta, rapidamente começou a caça aos homens, envolvendo até helicópteros. Mas à medida que foram sendo conhecidos os detalhes da fuga, a imprensa não tardou a apelidada da seguinte forma: “Espetacular!” Foi há quase 50 anos e a história volta a ganhar relevância depois de, este sábado, cinco homens terem conseguido fugir da mesma prisão, aparentemente com pouco mais do que uma corda e uma escada.
Os pormenores desta fuga ainda estão por apurar, mas o plano de 1978 é bem conhecido. Foi engendrado por seis “cérebros”, como recordou o Observador num dos episódios do programa “Cassete 60”: Zé da Tarada, Isidro, Dragão, Dedé, Muleta Negra e Manuel Alentejano. Ao longo de três meses, escavaram um túnel a partir de uma cela no pavilhão C. Abriram o buraco com ferramentas desviadas da oficina, contou anos mais tarde o jornal Público. As toneladas de terra que iam sendo escavadas foram escondidas num sótão da prisão. Ao todo, o túnel acabaria por ter 50 metros de comprimento, até ao exterior, e 80 centímetros de diâmetro. Lá dentro, até luzes e uma ventoinha foram instalados.
Na noite da fuga, os seis “cérebros” foram os primeiros a sair. Mais de cem outros reclusos aproveitaram e saíram atrás deles. Mas 76 decidiram ficar para trás: “A maior parte deles não fugiu porque não quis. Estavam em fim de pena ou não tinham para onde ir”, recordou em 2016 o antigo guarda prisional Real Soares, ao jornal O Mirante. Quase 40 anos depois da mítica fuga, considera que as condições da prisão à altura facilitaram o plano, porque “os reclusos andavam livremente pela cadeia desde as oito da manhã até à hora do fecho de emissão da televisão”.
A sala de televisão da prisão tem também lugar nesta história. Foi ali que, dias antes da fuga, foi transmitido o filme “A Grande Evasão”, o êxito da década de 60 protagonizado por Steve McQueen onde um grupo de prisioneiros dos Aliados consegue fugir de um campo de concentração através de um túnel. “Nessa noite, na sala de TV, alguns presos riam-se a bandeiras despregadas, porque sabiam o que estava a ser preparado”, recordou Bruno Vieira Amaral na emissão do “Cassete 60”.
O grupo principal de seis demorou dois dias a chegar a Lisboa. Rapidamente, as estações de comboios — para onde muitos foram, na esperança de conseguirem fugir do país — foram inundadas com cartazes com as caras dos fugitivos. A maioria dos reclusos, porém, foram detidos ainda nas imediações de Alcoentre em poucos dias. “As pessoas de Alcoentre garantem que alguns deles até foram tomar café e regressaram, pelo túnel, à prisão”, contou em 2016 o antigo guarda prisional Real Soares. “Só os cabecilhas da fuga é que tinham tudo planeado e meios para desaparecerem, uma vez cá fora. Alguns, ainda hoje, não se sabe para onde foram nem o que lhes aconteceu”.
Para além de Zé da Tarada, Isidro, Dragão, Dedé, Muleta Negra e Manuel Alentejano, outros fugitivos conhecidos saíram por aquele túnel — e muitos demoraram décadas até serem apanhados. Foi o caso de Heitor Silva, militante do Partido Revolucionário do Proletariado que tinha sido preso por assaltar um banco ao serviço da sua força política. Condenado a 20 anos de prisão, quando chegou a Vale de Judeus o túnel já andava a ser escavado. Acabaria por ser a sua oportunidade: Heitor Silva fugiu e não foi apanhado. Viveu 14 anos na clandestinidade, no estrangeiro. Acabaria por regressar a Portugal em 1992, depois de o Presidente Mário Soares lhe ter concedido um indulto.
Outro protagonista da fuga foi Amadeu Pires Loureiro, conhecido como o “Dillinger” português, em homenagem ao ladrão de bancos norte-americano John Dillinger. Esteve anos à solta, onde continuou a praticar vários crimes de assalto à mão armada, incluindo a idosos em caixas multibanco. De acordo com o Correio da Manhã, era “conhecido por disparar duas pistolas ao mesmo tempo” e passava a maioria do seu tempo em França. Mas, 41 anos depois de se ter evadido de Vale de Judeus, acabou por ser detido em Lisboa em 2019.
A fuga “espetacular” de 1978 da Cadeia Penitenciária de Lisboa teve um tal impacto que, durante três anos, a prisão esteve fechada. “Só em 1981 entrou em funcionamento o Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus”, explicou ao Jornal de Notícias a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Agora, 47 anos depois, um grupo de reclusos volta a protagonizar uma fuga mediática da prisão próxima de Alcoentre. Desta vez, contudo, “A Grande Evasão” é de apenas cinco homens.