“Ubu”

A primeira longa-metragem de ficção do artista visual, diretor de fotografia e realizador português Paulo Abreu é uma conseguida e muito cinematográfica adaptação da peça escrita em 1896 pelo francês Alfred Jarry, considerado um precursor do dadaísmo e do surrealismo, e primeira de uma trilogia, que satiriza a ambição do poder e o seu mau uso recorrendo à paródia de situações, personagens e motivos shakespearianos. Rodado a preto e branco muito contrastado e usando muito bem cenários reais como castelos e fortalezas (todo o trabalho de direção artística e de guarda-roupa é esmerado e convincente, sem apontar para uma época histórica específica), Ubu capta, visualmente, no ritmo endiabrado e nas interpretações, o espírito iconoclasta, grotesco e de regozijo desregrado da obra de Jarry. É um dos filmes portugueses do ano.

“A Pedra Sonha Dar Flor”

Em 2013, saiu A Pedra Ainda Espera Dar Flor, uma recolha de dispersos literários, jornalísticos e esboços de memórias de Raul Brandão, recolhidos em quase 40 publicações. Admirador da obra do autor de Os Pescadores, Rodrigo Areias procura, em A Pedra Sonha dar Flor, dar forma e coesão cinematográfica a esse variado conjunto de textos, tendo como referente a forma direta e crua como o escritor via e descrevia os pobres, a pobreza e a desgraça do seu semelhante, e as suas reflexões pessimistas sobre a existência. O filme, que conta com uma banda sonora de Dada Garbeck e terá várias sessões em formato de Cine-Concerto por todo o país, resulta limitado e repetitivo do ponto de vista dramático, pesadamente “literário” e arrastado, e muito enfadonho. O conceito de A Pedra Sonha Dar Flor talvez tivesse funcionado melhor em palco.

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“Reality”

Este filme da dramaturga americana Tina Satter é baseado na sua peça de teatro de 2019, Is This a Room, um exemplo do chamado “verbatim theatre”, em que são usadas, com fins dramáticos, transcrições literais de casos de tribunal, gravações de escutas secretas ou outras, ou de relatórios oficiais. No caso vertente, são as transcrições dos diálogos entre a jovem linguista, tradutora e professora de ioga Reality Winner, que trabalhava numa empresa com contrato com a NSA, e os agentes do FBI que a esperavam à porta de sua casa, em Augusta, na Georgia, no dia 3 de Julho de 2017, com um mandato de busca. Reality seria depois presa, acusada de ter enviado um documento confidencial a uma revista online de política, julgada e condenada a cinco anos de prisão. Reality foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.