O plano de reestruturação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa prevê que a instituição volte a ter um nível de tesouraria confortável que se vai situar nos 100 milhões de euros por ano. Para este objetivo, que se pretende alcançar já no próximo ano, a instituição liderada por Paulo Sousa conta afetar pelo menos 50% das vendas de património imobiliário ao reforço da tesouraria.
Este valor é confirmado ao Observador por fonte oficial da instituição. “A Santa Casa confirma esse objetivo no âmbito de um programa operacional de investimento e desinvestimento enquadrado no Plano de Reestruturação, que possa garantir a sustentabilidade e folga necessárias ao nível do seu saldo de gerência, através de uma matriz de aplicação que foi criteriosamente formulada”.
No tempo das “vacas gordas” dos jogos sociais, a Santa Casa chegou a ter saldos de mais de 200 milhões de euros por ano, mas a situação começou a degradar-se com a pandemia, altura em que uma combinação de perda de receitas e aumento de despesas levou ao risco de rutura de tesouraria, que foi sinalizado, aliás, pela antiga provedora Ana Jorge.
A recuperação dos saldos já está em curso, tendo sido alcançado um patamar de mais de 60 milhões de euros em julho. Algumas medidas do lado da receita, como a renegociação dos valores pagos pelo SNS (Serviço Nacional de Saúde) pela prestação de serviços das unidades da Santa Casa, como o centro de Alcoitão, foram negociadas pela anterior provedora.
A instituição confirma ainda ao Observador a previsão de resultados positivos acima dos 10 milhões de euros este ano, valor que deve subir para quase 40 milhões de euros em 2025, números divulgados esta sexta-feira pelo jornal Público depois de uma apresentação do plano a um conjunto de quadros e chefias que se realizou esta segunda-feira.
O plano de recuperação da situação financeira da Santa Casa prevê ainda “a alienação de algum património imobiliário, sobretudo rústico ou urbano devoluto (terrenos urbanizáveis) que exige elevado investimento, procurando, assim, libertar-se meios financeiros para reinvestir na reabilitação de imóveis, nas áreas da ação social e da saúde, e em programas de eficiência operacional na Santa Casa”, refere a fonte da instituição, sem avançar metas de encaixe com estas operações.
Plano para saídas vai privilegiar trabalhadores com mais de 65 anos e pré-reformas, mas também há entradas
Este plano foi entregue à tutela em julho pela equipa presidida por Paulo Sousa. Aponta para uma redução líquida do número de trabalhadores, entre 2024 e 2025, de pouco mais de 200, número que foi divulgado pelo jornal Público. No entanto, esta redução resultará da combinação de saídas com novas entradas, tendo ainda como objetivo o rejuvenescimento dos trabalhadores da Santa Casa, mas também a redução dos encargos com os trabalhadores. Estão afastados despedimentos ou rescisões por mútuo acordo que tenham custos avultados para a instituição.
De acordo com informação obtida pelo Observador, existem 230 trabalhadores na Santa Casa com 65 ou mais anos de idade e que estarão em condição de ir para a reforma, mas que negociaram manter um contrato de trabalho. Este grupo de trabalhadores será uma das prioridades nas saídas, seja por propostas negociadas ou por não renovação de contratos a termo. A Santa Casa vai ainda implementar um programa de pré-reformas que terá como destinatários os trabalhadores mais próximos da idade de reforma, que prevê que os trabalhadores permaneçam na instituição a tempo parcial. Mais de 1.800 dos cerca de 6.000 colaboradores da Santa Casa têm 55 anos ou mais.
Nestes casos, explicou ao Observador fonte oficial, a “Santa Casa pretende criar mais um mecanismo que permita, aos trabalhadores, uma melhor gestão da sua vida profissional. Tudo isso, sem comprometer a missão diária da SCML. Nesse sentido, não existem quaisquer custos associados ao processo”.
Mas no plano que foi apresentado esta semana aos dirigentes e chefias da instituição também estão previstas contratações, nomeadamente para a nova unidade de cuidados de saúde de Monsanto, com 66 camas, que irá oferecer um conjunto de valências que vão desde a reabilitação até às residências sénior.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tinha, no final de 2023, cerca de 6.014 colaboradores e pretende chegar ao próximo ano com 5.807. Este ano, vão atingir a idade de reforma mais 86 colaboradores, número que sobe para 94 no próximo ano. O objetivo do plano de reestruturação é acelerar o ritmo destas saídas normais e trazer mais jovens para os quadros da instituição, onde as pessoas com 25 anos ou menos representam apenas 1% do número de efetivos.
Da reestruturação faz ainda parte um “processo de desinvestimento do projeto de internacionalização dos jogos”, dando continuidade a uma decisão já tomada pela anterior mesa em 2023, mas cuja abordagem e execução (sobretudo no Brasil) foram muito criticadas pela ministra do Trabalho e Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, quando afastou a equipa de Ana Jorge. Nas respostas, ao Observador, a Santa Casa não detalha o que está a ser feito de diferente nesta vertente.
Prossegue igualmente a venda da participação na sociedade gestora do Hospital da Cruz Vermelha, detida em conjunto com a Parpública, tendo sido já recebidas duas propostas vinculativas. A venda deste ativo poderá não trazer grande encaixe à Santa Casa, mas dará um contributo positivo para as finanças da instituição porque a liberta de dar mais apoios financeiros ao hospital e do risco associado às cartas conforto emitidas para os empréstimos bancários à sociedade gestora.
Corrigido o número de camas da unidade de Monsanto.