O costureiro Hubert de Givenchy e a diva do cinema Audrey Hepburn formaram, enquanto a vida lhes permitiu, uma amizade estelar. Certo dia ele decidiu criar um perfume só para ela e depois pensou em comercializá-lo. “Eu proibo-te” (Je vous interdit), respondeu Audrey. Décadas depois, a casa Givenchy viria a criar o L’Interdit, um perfume que levou para o grande público a história desta amizade em forma de homenagem. Givenchy ainda aprovou o projeto, mas morreu antes do seu lançamento. Atualmente, a perfumaria de autor está em crescimento e a exclusividade é um fator essencial. Audrey Hepburn tinha razão em querer manter um perfume só para si.

Uma pesquisa online pelo mercado dos perfumes, fugindo aos chamativos nomes das campanhas publicitárias com conhecidos rostos e músicas, leva-nos por caminhos onde os números dos preços parecem subir de tal forma que nos fazem questionar de que precioso líquido se trata ou em que escultura estará guardado. O perfume Baccarat Rouge que Francis Kurkdjian tem em parceria com a famosa marca de cristais, Baccarat Rouge 540, ultrapassa os 900 dólares. Não será de estranhar, já que a sabedoria de um dos mais conhecidos perfumistas da atualidade está em forma líquida dentro de um frasco no exclusivo cristal vermelho. Há também uma versão mais modesta, em cristal claro, cuja versão de 200 ml fica pelos 485 euros. Os perfumes da coleção Prestige da marca Roja ultrapassam todos os mil dólares, em frascos de 100 ml, e é até possível encontrar infusão de flocos de ouro. A Shalini Parfum tem um perfume em edição limitada num frasco com assinatura Lalique que atinge os três mil dólares. Na Boutique dos Relógios Plus o perfume Royal Exclusives Jardin d’Amalfi da Creed num frasco de 250 ml chega aos 675 euros. Para muitas pessoas, um perfume será um luxo, mas estes perfumes estão oficialmente nessa categoria do mercado.

O mercado global dos perfumes está em crescimento e prevê-se que alcance os 69 mil milhões de dólares em 2030, os perfumes de nicho são uma das categorias desta área com o crescimento mais rápido, com uma previsão de taxa de crescimento anual composta de 13,2%, segundo a How To Spend It do Financial Times escrevia há apenas alguns meses. “Eu acho que a grande tendência nos últimos anos foi passar da perfumaria mais mainstream para uma perfumaria de autores”, disse ao Observador a especialista em luxo Mónica Seabra-Mendes e justifica a afirmação com o crescimento deste mercado. O perfumista Lourenço Lucena diz que um exemplo de como as marcas de nicho estão a ganhar relevância é o facto de estarem a ser compradas por marcas de mass market, ganhando assim outra escala. Reforça ainda a ideia dizendo que a indústria da perfumaria, em valores globais, representa mais do que a indústria do cinema, para ilustrar o quão valiosa é. Falamos com ambos para perceber como se chega a uma fórmula tão especial.

O que torna um perfume caro?

Um dos elementos que torna um perfume caro é, de facto, a sua base, ou seja, as matérias-primas. A Natureza é uma fonte infinita, mas há também cada vez mais espécies animais e vegetais que são protegidas, o que obriga a indústria a investir em desenvolvimento e na criação de novas matérias-primas sintéticas. Entre estas, algumas replicam as naturais e outras são totalmente sintéticas. O perfumista Lourenço Lucena não considera que o facto de um perfume ser composto por substâncias sintéticas faça dele um mau perfume, pelo contrário, acredita que a composição sintética abriu muitas portas. A preferência por matérias-primas naturais é uma escolha. “Para mim, não há maus nem bons perfumes.”

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Há matérias-primas que são muito caras, o quilo concentrado de algumas pode custar dezenas de milhares de euros. Por exemplo, um óleo essencial de jasmim de qualidade muito alta pode custar entre 30 e 50 mil euros, embora haja possibilidades mais acessíveis no mercado, por exemplo a centenas de euros. E o custo de uma matéria-prima deve-se à sua raridade e não ao processo de extração de aroma, já que esses estão bastante desenvolvidos.

O custo do perfume engloba, além da matéria-prima, o desenvolvimento, a equipa que pensa o perfume, o perfumista que é contratado para criar a composição, a equipa de design que vai desenhar o frasco e todos os detalhes que o tornam especial e único, a equipa de publicidade que vai desenvolver uma estratégia de comunicação. Depois há também toda uma cadeia de valor que acontece depois do perfume estar produzido.

A exclusividade é, sem dúvida, um fator de encarecimento de um perfume. Lourenço Lucena, que faz perfumes por encomenda, garante que sim, desde logo pelo tempo de dedicação. “Eu não faço um perfume para alguém sem antes conhecer a pessoa. Portanto, isso implica alguns meses de relação, no mínimo.” Mónica Seabra-Mendes acrescenta que num perfume personalizado há um trabalho de construção e perceção do que a pessoa gosta, contudo o que vai realmente encarecer o processo são as matérias-primas compradas especificamente para aquela fragrância que, sendo em pequena escala, atingem valores muito elevados. “A matéria-prima dos perfumes é muito, muito cara. Estamos a falar de um perfume que pode custar 100 mil euros. E eles nunca nos dão a fórmula.”

O perfume como um luxo

“Provavelmente, de todos os produtos de luxo, o perfume é aquele que a pessoa mais compra pelo prazer que ele lhe traz, porque é um complemento à sua personalidade”, diz ao Observador Mónica Seabra-Mendes, coordenadora do programa de “Gestão do luxo”, na Universidade Católica. “Há uma relação muito intrínseca entre a pessoa e o seu perfume.” Na perfumaria há dois mercados: o mainstream, maioritariamente associado às grandes marcas, e o chamado mercado de alta perfumaria ou de autor. “Aqui a tónica é o produto, não é o marketing associado ao produto, não é o packaging, não é o frasco, não é quem é que representa o perfume, é o perfume. O perfume é a estrela. Portanto, se eu sou apreciadora de perfumes, são esses que eu vou procurar.” Estas fragrâncias são criações de autor que não respondem a exigências de mercado, de contenção de custos ou de gostos do consumidor. São perfumes que requerem, até, algum conhecimento para apreciar.

Estes perfumes de autor são tratados como produto de luxo, explica Mónica Seabra-Mendes. Mas quais as características necessárias para integrar um tão seleto estatuto? “É, sobretudo, a excelência do produto. A qualidade é um pré-requisito, portanto, assume-se que um produto de luxo já tem qualidade. O ponto acima é a excelência, e os touch points são: packaging, comunicação, quem usa o produto, qualidade inclusiva do produto, matérias-primas, processo de elaboração, tudo.” E ainda a exclusividade, que é uma questão muito importante. “Antigamente o produto de luxo era um produto que não se encontrava facilmente por causa das matérias-primas, hoje em dia não é o caso dos perfumes”, explica Mónica Seabra-Mendes. “Atualmente um produto de luxo é aquele que advém da exclusividade dos artesãos, há poucas pessoas capazes de fazer um determinado produto, e portanto exclusividade é dizer que eu tenho e o outro não tem, isso permite-me ter um estatuto social diferente.” Falta ainda referir a estética, que deve ser intemporal, passando por tendências e modas e perdurando no tempo. E a criatividade, já que o produto deve surpreender.

E, claro, o tempo. O luxo precisa de tempo e a especialista nesta área confessa que uma das críticas que faz atualmente à indústria do luxo é precisamente a falta de tempo. “Para surpreender alguém, nós temos que estar um bocadinho fora do tempo ou até à frente dele. E temos que educar os consumidores. E hoje não há tempo para isso. Ou o consumidor gosta ou não gosta. Então, o que é que se faz? Estudos no mercado para saber o que é que o consumidor gosta. Ora, isso não tem piada.” Porque, explica, para surpreender há que dar às pessoas algo de que elas não estão à espera.

Conta que trabalhou com o perfumista de autor Serge Lutens e quando este lançou no mercado cinco perfumes com a marca Shiseido, achou-os tão difíceis que não sabia como os iria comunicar. Depois percebeu que ainda não estava preparada para os perceber. “Em qualquer um dos nossos sentidos, nós temos que ter um trabalho de educação”, explica. “O sentido olfativo é o menos desenvolvido do ser humano. Ainda que tenha sido o primeiro a desenvolver-se no feto, por uma questão de sobrevivência do ser humano.” Estamos assim habituados aos aromas básicos e é por isso natural rejeitar logo à partida um aroma que seja mais complexo, porque ele exige mais trabalho. Mas há que insistir. “Depois, quando vamos para o outro lado, como costumo dizer, é como ver a televisão em alta definição.”

Opar. Velas, “Maresia”, “Veraneio”, e um laboratório para criar o seu perfume de raiz

Como se constrói um perfume?

À conversa com um perfumista a curiosidade impõe uma pergunta: como é que se constrói um perfume? “Eu costumo dizer que um perfume é uma história, que começa na cabeça do perfumista, do criador, que pode ser uma história que ele decide criar ou inspirada numa história de um cliente. A história até pode ser exógena ao perfumista, mas ele tem que a sentir. E esse é o primeiro momento.” O ponto de partida é a história, ou o briefing, e o objeto tanto pode ser o gosto de uma pessoa, como uma memória de uma viagem, uma história de amor ou a expressão de identidade de uma marca. “É com base nessa história que nós vamos escolher as personagens que lhe vão dar corpo e as personagens são matérias-primas, são diferentes aromas que, casados, relacionados de uma forma harmoniosa, vão contar uma linda história.”

Lourenço Lucena, é um dos poucos portugueses que se podem auto-intitular perfumistas, contudo é o único que é membro da Sociedade Francesa de Perfumistas, “naquela que é a ordem profissional talvez mais antiga e mais conhecida internacionalmente neste universo da perfumaria”. O universo é restrito e o perfumista diz que não deverá chegar aos mil o número de pessoas com este estatuto registados em associações e ordens profissionais. Afirma que, “apesar de já se terem feito milhares de composições diferentes no mundo da perfumaria, a verdade é que é sempre possível fazer algo novo”.

Como em tudo o trabalho e prática levam a aperfeiçoar uma arte, um nariz mais treinado e habituado a trabalhar com aromas estará mais habilitado, neste caso a avaliar um perfume. Mais precisamente a sua construção, já que um perfume pode ter dezenas de matérias-primas numa composição única. Para o perfumista “é a harmonia da relação dos vários elementos” que garante um bom perfume. “Aos meus olhos, um perfume quase perfeito ou perfeito é um perfume que quando eu o sinto tem essa capacidade de me surpreender e que eu sinto uma relação de harmonia dos vários componentes.”

“O olfacto treina-se, educa-se e desenvolve-se”

Tal como na moda, parece que também na perfumaria o luxo nos leva, por vezes, de regresso às origens. Seja com a possibilidade crescente de frascos que permitem o re-fill, como nos perfumes sem género. “Acho que isso é uma característica da perfumaria que é anterior à discussão pública do género”, diz Lourenço Lucena sobre o segundo caso e volta atrás no tempo, mais precisamente até à corte de Luís XIV, para explicar que na perfumaria esta questão não é nova.

“Era um tempo em que as pessoas não tomavam banho e os odores corporais tinham que ser ocultados. Portanto as matérias-primas que mais se utilizavam nessas épocas eram muito fortes, muito poderosas, como os florais, notas muito densas, notas muito pesadas. Perfumes que hoje em dia, se calhar nem uma avó nossa se atreveria a usar.” Naquela altura, os homens usavam aromas florais e as mulheres usavam madeiras e especiarias, o oposto da ideia generalizada que existe atualmente. Terá sido a indústria da perfumaria a criar uma segmentação por género no mercado dos perfumes já no século XX. Depois, no final do mesmo século, Calvin Klein veio agitar o mundo da perfumaria com o seu CK1 e o regresso aos perfumes unissexo.

As marcas que na moda identificamos como sendo de luxo, no que toca aos perfumes são na verdade consideradas mass market. É, em muitas delas, a única forma que o público generalizado tem de possuir um bem daquela griffe. Contudo algumas destas marcas estão agora a apostar em conceitos de perfumaria mais exclusivos. Por seu lado, os perfumes de nicho, como das marcas L’Artisan Parfumeur, Serge Lutens e Goutal Paris estão agora à venda a um público mais alargado.

Para treinar o olfato, reunimos na galeria no topo do artigo alguns perfumes recém-chegados ao mercado.