Se tivéssemos que escolher um vencedor desta noite de Emmys, seria a FX, canal/produtora que agora pertence à Disney e que acumulou nove prémios divididos por três séries: Shogun, The Bear e Fargo. O que nos leva ao segundo vencedor da noite: o risco. Há quase duas décadas que a FX se tem destacado por produções que fogem à norma e que insistem, insistem, até entrarem no domínio da cultura popular. A vitória não é da noite de domingo — porque o canal tem sido reconhecido ao longo dos anos —, mas por ser o lugar onde séries como aquelas já referidas (mas também Reservoir Dogs ou American Horror Story) podem existir. E, por falar em risco, também aconteceu Baby Reindeer.
Falemos de números, primeiro. Na cerimónia desta noite houve três séries premiadas com quatro Emmys: Shogun, The Bear e Baby Reindeer; e uma que levou três, Hacks. Estas foram também aquelas que se destacaram com prémios nas principais categorias. Foi, contudo, uma cerimónia morna, sem uma mão cheia de momentos altos. Os Emmys são uma oportunidade para celebrar personalidades que não se veem há anos e que, de repente, surgem a apresentar um prémio (por vezes, quase que parece que se está a cobrar um favor) e, claro, foi raro o vencedor que não foi corrido com o som de orquestra. Houve uma tentativa de contornar este incómodo, que foi colocar em legenda os agradecimentos dos vencedores. Mas, até ver, as pessoas ainda preferem falar ao microfone.
Uma das grandes novidades da noite foi marcar a apresentação de alguns prémios com apresentadores que, nas últimas décadas, interpretaram na televisão tipos de personagens favoritos do púbico. Por lá passaram pais, mães, ódios de estimação, médicos, treinadores, polícias e advogados. Houve também celebrações de séries que têm uma data redonda em 2024, como The West Wing (25 anos e oportuno, por causa das eleições) e um momento de humor algo falhado a celebrar os cinquenta anos de Happy Days, com Ron Howard e Henry Wrinkler em palco.
2020 ligou e trouxe como apresentadores os grandes vencedores da edição dos Emmys de 2020, Eugene e Dan Levy, pai e filho, criadores de Schitt$ Creek. Valores seguros que não comprometem, para evitar que alguém se chateie (afinal, estamos em ano de eleições) e, por isso, a cerimónia de abertura aconteceu sem ondas. Lembram logo que não são comediantes de stand-up, fazem a piada casual de que apesar da cerimónia passar na televisão, grande parte dos nomeados são dos serviços de streaming e, claro, não evitam a piada das 23 nomeações de The Bear para comédia, apesar de não ser uma comédia: “No espírito de The Bear, não fazemos piadas sobre isso”, rematam.
Antes de terminar, referem que Shogun já fez história. Não pelas 25 nomeações, mas pelos 14 Emmys que venceu no fim de semana nos Creative Arts Emmy. É a primeira vez que uma série, numa só temporada, ganha tantos prémios. E foi a primeira em língua não-inglesa a ganhar como Melhor Série de Darama. Fazem uma menção simpática a Reservoir Dogs e às suas quatro nomeações e acabam a brincar com as mensagens de texto de Baby Reindeer. Talvez a melhor intervenção de ambos foi quando Dan Levy mencionou a influência positiva do coach Taylor de Friday Night Lights na sua vida — provavelmente, a melhor série dos últimos vinte anos que não ganhou o espaço merecido no historial pop.
A coisa melhora logo um pouco quando o elenco de Only Murders In The Building entra para apresentar o primeiro prémio da noite. Selena Gomez, Steve Martin e Martin Short puxam a coisa para outro lugar e, sem darmos por isso, começam a sair piadas da resposta a dar quando perguntam se “estás a ver o meu programa?”, a resposta? “Adorei ver-te naquela cena com Nicole Kidman. 9/10 vezes estou certo.” Para a próxima já sabe, quando lhe perguntarem que série está a ver, diga “aquela com a Nicole Kidman”, há tantas que é provável que resulte e crie alguma empatia.
Seriam eles os primeiros a dar o primeiro de três prémios de interpretação para The Bear, o de Melhor Ator Secundário (comédia) para Ebon Moss-Bachrach, que repete a proeza do ano passado. Quem também repetiu a dose foi Jeremy Allen White na categoria de Melhor Ator (comédia); já Liza Colón-Zayas estreou-se nas nomeações e nos prémios, na categoria de Atriz Secundária (comédia). Neste início muito The Bear, só houve um intruso, porque a categoria continua a parecer trocada (fruto das regresas pemissivas da inscrição nos prémios): Billy Crudup ganhou o segundo Emmy para Melhor Ator Secundário (drama), pelo papel em The Morning Show, prémio entregue por Colin Farrell, que tem uma nova série a estrear esta semana, um novo spin-off de Batman, The Penguin.
Elizabeth Debicki levou para casa o Emmy de Melhor Atriz Secundária (drama) pela sua Diana em The Crown e, pouco depois, Candice Bergen, a Murphy Brown, subiria ao palco para entregar o primeiro prémio de comédia que não iria para The Bear, Melhor Atriz para Jean Smart (Hacks). E aqui acontecia um dos momentos memoráveis da noite, quando Bergen fala de quando a sua personagem ficou grávida e das críticas de então do vice-presidente Dan Quayle sobre as atitudes de Murphy Brown. A conclusão chega a Donald Trump, quando diz que hoje não teria esse tipo de problemas. A punchline? Um “miau”.
Seria o primeiro de três Emmys para Hacks, que levou menos na categoria de comédia do que The Bear, mas que ficou com dois dos melhores: Melhor Escrita e Melhor Série. A quarta estatueta para The Bear foi para Christopher Storer por Realização, graças ao episódio Fishes (estas nomeações todas de The Bear referem-se à segunda temporada e não à mais recente), um daqueles incontornáveis da série. Vencedor de comédia da noite? Hacks, pois claro — e ainda bem —, que foi o que deu mais alegrias à Max, que recebeu mais três Emmys: para Melhor Atriz em Minissérie/Antologia/Filme pela interpretação de Jodie Foster em True Detective, Melhor Programa de Variedades com Argumento para, o já habitual nestas andanças, Last Week Tonight With John Oliver, e Melhor Especial de Variedades para o brilhante Alex Edelman e o seu Just For Us.
Se a Max venceu na comédia, a FX/Disney+ venceu na categoria Drama e a Netflix em Minissérie/Antologia/Filme. Baby Reindeer contou quatro, Melhor Atriz Secundária para Jessica Gunning, Melhor Escrita (quando foi anunciado o prémio, Noah Hawley, criador de Fargo, não parecia muito contente) e Melhor Ator, ambos para Richard Gadd, visivelmente muito emocionado, e Melhor Série. Também da Netflix, Steven Zaillian ficou com o Emmy para Melhor Realização por Ripley. Fargo, da FX, foi premiado com Melhor Ator Secundário, pela interpretação de Lamorne Morris.
Shogun deu um brilharete no final, o aviso surgiu com Frederick Toye a ganhar o prémio para Melhor Realização na categoria de Drama. Hiroyuki Sanada e Anna Sawai (houve dificuldades em dizer o seu nome) ganharam pouco depois nas categorias de interpretação e quase no final surgiu o Emmy para Melhor Série. Não foi uma surpresa, era a favorita. Nos grandes prémios desta categoria só falhou o de Melhor Escrita, que foi para Slow Horses, da Apple TV+. Os Emmys são a prova de que Shogun é um dos fenómenos deste ano. Mas fica uma pergunta: se The Bear estivesse a concorrer na categoria de Drama, Shogun ganharia os mesmos prémios?
Na categoria de talk-show, The Daily Show foi o grande vencedor, com Jon Stewart no palco para receber o prémio, e no campo dos Reality Shows Competitivos, Traitors foi, com justiça, o grande vencedor (não se deixe enganar pela versão portuguesa, a americana e britânica são muito, muito boas). Para o ano há mais e, provavelmente, alguém estará a fazer piadas – e muitos estarão fulos — pela terceira temporada de The Bear ter tantas nomeações na categoria de comédia (ou talvez as coisas mudem quando for altura de fazer as inscrições).
VEJA AQUI A LISTA COM TODOS OS VENCEDORES:
Melhor Série de Drama: Shogun
Melhor Série de Comédia: Hacks
Melhor Atriz, Drama: Anna Sawai, Shogun
Melhor Ator, Drama: Hiroyuki Sanada, Shogun
Melhor Atriz, Comédia: Jean Smart, Hacks
Melhor Ator, Comédia: Jeremy Allen White, The Bear
Melhor Mini-Série: Baby Reindeer
Melhor Atriz, Mini-Série: Jodie Foster, True Detective: Night Country
Melhor Ator, Mini-Série: Richard Gadd, Baby Reindeer
Melhor Realização, Drama: Frederick E.O. Toye, “Chapter Nine: Crimson Sky”, Shо̄gun
Melhor Realização, Comédia: Christopher Storer, “Fishes”, The Bear
Melhor Realização, Mini-Série: Steven Zaillian, Ripley
Melhor Escrita. Mini-Série: Richard Gadd, Baby Reindeer
Melhor Escrita, Drama: Will Smith, “Negotiating With Tigers”, Slow Horses
Melhor Escrita, Comédia: Lucia Aniello, Paul W. Downs, e Jen Statsky, “Bulletproof”, Hacks
Melhor Escrita, Variedades: Alex Edelman, Just for Us
Melhor Série de Variedades: Last Week Tonight With John Oliver
Melhor Atriz Secundária, Drama: Elizabeth Debicki, The Crown
Melhor Atriz Secundária, Comédia: Liza Colón-Zayas, The Bear
Melhor Atriz Secundária, Mini-Série: Jessica Gunning, Baby Reindeer
Melhor Ator Secundário, Drama: Billy Crudup, The Morning Show
Melhor Ator Secundário, Comédia: Ebon Moss-Bachrach, The Bear
Melhor Ator Secundário, Mini-Série: Lamorne Morris, Fargo
Melhor Talk-Show: The Daily Show
Melhor Reality-Show ou Concurso: The Traitors