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Uma queixa na polícia, uma biografia, uma investigação jornalística. Indícios contra Al-Fayed remontam aos anos 90 mas acusação nunca surgiu

Casos de violações e de comportamentos sexuais impróprios foram relatados desde os anos 90. Ex-funcionários dizem que seguranças, advogados e colaboradoras de Al-Fayed sabiam dos abusos.

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AFP via Getty Images

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O escândalo de cariz sexual que envolve o magnata egípcio Mohamed Al-Fayed, dono dos armazéns de luxo Harrods, em Londres, continua a ganhar dimensão. São já uma centena as mulheres que entraram em contacto com advogados, alegando terem sido sido vítimas de violação ou de comportamentos sexuais impróprios cometidos por Al-Fayed, que morreu no ano passado, aos 93 anos. Em causa estão abusos alegadamente cometidos contra funcionárias dos armazéns Harrods tanto no local de trabalho como nas casas do empresário — no Reino Unido e no estrangeiro — divulgados num documentário da BBC. No entanto, desde os anos 90 que tinham vindo a público vários indícios que apontavam para possíveis práticas sexuais impróprias (sobretudo dirigidas a mulheres jovens), mas Al-Fayed nunca foi acusado de nenhum crime.

Quase 40 mulheres já deram início a ações legais contra a empresa que detém os armazéns de luxo e cerca de 60 outras já entraram em contacto com advogados para relatarem as situações em que foram afetadas pela conduta do magnata egípcio, escreve o The Telegraph. Na imprensa britânica, sucedem-se também os relatos de ex-responsáveis pelos armazéns — homens — que afirmam que o comportamento de Al-Fayed, ao longo dos 25 anos em que foi proprietário do Harrods, era sobejamente conhecido e que os colaboradores mais próximos que afirmam nunca se ter apercebido do comportamento do magnata só poderão estar a mentir.

Um ex-diretor dos armazéns Harrods disse à Sky News que não vê forma de as equipas que garantiam a segurança das lojas de luxo “não saberem” do comportamento de Mohamed Al-Fayed em relação às mulheres. “Havia seguranças em todo o lado, todos os telemóveis e escritórios estavam a ser vigiados, com câmaras por todo o lado”, diz o ex-responsável, acrescentando que o magnata tinha muitas assistentes e que “eram todas louras”. “Ele só queria rodear-se de mulheres bonitas”, revela.

Dono histórico do Harrods acusado de abuso sexual e violação por 37 mulheres

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Ex-funcionários e colaboradores terão encoberto os abusos durante anos

Já um ex-gerente da loja disse à BBC que qualquer pessoa que tenha trabalhado num cargo de chefia para Al-Fayed e que afirme não saber o que ele fazia às mulheres “é um mentiroso”. As declarações deste outro antigo funcionário constam do documentário “Al-Fayed: Predator At Harrods”, emitido pela BBC na passada quinta-feira, e que deu voz a cerca de 20 ex-funcionárias dos armazéns Harrods, que denunciaram os abusos por parte do milionário egípcio — cinco delas dizem mesmo ter sido violadas.

Já o jornalista especialista em direitos civis Henry Porter assinou um artigo de opinião no Guardian em que denuncia a cultura de silenciamento em torno dos abusos, em que, diz, participaram advogados, seguranças, responsáveis dos recursos humanos e até médicos. “[Estas pessoas] facilitaram-lhe o caminho e limparam o que ele fez, permitindo que as agressões e as violações continuassem. Al-Fayed não atacou e aterrorizou mais de 20 jovens mulheres sem um grande apoio”, garante o jornalista, que revela ter tido conhecimento de três casos de mulheres que terão sido sexualmente agredidas, quando era editor da revista Vanity Fair no Reino Unido.

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Muitas vítimas foram abusadas sexualmente nos armazéns de luxo Harrods, no centro de Londres

AFP via Getty Images

Apesar da cultura de encobrimento dos crimes, nos anos 90 e no início dos anos 2000 foram divulgados alguns casos que já apontavam para o comportamento sexualmente impróprio de Al-Fayed. Uma adolescente, que trabalhava nos armazéns Harrods, apresentou queixa na polícia, há mais de uma década. À época, ela tinha 15 anos e Al-Fayed quase 80. A história foi noticiada pela imprensa, o que colocou a alegada vítima sob grande pressão mediática, levando-a a retirar a acusação por não estar certa do dia em que o ataque teria ocorrido.

Revista Vanity Fair investigou os abusos nos anos 90 e recebeu ameaças (tal como as vítimas)

Antes, em 1995, um perfil do magnata, publicado pela Vanity Fair, apontava para a possibilidade de Al-Fayed ser um abusador em série e racista. Perante o impacto provocado pelo artigo, o empresário acabou por processar a revista. Ainda assim, Henry Porter não desistiu da história e, dois anos mais tarde, reuniu (com a ajuda de um advogado) evidências suficientes de que o magnata cometera mesma crimes de abuso sexual sobre várias mulheres. Nessa altura, Porter e as testemunhas tiveram de lidar com as intimidações da equipa de segurança de Al-Fayed, composta por várias ex-agentes da polícia. “Houve ameaças por telefone e visitas de ex-polícias que alertaram as jovens que nunca mais trabalhariam, e muito pior”, conta Porter.

Um dos casos envolveu uma mulher de nacionalidade norte-americana, que terá sido feita prisioneira por Al-Fayed. “Em 1996, soube de um caso de uma jovem americana que foi entrevistada para designer de moda e foi brevemente mantida prisioneira”, descreve. Em 2022, o jornalista garante que foi contactado por uma mulher, de meia-idade, violada por Al-Fayed há mais de três décadas.

Abusos sexuais. Ministério Público britânico não acusou Mohamed Al-Fayed por falta de “perspetiva realista de condenação”

Pouco depois, em 1998, ex-funcionárias de Al-Fayed descreveram — numa biografia não autorizada, da autoria do jornalista Tom Bower — que eram apalpadas e violadas pelo empresário no local de trabalho, sendo depois ameaçadas para não revelarem os abusos. Ao GB News, Bower revelou agora que Al-Fayed o ameaçou depois de saber que estava a escrever o livro: “Enviou pessoas para me partirem os dedos”.

Apesar dos indícios acumulados de abusos sexuais e importunação sexual continuada, o magnata nunca chegou a enfrentar uma acusação formal. Em 2008, quando a adolescente, cujo caso é relatado por Henry Porter, apresentou queixa, Al-Fayed foi chamado à polícia para prestar declarações mas nunca chegou a ser acusado.

À época, o responsável pela Procuradoria britânica era precisamente o atual primeiro-ministro, Keir Starmer, que está agora a ser criticado pela oposição por nada ter feito. Na altura, não foi produzida nenhuma acusação, porque a Procuradoria da Coroa Britânica (liderada por Starmer) alegou que “não havia perspetiva realista de condenação”. Downing Street já veio dizer que Starmer não esteve envolvido diretamente na decisão.

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