Falou nos momentos em que teve sucesso desportivo, também falou nos momentos em que ficou aquém dos resultados esperados. Desde que começou a explicar todas as movimentações no mercado de transferências em entrevista à BTV, Rui Costa passou sempre ao lado do contexto em que se encontrava para dar a sua visão sobre as opções tomadas pela administração da Benfica SAD. Agora, não foi diferente. O líder dos encarnados atravessa o momento mais conturbado desde que assumiu a presidência do conjunto da Luz, numa primeira fase por cooptação e de seguida ratificado por quase 90% dos mais de 40.000 associados que foram às urnas no período pós-Luís Filipe Vieira, mas manteve a “regra” para abordar uma janela que fechou há três semanas e que foi marcada no final pela troca precoce no comando técnico da formação principal.
Já depois da saída de Roger Schmidt mas ainda antes da oficialização de Bruno Lage, o Benfica assegurou a contratação do internacional turco Kerem Aktürkoglu (beneficiando também desse último movimento do Galatasaray, que garantiu a cedência por empréstimo de Osimhen) e fechou as vendas de Marcos Leonardo, Morato e João Mário. Essa foi uma clara preocupação neste mercado: os encarnados investiram menos de 50 milhões no reforço do plantel, entre as contratações de Pavlidis, Álvaro Carreras (que fizera seis meses por empréstimo), Jan-Niklas Beste e Leandro Barreiro e as chegadas por empréstimo de Renato Sanches, Zeki Amdouni e Issa Kaboré mas faturaram mais de 140 milhões em vendas, com destaque para as saídas de João Neves para o PSG e de David Neres para o Nápoles além do final de contrato de Rafa (Besiktas).
A comunicação à CMVM do resultado final do exercício de 2023/24 pode ajudar a essa prioridade. Segundo o relatório final, a SAD terminou com um prejuízo de 31,36 milhões de euros depois do lucro de 4,2 milhões no período homólogo, somou o terceiro resultado negativo em cinco anos e teve um aumento nos gastos com os fornecimentos e serviços externos contrabalançado com os custos com o pessoal, ficando na mesma com capitais próprios positivos a 81,9 milhões de euros mas com queda de 27,7% face a 2022/23.
Benfica SAD apresenta resultados negativos de 31,36 milhões de euros em 2023/24
A par de tudo isso, numa ligação “indireta” mas com influência, Rui Costa sentiu pela primeira vez uma real contestação nas duas Assembleias Gerais realizadas na Luz, da forma como defendeu Roger Schmidt depois da última temporada à maneira como foi conduzindo a política de contratações e vendas sobretudo tendo em vista esta época. Em paralelo, houve também a bombástica entrevista do antecessor, Luís Filipe Vieira, que veio lançar mais gasolina para uma fogueira que pode ter deixado de arder tanto face à retoma da equipa de futebol masculino com três vitórias mas que nem por isso conseguiu ser apagada. Era entre tudo isto que o líder falava à BTV, sem se saber até que ponto poderia ou não falar de assuntos extra mercado de transferências tendo em conta que não surgia em público desde a apresentação oficial de Bruno Lage.
“Plantel homogéneo, mais competitivo do que no ano passado e equilibrado”
“O que esteve subjacente à construção do plantel do Benfica foi aquilo que tentámos criar desde que assumi a presidência do Benfica. Desde logo, qualidade, é o ponto assente, mas com alguns itens dentro dessa mesma qualidade: um plantel curto, com 25 jogadores sem excessos, um plantel com jogadores da formação, que temos oito que podem ser nove se contabilizarmos o João Rêgo que trabalha entre equipa A e B, e um plantel homogéneo, mais competitivo do que no ano passado, equilibrado do ponto de vista desportivo e financeiro. No final deste mercado, numa análise geral, colmatando saídas que aconteceram e apetrechando setores que era necessário, acabámos por conseguir o que queríamos. Vejo um plantel forte, com dois jogadores fortes pelo menos por posição”, começou por referir Rui Costa no início da entrevista.
“Temos cinco competições para fazer este ano, três nacionais e duas internacionais. Sabemos a exigência da época e do que é representar este clube e fizemos para que o plantel estivesse preparado para isso. Acho que nos apetrechámos bem, colmatámos o que tínhamos de colmatar e conseguimos criar uma competitividade diferente daquela que tínhamos. Foi um trabalho bem feito e os resultados agora é que vão ditar se foi ou não um trabalho bem feito da nossa parte”, acrescentou ainda o líder dos encarnados a esse propósito.
“Venda do João [Neves] já entra no top 5, nos 70 milhões é a segunda maior transferência”
“Tanto eu como o Joãozinho [Neves] explicámos a ideia das duas partes nesta saída. Claro que quando se trata de um jogador da formação e com o seu carisma, é sempre uma dor, não vou estar aqui a embelezar as coisas. É uma dor perder um jogador como este. Fomos rejeitando propostas que chegaram mais cedo e de menor volume. Fomos fazendo subir as propostas até que chegámos a um valor que era inevitável. Ele não queria sair do Benfica, tinha um sentimento pelo clube que demonstrava bem em campo mas há número que, quer para o clube, quer para o jogador, se tornam inevitáveis. Esta é a realidade. Até ao valor dos 60 milhões que certamente chegarão aos 70 milhões”, comentou a propósito da maior venda da temporada.
“Depois falou-se muito do valor. Quando se trata de um jogador como o João, da nossa formação e com o seu carisma, todos nós achamos que este jogador não tem preço mas temos de olhar para o mercado e ver como está o mercado também. Este foi o mercado mais baixos desde 2016, 2017. É o primeiro ano em que não houve uma transferência acima dos 100 milhões. Não estamos aqui para bater recordes de vendas, estamos aqui apenas para valorizar os nossos jogadores, mas neste mercado a transferência mais alta foi um avançado campeão mundial que foi para o Atl. Madrid [Julián Álvarez, do Manchester City]. Na atualidade, com o mercado com tendência para baixar e não subir, chegando aos 70 milhões é a segunda maior transferência e agora já entra no top 5. Isto é só para explicar, não para bater recordes. É um valor extremamente alto. Custa ver partir um dos nossos meninos mas são necessidades”, completou.
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“O Marcos Leonardo é uma situação diferente, tem a ver com a estratégia desportiva. Uma das posições que conseguimos reforçar foi a de ponta de lança, com a contratação do Pavlidis que não querendo puxar agora o azar tem justificado e de que maneira a sua aposta. Num plantel que está apontada a jogar com um avançado ou com um mais um, foi nossa opção ficar com dois pontas de lança de área e mais um que pudesse fazer as duas posições, aquele 9,5 mais a de 9. É por isso que sai o Marcos no final do mercado, é por isso que sai o Casper [Tengstedt] no início do mercado. Ficámos com o Pavlidis, o Arthur Cabral e o Zeki Amdouni para fazer as duas posições. É outro jogador que fomos evitando as propostas, fomos recusando, quando chegou uma proposta de 40 milhões… Tem grande margem de progressão mas isso acontece quando jogam e ter um jogador que vale 40 milhões com grande risco de não ser titular era quase inevitável”, destacou.
“Neres? Foi um valor substancial por um jogador de 27 anos que não era indiscutível”
“O David Neres, apesar de toda a qualidade que é inegável e de tudo o que fez no Benfica, não deixa de ser um jogador de 27 anos que oscilou muito a titularidade com a não titularidade ao longo de dois anos. É um jogador extraordinário, sim, mas com esta ou aquela oscilação. Já no ano passado houve propostas e a ideia dele em mudar de ares, pensámos que o melhor era ficar, este ano voltou a ter propostas, para uma Liga que também lhe agradava e queríamos um jogador com características diferentes. A saída dele implicou depois a vinda do Kerem [Aktürkoglu], um jogador que joga nos dois flancos e o Neres gostava muito mais de jogar só pela direita. Foi um valor substancial por um jogador de 27 anos que não era indiscutível. Considerámos que seria uma solução boa para as duas partes neste contexto”, referiu sobre o internacional brasileiro.
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“O Morato é um jogador formado por nós, no ano passado foi muitas vezes sacrificado a jogar não na sua posição mas tudo tem o seu significado, não existem saídas só por sair. Com a continuidade de Otamendi, com a afirmação clara do António [Silva] e com a ascensão do Tomás Araújo, arriscávamos a ter o Morato como quarto central que faz mais bancada do que banco. Teve uma projeção diferente mas os jogadores só têm projeção quando jogam. Entendemos não desvalorizar o ativo e não prejudicar a carreira do jogador porque seria quase um quarto central, poderia ter poucos minutos. É daí que vem essa saída, ficando com esses três centrais e a subida de um outro central da formação à imagem do que já aconteceu com o António, o Tomás e o próprio Morato, foi apenas isso”, explicou sobre o jovem central brasileiro.
“João Mário foi dos jogadores e homens mais extraordinários que apanhei no futebol”
“O João [Mário] foi dos jogadores e homens mais extraordinários que apanhei no futebol e deu-nos muito enquanto esteve ao nosso serviço, influentíssimo no ano do título. Houve aqui um elo que se partiu e tanto nós como ele decidimos seguir caminhos diferentes nesta altura mas não deixo de agradecer tudo o que fez. Houve alguma coisa aqui que se partiu pelo meio, entendemos ser melhor cada um seguir o seu caminho. O Paulo Bernardo, um bocado à imagem do que fizemos com o Jota há dois anos atrás, deixando uma percentagem de uma mais-valia futura, sendo uma operação um pouco mais baixo. Assim não prendemos as pernas aos jogadores e podemos deixá-los seguir as suas carreiras”, rematou sobre a parte das saídas.
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“O Kerem [Aktürkoglu] era um jogador visto e referenciado muito antes”
“Em relação às entradas e sobre o Pavlidis, há que referir uma coisa: ele fez mais golos na pré-temporada do que tem feito agora nos jogos oficiais mas tem mostrado muita qualidade e exibido sempre espírito de sacrifício em prol da equipa. A sua contratação surgiu dentro da estratégia de contratar um ponta de lança com uma média de golos mais elevada do que os avançados do ano passado, com características diferentes. Já estava referenciado há muito tempo mas por valores de mercado que não tínhamos conseguido fechar o negócio antes. Estamos muitos satisfeitos com ele, tínhamos muita convicção do seu valor, e também estamos muito satisfeitos pela dupla de pontas de lança com que ficámos no plantel desta época”, começou por salientar em relação ao internacional grego que foi a contratação mais cara da época por 18 milhões.
“O Kerem [Aktürkoglu] era um jogador visto e referenciado muito antes. Só chegou no último dia do mercado também devido às novas leis de emigração e as restrições daí inerentes. Perdemos o Neres, um jogador criativo mas que preferia jogar na direita. Entendemos que precisávamos de um desequilibrador que pudesse atuar em ambos os flancos. O Kerem deixou marca nos três jogos que já disputou, esperamos que continue assim. Vai ao encontro do equilíbrio do plantel pois tínhamos menos criadores pela esquerda, libertando assim o Fred [Aursnes] para outras tarefas. Temos o Prestianni e o Schjelderup, jovens muito talentosos, mas que ainda não devem ter a responsabilidade do sucesso da equipa nem de serem já os abre latas da equipa, que irão lá chegar com o tempo. Confiamos muito neles e é a prova que temos equipa para o presente mas também para o futuro”, frisou sobre o antigo jogador do Galatasaray.
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“Um dos problemas que tivemos no ano passado foram as laterais. Ficámos com o Álvaro Carreras que se está a afirmar e era preciso mais um jogador. Identificámos o Beste, um lateral muito ofensivo, teve uma lesão logo no primeiro jogo oficial mas temos muita confiança nele e nas características que procurávamos. O Leandro Barreiro conhecêmo-lo há muito tempo. Iria ficar livre e antecipámos o mercado, chegámos à fala com ele. Tivemos muita facilidade nesta contratação porque o Leandro queria muito vir, tem uma grande paixão pelo Benfica. Foi uma contratação fácil nesse sentido, é um jogador de plantel e veio completar esse setor do meio-campo. O Kaboré é para preencher a lateral direita. É um jovem, vem emprestado sem opção de compra porque o City não permitiu. Temos que ter calma, é um jogador jovem. Sei que não entrou bem no primeiro jogo, num ambiente difícil e pelo nervosismo, mas vamos ter um pouco de calma”, comentou.
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“O Renato tem uma fome muito grande de ser o Renato. Acredito que vai recuperar”
“O Amdouni era um jogador que já estava referenciado desde o ano passado, depois ele optou por ir para Inglaterra. Aproveitámos o facto de a sua equipa ter descido. É um jogador muito forte na zona ofensiva, que pode fazer várias posições, as duas da frente ou até nas alas, mas sobretudo no meio. Era o jogador ideal. Ainda agora no Bessa entrou para o lado esquerdo, é um jogador que tem muita presença na área e pode fazer as quatro posições da frente. Chegou na última semana de mercado, depois houve seleções, ainda está a entrosar-se mas vai ser importante esta época. Tem um empréstimo com opção de compra, não conseguimos trazê-lo por inteiro porque era a única forma para conseguir esse negócio”, explicou Rui Costa.
“O Renato [Sanches] não era preciso apresentar a casa. Com a saída do João Neves houve a oportunidade de perder um jogador da casa e trazer outro jogador da casa. Apesar de não ter tido fulgor nos últimos anos, o Renato tem uma fome muito grande de ser o Renato, tem uma fome muito grande de vestir esta camisola. Hoje está aleijado mas acredito que vai recuperar, que é o sítio ideal para recuperar e acredito que ainda vamos ter muito Renato este ano, também pelo sentimento que tem por esta camisola”, reforçou.
“Foi um ano em que vendemos mais do que comprámos, com 144,7 milhões de receita [com 18 milhões de bónus] e 40 milhões de investimento [mais cinco milhões em bónus]. Tivemos um resultado negativo acima dos 30 milhões de euros. Não vou embelezar as coisas, não é esse o nosso objetivo, mas depende muito do timing da venda. Optámos por prescindir do resultado positivo e perder muitos milhões por vender à pressa muito abaixo. O mercado começou a mexer muito tarde pelo Campeonato da Europa e pela Copa América, por isso não fizemos nenhuma grande venda até 30 de junho. Por exemplo, se tivesse aceitado a primeira proposta pelo João Neves, teríamos um resultado positivo mas muitos menos milhões. Sabemos o que estamos a fazer, optámos assim. Preferimos alongar o mercado para valorizar ainda mais os nossos jogadores. Encaminhámos os resultados do próximo ano. A situação financeira está estável e não há problema com o fair play financeiro, os sócios podem ficar tranquilos”, assegurou o número 1 das águias.
“Comissões? É sempre um tema que suscita muitas dúvidas, críticas e discussão e faço questão de explicar de forma a que as pessoas percebam, as vezes que forem necessárias. As indicações da FIFA são para pagar 10% nas vendas, mais uma vez finalizámos com 8,9%. Essas comissões estão contratualizadas e não conseguimos ter jogadores de qualidade sem que os seus agentes tenham direito a receber esses valores. Nas entradas pagámos 0% novamente, é uma política que seguimos. O resto que pagámos é nos contratos dos jogadores, os agentes têm direito a uma percentagem mas isso acontece em todo o mundo”, garantiu.
“Espero que a a próxima AG seja boa, à Benfica. Viva, com crítica, dentro do respeito”
“Bruno Lage chegou e o mercado já tinha acabado, não teve influência. Foi feito um pouco à imagem de Roger Schmidt mas conhecendo Bruno Lage, e partindo do princípio que veio para o Benfica pela sua qualidade, o plantel foi um dos fatores importantes porque sei que este plantel também era à sua imagem. Sei como gosta dos plantéis porque já trabalhámos juntos. Este plantel podia até ter sido feito por ele. Objetivos? Para representar o Benfica não é preciso uma carta escrita de objetivos. É lutar por todas as competições, não temos outros alternativa. O Bruno está preparado para isso”, comentou também Rui Costa.
“Assembleias Gerais? São duas diferentes. A primeira dos estatutos era uma premissa minha e está encaminhada. Apenas deixar o lamento da demissão do presidente da Mesa da Assembleia Geral, Fernando Seara. Lamento porque sei o que sente pelo clube e sei o quanto se empenhou. Tenho muito pena. Agradeço tudo o que deu. Esta Assembleia foi para o arranque dos estatutos. Foi aprovada a proposta global mas agora está a ser discutida tema a tema e quero que seja discutida tema a tema. Não quero estatutos para o presidente do Benfica ou futuro presidente do Benfica mas para o clube. Vai sair um documento muito válido. A próxima, espero que seja uma boa Assembleia Geral, à Benfica. Viva, dentro do respeito. Crítica, e eu estou preparado para isso, mas com respeito. Que seja à Benfica”, concluiu, falando também da próxima reunião magna de sexta-feira para aprovação de contas e orçamento do clube.