A negociação entre o Fundo de Resolução e o Lone Star, que controla o Novo Banco, entrou em “banho maria” e deixou de ser provável que, nesta segunda quinzena de setembro, seja fechado um acordo para o encerramento antecipado do mecanismo de capital contingente (ao abrigo do qual foram injetados mais de três mil milhões no banco). Esse passo será essencial para que o Lone Star possa vender o banco em bolsa (ou a algum investidor), mas o Novo Banco lançou uma nova iniciativa processual junto de um tribunal arbitral que teve como efeito suspender os prazos que estavam em causa.

O prazo de final de setembro, como o Observador escreveu no primeiro dia do mês, estava relacionado com o tempo que o Fundo de Resolução tinha para decidir se iria, ou não, avançar com um recurso – em rigor, uma “ação de anulação” – para tentar inverter a recente derrota (parcial) sofrida pelo Fundo de Resolução num dos diferendos jurídicos que o opõem ao Novo Banco, aquele que está relacionado com as novas normas contabilísticas (ver caixa).

Um dos trunfos do Fundo de Resolução na mesa das negociações está aí: se a ação de anulação vier a dar entrada no Tribunal da Relação de Lisboa (o que ainda não aconteceu), isso significará mais alguns longos meses em que, por se estar à espera dessa decisão judicial, dificilmente haverá condições para se fazer o “acerto de contas” final e encerrar o mecanismo antecipadamente.

Isso complicaria os planos do Lone Star para começar a receber algum retorno do investimento que fez há quase oito anos, seja através de uma venda de parte do capital em bolsa (ou uma venda a outro investidor) seja através da retirada de um dividendo significativo – algo que não pode acontecer porque, enquanto o “mecanismo de capital contingente” estiver ativo, o banco não pode pagar dividendos.

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Mas o Novo Banco, sabe o Observador, lançou uma iniciativa processual que, na prática, teve como efeito suspender a contagem do prazo de 60 dias que o Fundo de Resolução tem para decidir se avança – ou não – com o tal “recurso”.

Contactada, fonte oficial do Novo Banco não quis fazer comentários. O Banco de Portugal, que controla o Fundo de Resolução, tinha dito no início de setembro que o fundo “prestará, em momento oportuno, informação sobre a eventual apresentação de pedido de anulação”. O Observador enviou novas questões ao Banco de Portugal, que não quis fazer mais comentários.

IFRS9. Derrota do Fundo de Resolução obriga a pagar 185 milhões ao Novo Banco

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Em junho o Tribunal Arbitral deu razão ao Novo Banco no diferendo que há muito o opõe ao Fundo de Resolução relativamente às novas regras contabilísticas (IFRS 9), o que significa que o Fundo de Resolução ficou obrigado a pagar 185 milhões de euros ao Novo Banco.

O que estava em causa era que a Norma Internacional de Relato Financeiro 9 (IFRS 9) alterou o cálculo das perdas por imparidades de crédito. Um modelo de “perdas esperadas” veio substituir o modelo de “perdas incorridas”, permitindo-se a distribuição, por um período de cinco anos, do impacto negativo nos rácios de capital.

O Novo Banco começou por aderir a esse regime transitório em 2018 mas em novembro de 2019 pediu para prescindir desse regime transitório, para assumir de imediato os custos (e, assim, poder imputá-los parcialmente ao Fundo de Resolução). Estava no direito de fazê-lo, considerou o tribunal, o que faz com que injeção pública (de 2020) devesse ter sido maior.

Esta negociação, que já dura há cerca de dois anos, pode arrastar-se para os últimos meses deste ano, sobretudo porque nas próximas semanas todas as atenções governativas irão estar concentradas no Orçamento do Estado (aprovações na generalidade e na especialidade) – e isso também é um dado relevante porque, em última análise, o poder político terá uma influência no resultado desta negociação.

Uma fonte próxima da negociação tinha descrito a atitude do Governo como “pró-ativa” no acompanhamento desta negociação que, no fundo, poderá ser um marco importante no processo de resolução do Banco Espírito Santo. Na prática, se for conseguido, esse acordo vai extinguir o acordo que foi feito entre o Banco de Portugal (Fundo de Resolução) e a entidade que comprou o Novo Banco em 2017, o fundo norte-americano Lone Star, que conseguiu um acordo para que o Fundo de Resolução injetasse até 3.890 milhões de euros em dinheiros públicos na instituição financeira.

A data prevista para o fim do “mecanismo de capital contingente”, conhecido pela sigla CCA, é o final do próximo ano (2025). Do lado do Fundo de Resolução, o incentivo está em fechar o processo e, dessa forma, “poupar” os cerca de 500 milhões de euros que ainda estariam disponíveis no acordo de capital (o que resta dos 3.890 milhões iniciais). Já o Novo Banco tem o incentivo de poder extrair um dividendo que pode atingir os 1.000 milhões (o “excesso” de capital que o banco tem, neste momento) e tornar mais fácil uma possível venda de parte do capital em bolsa.

Esse dividendo de mil milhões de euros, a confirmar-se, seria repartido entre o Estado e o Fundo de Resolução e, por outro lado, o Lone Star, que tem 75% do banco. Ou seja, o fundo norte-americano, só graças aos lucros dos últimos anos (que permitiram acumular esse capital excedentário) conseguiria recuperar quase tudo aquilo que investiu na compra do Novo Banco mesmo antes da venda de qualquer parte do capital que detém, na bolsa ou fora dela.

Fundo que comprou Novo Banco prepara venda (em bolsa) pelo quádruplo. Antes, Estado pode receber dividendo de centenas de milhões