A terceira sessão do julgamento da chamada Operação Vórtex — em que estão em causa alegados pagamentos de um empresário de Espinho a presidentes daquela câmara municipal para a aprovação de projetos urbanísticos — ficou marcada pelas contradições de Francisco Pessegueiro sobre um pagamento de 50 mil euros a Miguel Reis. Em tribunal, o empresário admitiu, aliás, que mentiu ao Ministério Público durante o interrogatório, afirmando que não fez pagamento algum ao ex-presidente socialista da Câmara Municipal de Espinho. No entanto, o seu discurso tem vindo a mudar ligeiramente.

Desde a primeira sessão, Francisco Pessegueiro tem dito que não deu 50 mil euros a Miguel Reis. Na última vez que esteve em tribunal, há cerca de três semanas, Pessegueiro admitiu que pagou “taxas de urgência” ao autarca para que os projetos que tinha pendentes na Câmara de Espinho fossem aprovados. Estas taxas teriam tido um valor de 5 mil euros — 2.500 euros pelo projeto 32 Nascente e outros 2.500 euros pelo Lar 32. Mas — contrariando nesse ponto a acusação do Ministério Público —, o empresário negou que tivesse chegado a entregar os 50 mil euros. Pessegueiro disse que Miguel Reis lhe pediu o valor como pagamento para a aprovação dos projetos para o hotel, lar e para o 32 Nascente, mas que nunca chegou a dar-lhe qualquer quantia.

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Esta sexta-feira, com a sala de julgamento praticamente lotada, tal como tem acontecido nas sessões anteriores, Pessegueiro voltou a repetir a versão de que foi o ex-autarca socialista a pedir o dinheiro e acrescentou mais um pormenor à sua última declaração: disse que os 50 mil euros só não foram entregues porque “meteu-se a semana do Natal e de Ano Novo”.

Pessegueiro admitiu em julgamento que, no interrogatório feito pelo Ministério Público, assumiu ter feito o pagamento. Mas diz que agora, em julgamento, “tem o dever de repor a verdade”. Ainda assim, a reposição da verdade virou-se novamente contra Miguel Reis, uma vez que Pessegueiro disse que o dinheiro só não foi entregue “por casualidade”. “Tinha tudo pronto para o fazer”, acrescentou.

Efetivamente, em interrogatório disse que o fiz. Nesse dia à tarde [dia 21 de dezembro de 2021, segundo a acusação do MP], tive uma audiência no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da feira. Entretanto, meteu-se a semana do Natal e de Ano Novo e era para ter sido entregue [os 50 mil euros] na primeira semana do ano.”

À semelhança daquilo que já tinha dito nas sessões anteriores, Pessegueiro insistiu várias vezes na ideia de que terá sido enganado por Miguel Reis, procurando com essa linha de argumentação deitar por terra os crimes de que está acusado — sobretudo, o de corrupção ativa. O empresário sugeriu que terá sido enganado por Miguel Reis, dando a ideia de que não sabia que, afinal, aquele pagamento não estava relacionado com uma “taxa de urgência”.

“Ele disse que era a mesma coisa que ir à lavandaria e pedir que fique pronta no mesmo dia, isto tem uma taxa de urgência. Eu estava encurralado”, explicou. “Percebi que não era uma taxa normal, mas sim dinheiro que me estava a pedir”, acrescentou depois Francisco Pessegueiro.

Nesta altura, o juiz Carlos Azevedo, que preside ao coletivo de juízes, não deixou escapar uma crítica: “Sabe que não se entrega dinheiro ao presidente da Câmara para aprovar projetos. Aquilo a que chama taxa de urgência é uma quantia para que as coisas andassem depressa. O senhor Francisco é um empresário, é um homem vivido, sabia que não deixava de ser uma quantia dada a um político.”

MP pediu reprodução de interrogatório e Pessegueiro assume: “Eu menti”

Depois de Francisco Pessegueiro ter contrariado a versão que apresentou em interrogatório, a procuradora do Ministério Público pediu a reprodução da gravação em causa, para que o empresário fosse confrontado com as próprias palavras e “por se revelar necessário à boa descoberta da verdade”, justificou a procuradora. Perante o tribunal, a gravação mostrou o empresário a explicar ao Ministério Público, já no ano passado, que entregou os 50 mil euros a Miguel Reis.

“- Eu levava isso [dinheiro] comigo e entreguei-lhe isso dentro de uns sacos.

– Sacos de quê?

– Acho que eram do talho, até.”

Ainda durante o interrogatório, e de acordo com a gravação ouvida esta sexta-feira, Francisco Pessegueiro explicou que, no dia 21 de dezembro, dia em que a acusação defende que foi feito o pagamento, Miguel Reis “estava sentado na esplanada, cá fora”. “Viu que eu vinha, perguntei ‘já tem o café pago?’. Ele disse que sim, levantou-se, entreguei-lhe [o dinheiro], eu fui para sul e ele foi para norte”, acrescentou.

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Agora, em tribunal, disse que, afinal, era tudo mentira e que não entregou os 50 mil euros: “Eu não entreguei nada”, garantiu. “Em boa verdade, eu menti, mas hoje estou aqui para repor a verdade”, acrescentou. “Nesse dia, no dia 21, não há nenhuma imagem do arquiteto Miguel Reis, nem minha. Eu disse isto [durante o interrogatório], porque para mim era igual ter dado ou não. O meu advogado já me explicou que é igual ter a intenção ou fazê-lo.”