Há 60 anos nascia o Shinkansen, o famoso “comboio-bala” do Japão, um projeto que redefiniu as viagens ferroviárias, mas também a própria imagem do país que se encontrava em recuperação, depois da derrota na Segunda Guerra Mundial.

Um passo em frente para o futuro. Às seis da manhã do primeiro dia do mês de outubro de 1964, multidões juntaram-se, para verem dois comboios a partirem simultaneamente de Tóquio e Osaka, na estreia do “Japan’s magic bullet”, que veio reduzir drasticamente o tempo de viagem entre as duas cidades.

Cerimónia do 60º. aniversário do comboio-bala em Tóquio

Cerimónia do 60º. aniversário do comboio-bala em Tóquio

As imagens a preto e branco mostram homens, mulheres e crianças com roupas elegantes, encantadas com o grande acontecimento histórico. Nas carruagens encontravam-se passageiros a experimentar pela primeira vez uma velocidade impressionante para a época. Em vez das quase sete horas anteriormente necessárias para percorrer os 320 quilómetros entre as duas cidades, a viagem agora poderia ser concluída em apenas quatro horas.

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Para muitos japoneses, aquela experiência representava muito mais do que uma inovação tecnológica — era um marco no caminho de modernização e de construção de uma nova identidade nacional.

Estes novos comboios e o início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, foram um dos maiores símbolos do ressurgimento económico, tecnológico e democrático do Japão no pós-guerra. “A inauguração do Tokaido Shinkansen e dos Jogos Olímpicos de 1964 entrelaçam-se numa poderosa mensagem simbólica para o mundo: O Japão está de volta. Mas o Japão não só está de volta, como está pronto para ser um líder mundial”, referiu Christopher Hood, leitor de estudos japoneses na Universidade de Cardiff e autor de Shinkansen: From Bullet Train to Symbol of Modern Japan, no The Guardian.

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A chegada do Shinkansen simbolizou o surgimento do Japão como uma força global. Antes criticado e vítima de protestos, por ser visto como uma despesa extravagante numa era de mobilidade crescente por rodovias e viagens aéreas, o “comboio-bala”, assim chamado pela velocidade que alcança,  tornou-se rapidamente num símbolo de eficiência, tecnologia e progresso. A rede expandiu-se e criou conexões com as principais ilhas do arquipélago de forma a responder às necessidades de milhões de passageiros.

Este comboio veio redefinir o conceito de transporte público de alta velocidade. Seis décadas depois, o Shinkansen continua a ser um exemplo de inovação a nível nacional, mas sobretudo a nível global. O tempo de viagem entre Tóquio e Osaka foi reduzido para 2 horas e 22 minutos — a uma velocidade máxima de mais de 286 quilómetros por hora — e a pontualidade é marcante, com atrasos médios de menos de um minuto. Esta rapidez e precisão dos horários vem contrastar com as falhas observadas em muitos sistemas ferroviários pelo mundo fora.

Até aos dias de hoje, mais de 6,4 mil milhões de passageiros foram transportados sem uma única morte provocada por acidentes ou problemas técnicos. Isto revela um feito impressionante da engenharia e operações ferroviárias.

Mais do que tecnologia, é um símbolo de orgulho nacional japonês

O sucesso do Shinkansen não se restringe apenas à eficiência operacional, também se caracteriza como sendo um ícone cultural do Japão e reflete o orgulho que a nação sente pelo seu progresso. “Este é um país que realmente adora os seus comboios”, referiu Mark Schreiber, ao The Guardian.

Schreiber, um residente de longa data do Japão que viajou quando tinha 18 anos, com o irmão e os pais, de Tóquio a Quioto, no primeiro ano da operação do comboio, lembra-se de ter ficado “entusiasmado” e ainda escreveu: “A viagem era tão suave que a única sensação de velocidade era ver a paisagem a passar”, numa revista japonesa em celebração aos 25 anos do comboio´.

Além disso, o comboio japonês também veio revitalizar economicamente as regiões por onde passa, e possibilitar uma expansão das oportunidades de negócios e de turismo em cidades mais pequenas — que muitas vezes acabavam por ser postas de parte — e que agora estão mais conectadas com as grandes metrópoles.

A revolução global do comboio japonês

A expansão da rede ao longo dos anos ajudou a transformar o Japão num dos líderes globais de tecnologia ferroviária, com conglomerados como Hitachi e Toshiba que exportam os seus conhecimentos para outros países. Atualmente, as redes de comboios de alta velocidade inspiradas pelo Shinkansen espalharam-se mundialmente, como por exemplo, em França, China, e mais recentemente, Estados Unidos da América e Índia.

O impacto do Shinkansen transcendeu as fronteiras do Japão, influenciando sistemas ferroviários ao redor do mundo. Países como a França, com o TGV, e a China, que agora possui a maior rede de trens de alta velocidade do planeta, seguiram o exemplo japonês ao incorporar a alta tecnologia e a eficiência no transporte ferroviário.

Nos dias que correm, a China destaca-se com 18.000 milhas de linhas de alta velocidade e supera assim até o Japão em termos de extensão e número de passageiros. Contudo, a segurança e a fiabilidade do Shinkansen são inigualáveis.

Mas embora o comboio ofereça uma experiência confortável e ecologicamente sustentável, este modelo começa a tornar-se antiquado, e enfrenta assim o desafio da atratividade e competitividade do mercado, no qual as companhias aéreas ganham cada vez mais espaço.

Uma nova geração de comboios está a ser preparada. Baseada na tecnologia de levitação magnética, promete velocidades superiores a 480 km/h, mas ainda não se sabe quando estará operacional.

Inicialmente previsto para 2027, este modelo de comboios, como o Chuo Shinkansen, — que vai conectar Tóquio a Nagoya em apenas 40 minutos — tem enfrentado obstáculos significativos. Atrasos devido à complexidade do projeto, problemas com o solo ao longo do percurso, e preocupações ambientais levantaram dúvidas sobre o futuro destes comboios ultra rápidos. A entrada em operação plena não é esperada antes de 2034.