A ideia de que os alergénios dos amendoins se espalham pelos sistemas de ventilação dos aviões não tem base científica, confirma um estudo que considera a falta de limpeza o verdadeiro risco para quem sofre de alergias.
A conclusão, divulgada num estudo publicado recentemente na revista Archives of Disease in Childhood, é o resultado da análise de todos os testes realizados pela Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido, entre 1980 e 31 de dezembro de 2022.
Além dos frutos secos, os investigadores do Imperial College London e a Aviation Medical Consultancy analisaram as evidências de fumo de peixe/marisco ou exposição à farinha de trigo no ar respirado nos aviões, e o resultado é que não foi detetado qualquer impacto em quem sofre de alergias alimentares.
Entre os frutos secos, “os alergénios do amendoim podem ser detetados em níveis muito baixos no ar quando descascados, mas o pó assenta rapidamente e só pode ser detetado muito perto dos frutos secos, o que significa que quase nenhum pó circula no ar“, realçaram os investigadores.
Os sistemas de ventilação da cabine das aeronaves são concebidos para fazer circular o ar pela aeronave e não apenas pela zona dos passageiros, “minimizando a possibilidade de a contaminação gerada pelos passageiros se espalhar” no espaço onde viajam as pessoas.
Ao mesmo tempo, o ar é completamente renovado a cada 3-4 minutos durante um voo, em comparação com os 10 minutos nos quartos de hospitais e salas de aulas, por exemplo.
Além do mais, nos grandes aviões comerciais modernos, “cerca de metade do ar que entra é ar renovado que passou por filtros de partículas de ar de alta eficiência (HEPA) (os outros 50% do provêm do exterior da aeronave)” que removem “eficazmente poeiras, fumos, potenciais agentes patogénicos microbianos e captura simultaneamente a grande maioria das partículas de alimentos num aerossol”, diz o estudo. Por exemplo, continua o artigo científico, “os tamanhos típicos das partículas de pó de amendoim variam entre 2 e 30 µm26, pelo que as unidades HEPA (que têm uma eficiência de remoção de partículas de 99-97% a 0-3 µm) impediriam a recirculação de qualquer pó de amendoim.”
O verdadeiro risco, segundo os autores do estudo, reside na “falta de limpeza dos aviões”, especialmente os que voam em percursos curtos, uma vez que os restos de alergénios permanecem sujos nas superfícies (bandejas, ecrãs de vídeo ou assentos).
“Os detritos superficiais representam o principal risco, provavelmente acentuado pelas rápidas mudanças de rota de muitas companhias aéreas”, sublinharam.
As proteínas dos alimentos tendem a ser ‘pegajosas’ e aderem às superfícies dos bancos, aos sistemas de entretenimento dos encostos dos bancos e aos tabuleiros, o que pode causar uma reação em alguém com alergia alimentar se não lavar as mãos primeiro quando toca na boca ou no rosto.
A melhor forma de evitar este risco é garantir a limpeza adequada do avião, mas no que diz respeito a cada cidadão, os investigadores recomendam, especialmente aos que têm alergias alimentares, que antes de se sentarem no assento limpem as superfícies que foram tocadas por outras pessoas em voos anteriores com toalhitas desinfetantes.
Por isso, aconselham as companhias a que os passageiros alérgicos embarquem mais cedo, como o Departamento de Transportes já exige às companhias aéreas dos Estados Unidos da América.
Os autores sugerem ainda que os passageiros em risco de anafilaxia alimentar levem auto injetores de adrenalina na bagagem de mão, uma vez que nem sempre estão incluídos nos kits médicos de bordo, nem a tripulação de cabine está autorizada a utilizá-los.
“As companhias aéreas deveriam ter políticas mais claras em relação às alergias alimentares, facilmente disponíveis nos seus sites, e divulgá-las bem entre o pessoal de cabine e de terra para que possam esclarecer dúvidas dos passageiros alérgicos”, apontaram ainda.
Os dados do Reino Unido mostram que as reações alérgicas aos alimentos são entre 10 a 100 vezes menos comuns durante os voos do que em terra.