O Presidente da República defendeu esta quinta-feira que deve ser definida uma estratégia nacional para a pobreza que seja “suficientemente elástica, abrangente e flexível” para lidar com incertezas internacionais e pediu que o Governo a concretize o quanto antes.
Num discurso no encerramento das jornadas “Motivar para a Mudança”, organizadas pela Comunidade Vida e Paz, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que este é o momento adequado para “pensar a sério na estratégia nacional não só para a pobreza, mas para as pessoas sem-abrigo”.
O Presidente da República recordou que teve a ocasião de ser convidado, pelo anterior primeiro-ministro, António Costa, para o último Conselho de Ministros do seu Governo, em março, em que um dos temas debatidos foi precisamente os sem-abrigo em Portugal.
“E, com alguma pena minha — mas correspondia à avaliação da realidade naquela altura — a estratégia pensada para os próximos anos foi adiada até ao fim deste ano, mantendo-se a estratégia anterior por mais uns meses para dar tempo a amadurecer uma definição de metas, de horizontes, de perspetivas para os anos que aí vêm”, referiu.
O chefe de Estado considerou que isso é compreensível, porque “havia uma incógnita, uma impercetibilidade, muitas dúvidas sobre como é que o mundo, a Europa e Portugal, a economia, a sociedade iriam evoluir”.
No entanto, Marcelo salientou que, “infelizmente”, essa incerteza mantém-se, tendo em conta que ainda se está a dias das eleições nos Estados Unidos, “a um mês e pouco do começo do novo ciclo de Governo europeu” e esta quinta-feira, apesar de ter reduzido as taxas de juro, o Banco Central Europeu (BCE) admitiu que “a inflação pode subir outra vez”.
“Portanto, estas dúvidas permanecem e não há nada como ter de definir uma estratégia no meio das dúvidas que seja suficientemente elástica, abrangente, flexível, para não adiar o futuro, porque não se adia o futuro de quem sofre tanto. Não é adiável”, afirmou, acrescentando que não se pode pedir a quem sofre “que espere pelas eleições na América ou pelo começo da governação europeia, porque as pessoas vivem todos os dias os seus problemas”.
No início do seu discurso, Marcelo frisou que se conheceram esta quinta-feira os números definitivos sobre a pobreza em Portugal em 2022, que concluem que “houve um salto negativo em termos de pobreza e risco de pobreza”.
Depois, ao longo do discurso, o chefe de Estado fez um balanço da situação de sem-abrigo em Portugal desde 1989 — ano da fundação da Comunidade Vida e Paz — e as políticas públicas que foram implementadas ao longo do tempo, para salientar que, atualmente, o desafio “é não deixar que a banalização, o descaso, a minimização” atinjam essas pessoas.
O Presidente da República recordou que, em 2019, foi visitar um sem-abrigo na Avenida da Liberdade e, ao lado do lugar onde a pessoa estava a dormir, estava a haver “um encontro de jovens, mas jovens privilegiados, que estavam ali a beber, a comer, a confraternizar”.
“E eles conseguiam estar ali, fins de tarde ou de noite, e para eles não existiam aquelas pessoas. E esse é um grande risco, nas grandes cidades, nas grandes urbes, que é a desumanização, a despersonalização”, advertiu.
Neste contexto, Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu o trabalho da Comunidade Vida e Paz, salientando que, quer haja 20 mil sem-abrigo, ou só 20, 100 ou 500, a associação aí está para “interpelar a consciência dos cidadãos e das pessoas”.
Agradecendo à comunidade “por aquilo que fez, está a fazer e sonha fazer no futuro”, o Presidente da República condecorou-a com a Ordem do Mérito — que se vai juntar à Ordem da Liberdade que a associação já tinha — e deixou um pedido à instituição.
“Nunca, mas nunca se esqueçam daqueles que nasceram, ou cresceram, ou viveram uma parte da sua vida – e continuam a nascer, crescer e viver – no lado sem sol da rua. Naquele passeio, porta de prédio, beco, barraca, debaixo daquele viaduto, ombreira de uma porta, nos quais o sol nunca bate, a lua nunca chega, a indiferença é mais forte do que a solidariedade. Nunca se esqueçam delas e deles”, pediu.